Arquivo de Campeonato da Europa - Fair Play

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Rute RibeiroJunho 16, 20246min0

Há dois Europeus que vão ficar para sempre gravados na nossa memória. 2004 que daríamos tudo para esquecer pela forma como o sonho se dissipou em cima da linha da meta e 2016, quando num percurso meio alucinante, acabámos a levantar o troféu que tanto queríamos. Vou portanto viajar no tempo e falar sobre como foi para mim o EURO 2016.

O selecionador Fernando Santos disse várias vezes que só regressaria de França com a seleção depois de vencer a final a 10 de julho. Louco, acharam uns. Iludido, acharam outros. Mas não é que o homem cumpriu mesmo a sua profecia?

O EURO arrancou a 10 de junho com a equipa anfitriã (França) a vencer a Roménia por 2-1. Portugal fazia parte do grupo F e tinha como adversários a Islândia, Áustria e Hungria. Estreamo-nos na competição a 14 de junho e não conseguimos ir além do empate com a Islândia. 1-1 com golo do Nani pela nossa seleção. No outro jogo do grupo a Hungria venceu a Áustria por 0-2, mas era só o primeiro jogo e a crença permanecia, porque afinal de contas, as contas só se fazem no fim. Segundo jogo e… empate outra vez e desta vez foi mesmo a zeros, depois do Ronaldo ter acertado no poste na cobrança a partir da marca dos 11 metros ao minuto 79. Mas calma, ainda tínhamos mais um jogo para garantir a passagem. Afinal, a missão do adepto é acreditar até ao fim. 22 de junho e concluímos a fase de grupos – 3 jogos e 3 empates. A cada golo que a Hungria marcava (sim, porque eram eles a estar sempre na frente e nós a correr atrás do prejuízo), Portugal respondia. Nani marcou, Ronaldo bisou. No outro jogo do grupo a Islândia abriu o marcador, a Áustria podia ter empatado aos 37’, mas o poste voltou a fazer das suas. Mesmo assim chegaram ao empate aos 60’. Quando o jogo contra a Hungria terminou, Portugal ocupava o segundo lugar do grupo, devido ao resultado do outro jogo do grupo, mas eis que aos 90+4’, o médio Traustason que saltou do banco no minuto 80, colocou a bola no fundo da baliza da Áustria e mudou as contas todas do grupo. Portugal caiu para terceiro lugar do grupo, mas aquilo que parecia uma coisa má, revelou-se um grande golpe de sorte.

A Islândia acabou nesse dia por ser a nossa salvadora, porque nos atirou para um caminho teoricamente mais favorável até à final. Ora vejam lá:

Caminho da Islândia se tivesse chegado à final: Inglaterra, França, Alemanha (que é a equipa que a França derrotou depois de eliminar a Islândia) e depois sim, a final. Já o nosso caminho, mesmo com as suas dificuldades, aparentava ser mais agradável.

Recordar primeiro que avançámos para a fase seguinte porque os quatro melhores terceiros lugares tinham direito a continuar em prova e nós ficamos em terceiro.

Voltando então ao caminho até à final. O primeiro jogo a eliminar foi contra a Croácia e foi, para mim, dos jogos mais stressantes que tivemos naquele europeu. Ninguém abria o marcador e acabamos mesmo por ter que jogar o tempo extra. Lembro-me perfeitamente de estar a ver o jogo no sofá e com tantos nervos a dada altura já estar sentada no chão. Nada acontecia e o tempo começava a ser curto para o golo tão esperado poder surgir. Até que, aos 117’ o nosso 20 cabeceou lá para dentro. Ricardo Quaresma, que entrou aos 87’, trouxe com ele a vontade de pôr o jogo a mexer e acabou mesmo por resolver a partida perto do apito final. Não me censurem, mas fiquei com os olhos bastante húmidos, tal foi a emoção do golo e o alívio depois de 117 minutos de sofrimento. O nosso Quaresma tinha-nos dado a oportunidade de continuar em prova. Mas não se esqueçam deste detalhe, foi mais um empate nos 90’ regulamentares.

Ronda seguinte e calha-nos a Polónia de Lewandowski, sendo que foi mesmo ele a abrir o marcador logo no segundo minuto de jogo. Felizmente, Renato Sanches repôs a igualdade aos 33’ e o resto, acho que se lembram bem. Mais um empate no tempo regulamentar e desta vez, nem o tempo extra trouxe mexidas no marcador e a decisão sobrou mesmo para a marca dos 11 metros. O nosso capitão marcou o primeiro, Lewandowski igualou, pelo meio Moutinho veio bater e bateu bem, a Polónia viu a sua quarta tentativa ser defendida por Patrício, Quaresma marcou o quinto e selamos a passagem com um 3-5 na decisão por penalties.

Faltava uma etapa para chegar à final. Faltava enfrentar o País de Gales de Gareth Bale e foi nesse jogo que aconteceu aquilo que ainda não tínhamos visto naquele Europeu. Portugal não só ganhou, como tratou do assunto nos 90 minutos. Golos marcados pelos dois suspeitos do costume nesse campeonato: Ronaldo e Nani, tendo assim ficado garantida a nossa presença na final.

Chegou o tão esperado 10 de julho e como qualquer português, sei bem onde estava a ver essa final. Éramos muitos na Praça da República em Coimbra, em frente ao ecrã gigante, na expectativa de ver o sonho a concretizar-se. De um lado o país anfitrião, do outro um pequeno país à beira mar plantado e com um único desejo, apesar de se saber que não éramos os favoritos a vencer essa final.

O jogo começou, perdemos o capitão aos 25’ por lesão, vi o choque estampado na cara de muitos, afinal era no Cristiano Ronaldo que muitos depositavam a sua fé. Mas o futebol é um jogo de 11 contra 11 e tínhamos que continuar a acreditar. Não havia meio de alguém marcar, apesar dos esforços de ambos os lados e ouviu-se o apito que decretou que íamos jogar o tempo extra. Mais meia hora daquele sufoco, daqueles nervos que se intensificavam a cada minuto que passava. Até que, aos 109’ aconteceu algo que ninguém esperava – Éder, vindo do banco aos 79’ para substituir Renato Sanches, recebe a bola, protege-a e desloca-se até ao local onde, de fora da área, arrisca tudo, remata e vê a bola a terminar no fundo da baliza de Lloris.

 

Nesse momento, querendo apenas que o jogo terminasse, liguei o relato para ouvir antecipadamente o apito final na Antena 1 e, nesse dia, ninguém estava incomodado por haver o “espertinho com o relato que sabe tudo antes dos outros”. Havia pessoas à minha volta na expectativa e ansiedade de me ouvirem dizer “Acabou!” antes de verem isso a acontecer no ecrã gigante. E assim foi, eu declarei o fim do jogo para quem estava mais perto, a seguir vimos o mesmo no ecrã gigante e a multidão na Praça da República explodiu em conjunto e a uma só voz, celebrando a conquista. Estava ganho, o EURO 2016 era nosso, a festa era verde e vermelha e Portugal levantou nesse dia o seu primeiro troféu.


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