Arquivo de Holanda - Fair Play

imagem-fp.jpg
Bruno Costa JesuínoJunho 17, 20196min0

“Amanhã é feriado c******!”. Foram estas as famosas palavras de Éder quando Portugal conquistou o europeu de 2016! Passados três anos, a seleção volta a vencer e, no dia a seguir, foi mesmo feriado. Certamente que não foram efeitos do pedido de Éder, até porque é um feriado já antigo, mas o facto deste título ter acontecido na véspera do Dia de Portugal deu um misticismo especial a mais uma epopeia histórica dos nossos “conquistadores”.  Parte mais bélica de lado, Portugal foi um justo vencedor e, se na meia final prevaleceu a qualidade individual de Cristiano Ronaldo, no jogo decisivo da Liga das Nações, toda a equipa esteve em grande plano.

Foi preciso Ronaldo para desacertar relógio suíço

No primeiro encontro, percebeu-se a ideia de Fernando Santos ao querer juntar dois dos jogadores em melhor forma entre os convocados – Bruno Fernandes e João Félix – aos indiscutíveis Ronaldo e Bernardo Silva.

A estratégia adotada foi uma mistura entre um 442 losangulo e um 433, com muita mobilidade na frente. Ronaldo tanto jogava em cunha com Félix como abria na esquerda. Bernardo tanto aparecia nas costas dos dois avançados como encostava ao flanco direito, ficando muitas vezes Félix como jogador mais adiantado. E Bruno Fernandes, com mais liberdade que William, ia aparecendo entre o centro e a direita, mas com as trocas entre Bernardo e Félix, muitas das vezes aparecia encostado à direita.

Bons jogadores podem sempre jogar juntos, mas a pouca rotina neste sistema e a entrada dos ‘novos’ Bruno Fernandes e Félix, prejudicou principalmente estes dois, que foram os mais apagados e nunca encontraram o espaço certo. Se o avançado do Benfica sentiu falta da referência ofensiva à frente dele, o médio do Sporting andou demasiadas vezes fora do centro do jogo. O melhor momento da primeira parte foi mesmo o ‘tomahawk’ de Ronaldo num livre indefensável. É verdade que nos últimos anos não tem concretizado muitos, mas quando acerta bem e vão direcionados à baliza: são indefensáveis.

Na etapa complementar, num lance confuso e duvidoso, com potencial penalty nas duas áreas, o árbitro acabou por assinalar a primeira infração, possibilitando à Suíça empatar com um penalty de Ricardo Rodríguez. A seleção não tremeu, e com a entrada de Gonçalo Guedes para o lugar de Félix, a equipa estabilizou mais em 433. E melhorou. Ronaldo mais central, trocava algumas vezes com Guedes, que tem rotinas tanto a jogar na linha como no centro. A partir daí Portugal melhorou e perto do fim fez-se magia. Rúben Neves, como já é sua imagem de marca, fez um passe milimétrico a sobrevoar todo o meio campo e defesa helvética, no flanco esquerdo e já junto à área, Bernardo faz uma receção orientada só ao alcance dos predestinados, e encontra o capitão na área. Vemos que a bola vem a saltitar e que é um remate de execução difícil… pelo menos para os comuns mortais. Mas Portugal tem Ronaldo, chega mais rápido que os defesas, e aplica um remate de primeira sem qualquer hipótese para o guarda-redes. Este momento ‘assentava que nem uma luva’ como um final perfeito, mas ainda havia direito aos créditos finais, tal como nos filmes de super-heróis. No tudo por tudo da Suíça, a seleção lusa recupera rapidamente a bola e Ronaldo é lançado na profundidade. O ‘melhor marcador de sempre de uma seleção europeia’, faz uma diagonal da esquerda para dentro, tira com mestria um suíço da frente e com espaço para o remate (e já sabemos como esta história costuma acabar), dispara em arco para o fundo das redes. Mais um hattrick que serve para lembrar os mais esquecidos o porquê de ele ser considerado um dos melhores da história, até porque aos 34 anos(!) continua com a mesma vontade de escrever novos capítulos.

Portugal esmaga ‘laranja’ pouco ‘mecânica’

Na grande final, Portugal mexeu três pedras no onze: na defesa, onde José Fonte já tinha entrado no jogo anterior para o lugar do lesionado Pepe. As outras duas foram por opção técnica, Danilo por Rúben Neves, dando mais músculo ao meio campo e soltando mais William e Bruno Fernandes, desta vez em posição mais central. O 433 surgiu mais acentuado, com Guedes no lugar de João Félix, ficando mais na esquerda e Ronaldo mais no centro, com Bernardo a deambular da faixa direita para dentro. O jogo interior funcionou muito melhor, muito pelas diagonais de Bernardo e Guedes, pedindo-se aos laterais Nélson Semedo e Raphael Guerreiro para darem largura. Além disso, a equipa esteve muito mais forte na transição defensiva, ganhando inúmeras vezes a bola no meio campo ofensivo. Ao intervalo Portugal tinha 12 remates contra apenas 1 da Holanda.

Na segunda parte, a Holanda entrou melhor, mas rapidamente Portugal voltou à mesma toada. Até que Bernardo arranca até à área holandesa e faz um passe atrasado para o espaço vazio, onde aparece Guedes que, com um remate fortíssimo, abriu o marcador. O extremo/avançado, que já tinha entrado muito bem no jogo anterior, foi decisivo e comprovou o bom final de época no Valência, em que nos 10 últimos jogos marcou 8 golos. De acrescentar a fantástica disponibilidade que dá o jogo, seja com ou sem bola. Incansável e mereceu o golo. Perto do fim, foi substituído pelo também rapidíssimo Rafa, que ainda foi a tempo de ajudar a esticar o jogo, com várias arrancadas que deixaram a defesa holandesa em sentido.

Vitória justa de Portugal, num dos jogos mais consistentes da seleção no reinado de Fernando Santos.

Destaque ainda para as prestações de Rúben Dias, eleito o melhor jogador da final, que se assumiu como um verdadeiro líder, principalmente depois da lesão do experiente Pepe. A forma como faz a leitura dos lances, permiti-lhe ganhar muitos duelos, seja pela antecipação ou pelo controlo da profundidade. Nélson Semedo, mais tímido no primeiro jogo, fez finalmente uma grande exibição pela seleção. William, criticado por muitos, mas joga como poucos. Bernardo, a assumir cada vez mais o jogo e a responsabilidade tal como se lhe pedia. E Ronaldo a ser Ronaldo.

E agora Portugal? O que aí vem?

Os jogadores vão de férias com a sensação de missão cumprida. E bem cumprida. Mas no início da próxima época, surge uma jornada dupla importante para a qualificação para o próximo europeu. A 7 de Setembro, tem hipótese de fazer a ‘desforra’ do empate de Março diante da Sérvia, e depois cimentar o segundo lugar na receção ao Luxemburgo, que tem estado muito bem nesta fase de qualificação.

Parece consensual Fernando Santos apostar no sistema que apresentou na final, pois há pouco tempo de treino, e os jogadores respiram melhor neste modelo. Ao mesmo tempo que os ‘novos jogadores’ vão criando rotinas com o grupo e se vai trabalhando paralelamente outras opções táticas. Além disso, com as opções que temos, ‘o Ronaldo atual’, é muito mais importante perto da área do que em fases de construção. A seleção tem quem construa melhor, mas ninguém que finalize como ele. Aliás, isso ninguém tem.


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS