Arquivo de Futebol - Fair Play

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Francisco IsaacJulho 3, 20248min0

Portugal conseguiu se qualificar para os quartos-de-final do Campeonato da Europa 2024, algo que a maioria – legitimamente – vê como o objectivo mínimo da primeira campanha a sério de Roberto Martínez e o os seus “Apaixonados”. Contudo, e apesar da passagem, instalou-se uma corte de uivos, urros e lamentos ao ponto de fazer corar o anónimo individuo, denominado por Velho do Restelo, que estava nas margens do Tejo em 8 de julho de 1497. Portugal sofreu frente à Eslovénia? Sofreu. Portugal esteve por cima durante 120 minutos? Esteve, e as estatísticas (facto número um) provam esse facto. O coro de críticas é justificado? Depende. A selecção nacional deveria ter encerrado o encontro nos primeiros 90 minutos, tendo tido várias e diversas oportunidades para tal, decidindo sempre mal no último passe ou na indecisão de rematar, efectuar mais um passe, instalando-se uma onda de hesitação no que fazer com a redonda nesse momento.

Cristiano Ronaldo não esteve ao nível do esperado e sempre exigido, nem Bruno Fernandes (o ser uma das poucas tábuas de salvação do United tem consequências), nem Bernardo Silva (claras melhorias só nos últimos momentos), nem João Cancelo (a defender com erros, a atacar uma maravilha)… porém, isto não significa que foram terríveis, tenebrosos e desprezíveis. Houve momentos de brilhantismo que acabaram ofuscados pela falta de definição, um problema que assolou França – garantiu a vitória nos últimos 5 minutos ante uma Bélgica sem sal ou pimenta -, Inglaterra, Alemanha e, de certa forma, a Espanha. Só a La Roja teve engenho para encaixar golos atrás de golos, e mesmo assim falhou uma dezena de lances que pareciam certinhos para o fundo das redes, com Lamine Yamal e Dani Olmo a falharem o alvo por diversas ocasiões. E sabem qual foi a reação de uma boa parte dos jornalistas, media, e até adeptos de França e Espanha? Positiva. Qualificação garantida. Porém, e como sempre, a comunidade lusa decidiu que a selecção nacional devia ter sido eliminada, sendo necessário iniciar a abertura de um processo de ostracização de Cristiano Ronaldo e um tribunal inquisitorial a Roberto Martínez.

O texto está mais “solto” do que costumo escrever, mas perante a leviandade como uma boa parte da imprensa fala, comenta e decide distorcer factos para encaixar numa narrativa taciturna, a resposta vai na mesma medida. Roberto Martínez errou? Sim, principalmente quando optou por tirar Vitinha e Rafael Leão, sendo estes os dois primeiros “crimes”. O atirar de Francisco Conceição para a faixa esquerda também se mostrou um erro crasso, e que acabou por ser alterado a certo momento. Mas recuo para justificar o porquê de achar que a saída dos atletas do PSG e AC Milan terem sido um erro e, ao mesmo tempo, entender o porquê do seleccionador de ter optado por manter Bruno Fernandes e Bernardo Silva. Bruno Fernandes parecia esgotado e Bernardo Silva também, com ambos, para mim, serem os primeiros dois a sair. Contudo, colocar mais juventude em campo com pouca experiência nos momentos de maior pressão… poderia correr mal? Podia. Mas eu tinha arriscado nisso. Martínez optou por ser mais conservador e, no fim de tudo, acabou por ter razão, já que os atletas dos gigantes de Manchester marcaram grandes-penalidades decisivas. E acho também engraçado que se tenha pedido oportunidades para certos jogadores que frente à Geórgia não agarram a oportunidade e ainda pareciam pouco interessados em se entregar a esse encontro.

No meio disto tudo, as pessoas confundem estatuto com lugar comprado, de papel essencial para “meninos” que supostamente ditam as regras da casa toda, e optam por criar este caos catatónico por opção própria, e nada mais. Ouvir que Portugal joga igual ou pior aos últimos cinco anos de Fernando Santos é não só enlamear totalmente dos factos, como tentar criar uma converseta que parece saída de um argumento de Orson Wells. Não é o melhor futebol, mas também não é o pior. Foi das fase-de-grupos mais calmas que Portugal passou nos últimos 10 anos, com um futebol de boa intensidade, domínio da posse de bola e de entendimento colectivo que só desalinhou no último passe…e não, a culpa não é do capitão da selecção nacional. Ronaldo tem os seus pecados e falhas, não esteve bem em 2022, mas continua a se importar com Portugal, ao contrário do que se pode pensar.

A pressão de ter de ainda ser o melhor jogador para os portugueses terminou numa onda de lágrimas que é insana e demonstra uma instabilidade impensável. Foi inacreditável ver portugueses a sorrir e a festejar essa queda emocional como se fosse o golo do Éder em 2016, especialmente indivíduos que têm a sorte de falar para milhões de pessoas em programas da modalidade. E ainda mais louco foi ver adeptos a dizer que Ronaldo recusou abraçar Diogo Costa, não sabia o nome do guardião e que estava ofendido pelo seu nº22 ter-lhe roubado todo o foco. Noção, palavra que escasseia do dicionário de muita gente. Bom senso, outro conceito que é omisso.

Nada disto significa que não se possa criticar, pelo contrário. A crítica sempre foi bem-vinda em todos os espectros da sociedade, mas para se fazer uma crítica, há que substanciá-la com argumentos, factos, pensamentos coesos, etc. O achismo é uma doença crónica e no desporto em Portugal é um vírus que não tem forma de terminar. Em Portugal, há cultura desportiva, mas é uma completamente imersa na toxicidade. Os adeptos portugueses de futebol optam por vociferar fantasias porque “sentem” que é assim que a sua justiça será feita.

O futebol português tem um problema crítico que também é partilhado com outras modalidades: maltrata os seus jogadores mais velhos. Há um ódio profundo e um idadismo (preconceito com pessoas mais velhas) total e cada vez mais visceral, especialmente para com quem mostrou uma certa arrogância em certos momentos do passado. Foi assim com Luís Figo, Ricardo Carvalho, João Vieira Pinto, Ricardo (e eu assumo que também alinhei nesse ataque ao guardião, porque não ultrapassei o facto de Vítor Baía não ter sido o ‘redes’ de 2004), entre outros. A maioria talvez optou por esquecer as frases soltas nos jornais e as opiniões proferidas nos debates televisivos, mas quando um certo jogador atinge uma certa idade no futebol nacional, inicia-se um processo de reforma antecipado. Não fosse Pepe, Portugal talvez tinha consentido um golo ante a Eslovénia nos primeiros 90 minutos (e isso aconteceu porque estava a carne toda no assador). Mas a maioria optou por só se lembrar do erro do central ex-FC Porto. Uma parte dos adeptos já estava na ponta da cadeira à espera do golo sofrido para enfiar um comentário na internet a dizer algo mais… sujo.

Portugal não tem sido perfeito, mas há que ter mínima noção que a selecção tem se apresentado a bom nível na Alemanha. Talvez há mais ataques agora, porque Roberto Martínez optou por deixar certos jogadores no banco de suplentes e esse é o pecado capital. Faço até já um prognóstico para Sexta-Feira: Portugal perde por 0-2 frente à França. E terá mais a ver com os problemas na lateral direita e a sua compensação do que a qualidade de jogo por assim dizer. A França tem mais soluções no banco de suplentes que Portugal, mas é curioso que se nota uma instabilidade maior a nível de ligação dos processos entre a defesa e o meio-campo, especialmente na transição entre certas unidades, que a selecção das Quinas. Contudo, a França é objectiva, agressiva e passou a semana do lado da equipa, inspirando uma vontade de vingança por 2016 – e vai ser uma cruz que Portugal vai carregar até aos Les Bleus conquistarem um Europeu novamente. E nós? Bem, metade do público está apostado em querer a humilhação e vexame completo, numa espécie de experiência orgásmica colectiva, mesmo só ao jeito deste cantinho à beira-mar. Somos capazes do melhor, mas definitivamente somos também reis da maledicência, encapotando-a de intelectualidade.

E antes que pensem que o autor deste texto é fã nº1 de Roberto Martínez… não sou. Fiquei incomodado, e ainda estou incomodado, com o facto de Pedro Gonçalves ter falhado a convocatória. Mas engoli o sapo, e segui em frente.

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Rute RibeiroJunho 16, 20246min0

Há dois Europeus que vão ficar para sempre gravados na nossa memória. 2004 que daríamos tudo para esquecer pela forma como o sonho se dissipou em cima da linha da meta e 2016, quando num percurso meio alucinante, acabámos a levantar o troféu que tanto queríamos. Vou portanto viajar no tempo e falar sobre como foi para mim o EURO 2016.

O selecionador Fernando Santos disse várias vezes que só regressaria de França com a seleção depois de vencer a final a 10 de julho. Louco, acharam uns. Iludido, acharam outros. Mas não é que o homem cumpriu mesmo a sua profecia?

O EURO arrancou a 10 de junho com a equipa anfitriã (França) a vencer a Roménia por 2-1. Portugal fazia parte do grupo F e tinha como adversários a Islândia, Áustria e Hungria. Estreamo-nos na competição a 14 de junho e não conseguimos ir além do empate com a Islândia. 1-1 com golo do Nani pela nossa seleção. No outro jogo do grupo a Hungria venceu a Áustria por 0-2, mas era só o primeiro jogo e a crença permanecia, porque afinal de contas, as contas só se fazem no fim. Segundo jogo e… empate outra vez e desta vez foi mesmo a zeros, depois do Ronaldo ter acertado no poste na cobrança a partir da marca dos 11 metros ao minuto 79. Mas calma, ainda tínhamos mais um jogo para garantir a passagem. Afinal, a missão do adepto é acreditar até ao fim. 22 de junho e concluímos a fase de grupos – 3 jogos e 3 empates. A cada golo que a Hungria marcava (sim, porque eram eles a estar sempre na frente e nós a correr atrás do prejuízo), Portugal respondia. Nani marcou, Ronaldo bisou. No outro jogo do grupo a Islândia abriu o marcador, a Áustria podia ter empatado aos 37’, mas o poste voltou a fazer das suas. Mesmo assim chegaram ao empate aos 60’. Quando o jogo contra a Hungria terminou, Portugal ocupava o segundo lugar do grupo, devido ao resultado do outro jogo do grupo, mas eis que aos 90+4’, o médio Traustason que saltou do banco no minuto 80, colocou a bola no fundo da baliza da Áustria e mudou as contas todas do grupo. Portugal caiu para terceiro lugar do grupo, mas aquilo que parecia uma coisa má, revelou-se um grande golpe de sorte.

A Islândia acabou nesse dia por ser a nossa salvadora, porque nos atirou para um caminho teoricamente mais favorável até à final. Ora vejam lá:

Caminho da Islândia se tivesse chegado à final: Inglaterra, França, Alemanha (que é a equipa que a França derrotou depois de eliminar a Islândia) e depois sim, a final. Já o nosso caminho, mesmo com as suas dificuldades, aparentava ser mais agradável.

Recordar primeiro que avançámos para a fase seguinte porque os quatro melhores terceiros lugares tinham direito a continuar em prova e nós ficamos em terceiro.

Voltando então ao caminho até à final. O primeiro jogo a eliminar foi contra a Croácia e foi, para mim, dos jogos mais stressantes que tivemos naquele europeu. Ninguém abria o marcador e acabamos mesmo por ter que jogar o tempo extra. Lembro-me perfeitamente de estar a ver o jogo no sofá e com tantos nervos a dada altura já estar sentada no chão. Nada acontecia e o tempo começava a ser curto para o golo tão esperado poder surgir. Até que, aos 117’ o nosso 20 cabeceou lá para dentro. Ricardo Quaresma, que entrou aos 87’, trouxe com ele a vontade de pôr o jogo a mexer e acabou mesmo por resolver a partida perto do apito final. Não me censurem, mas fiquei com os olhos bastante húmidos, tal foi a emoção do golo e o alívio depois de 117 minutos de sofrimento. O nosso Quaresma tinha-nos dado a oportunidade de continuar em prova. Mas não se esqueçam deste detalhe, foi mais um empate nos 90’ regulamentares.

Ronda seguinte e calha-nos a Polónia de Lewandowski, sendo que foi mesmo ele a abrir o marcador logo no segundo minuto de jogo. Felizmente, Renato Sanches repôs a igualdade aos 33’ e o resto, acho que se lembram bem. Mais um empate no tempo regulamentar e desta vez, nem o tempo extra trouxe mexidas no marcador e a decisão sobrou mesmo para a marca dos 11 metros. O nosso capitão marcou o primeiro, Lewandowski igualou, pelo meio Moutinho veio bater e bateu bem, a Polónia viu a sua quarta tentativa ser defendida por Patrício, Quaresma marcou o quinto e selamos a passagem com um 3-5 na decisão por penalties.

Faltava uma etapa para chegar à final. Faltava enfrentar o País de Gales de Gareth Bale e foi nesse jogo que aconteceu aquilo que ainda não tínhamos visto naquele Europeu. Portugal não só ganhou, como tratou do assunto nos 90 minutos. Golos marcados pelos dois suspeitos do costume nesse campeonato: Ronaldo e Nani, tendo assim ficado garantida a nossa presença na final.

Chegou o tão esperado 10 de julho e como qualquer português, sei bem onde estava a ver essa final. Éramos muitos na Praça da República em Coimbra, em frente ao ecrã gigante, na expectativa de ver o sonho a concretizar-se. De um lado o país anfitrião, do outro um pequeno país à beira mar plantado e com um único desejo, apesar de se saber que não éramos os favoritos a vencer essa final.

O jogo começou, perdemos o capitão aos 25’ por lesão, vi o choque estampado na cara de muitos, afinal era no Cristiano Ronaldo que muitos depositavam a sua fé. Mas o futebol é um jogo de 11 contra 11 e tínhamos que continuar a acreditar. Não havia meio de alguém marcar, apesar dos esforços de ambos os lados e ouviu-se o apito que decretou que íamos jogar o tempo extra. Mais meia hora daquele sufoco, daqueles nervos que se intensificavam a cada minuto que passava. Até que, aos 109’ aconteceu algo que ninguém esperava – Éder, vindo do banco aos 79’ para substituir Renato Sanches, recebe a bola, protege-a e desloca-se até ao local onde, de fora da área, arrisca tudo, remata e vê a bola a terminar no fundo da baliza de Lloris.

 

Nesse momento, querendo apenas que o jogo terminasse, liguei o relato para ouvir antecipadamente o apito final na Antena 1 e, nesse dia, ninguém estava incomodado por haver o “espertinho com o relato que sabe tudo antes dos outros”. Havia pessoas à minha volta na expectativa e ansiedade de me ouvirem dizer “Acabou!” antes de verem isso a acontecer no ecrã gigante. E assim foi, eu declarei o fim do jogo para quem estava mais perto, a seguir vimos o mesmo no ecrã gigante e a multidão na Praça da República explodiu em conjunto e a uma só voz, celebrando a conquista. Estava ganho, o EURO 2016 era nosso, a festa era verde e vermelha e Portugal levantou nesse dia o seu primeiro troféu.


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