Arquivo de Rugby Internacional - Página 15 de 66 - Fair Play

69725737_10162415306880464_5061439458767798272_n-1280x853.jpg
Fair PlayJaneiro 10, 20226min0

O rugby asiático vive contrastes. O continente que representa 60% da população mundial e ao redor de 40% da economia global é um verdadeiro deserto de rugby, mas com um grande oásis. De um lado, o Japão viveu nesta semana o pontapé inicial de sua nova liga profissional, a League One, que promete competir economicamente com as principais ligas do mundo.

Do outro lado, Hong Kong, Coreia do Sul e Malásia tiveram mais uma vez adiadas as disputas do qualificatório para o Mundial de 2023. A última vez que o Campeonato Asiático de Rugby XV foi disputado foi em 2019 e desde então, por conta da pandemia, todas as suas selecções – excepto o Japão – estão paradas. O facto da pandemia ter impactado as viagens é a maior causa para os problemas, mas esconde o fracasso até o momento de um continente que não aproveitou ter sido sede de um Mundial.

League One: expectativa e realidade

A nova League One japonesa é uma evolução da velha Top League. A primeira divisão conta com 12 equipas, que realizam 16 partidas na primeira fase (todas as equipas se enfrentam uma vez e duelam pela segunda vez com outros cinco oponentes). Os 4 primeiros colocados avançam às meias finais, com a grande final marcada para o dia 21 de maio. Por sua vez, os 3 últimos colocados encararão os 3 primeiros da segunda divisão em duelos contra a despromoção.

É importante entender a evolução paulatina que vem ocorrendo no rugby japonês. Não é de hoje, tampouco do século XXI, que o rugby no Japão tem números superlativos de praticantes de rugby. Lendo a bibliografia sobre o tema, o início da prática do rugby entre os japoneses se deu em 1899, com o início da modalidade na Universidade de Keio. Outras universidades passaram a adotar o rugby nos anos seguintes e por volta de 1920 já havia no Japão ao redor de 1500 equipas de rugby. Para além do universo estudantil, o rugby ganhou apelo na indústria japonesa, onde as grandes corporações do país passaram a estimular o rugby entre seus funcionários. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, tal movimento ganhou força, com a criação em 1948 do Campeonato Corporativo Japonês. Tal competição, entre clubes de funcionários das grandes empresas do país, se tornou um dos alicerces ao rugby nipônico. Segundo dados do The Guinness Book of Rugby Facts & Feats de 1981, o Japão contava naquele ano com cerca de 3000 equipas, consistindo sobretudo de equipas de empresas, escolas e universidade.

O enraizamento do rugby na sociedade japonesa bem como seu maior distanciamento com relação ao restante do rugby mundial fez com que o impacto da liberação do profissional no rugby internacional em 1995 não impactasse prontamente o rugby nipônico. Foi apenas em 2003 que o Campeonato Corporativo deu um passo adiante, sendo transformado na conhecida Top League. A partir desse momento, o campeonato das empresas passava a se vender como uma competição de alto rendimento, contratando atletas estrangeiros e pagando-lhes altos salários. Por outro lado, os atletas japoneses seguiram como amadores – ou, na melhor das conceituações, semiprofissionais. O sistema no qual as empresas são as donas das clubes permite que o mesmo empregado atue como atleta e também em alguma função não relacionada ao esporte. Para os jogadores, isso significava empregos após pendurarem as chuteiras.

O movimento de profissionalização propriamente do rugby foi primeiro encabeçado pela própria federação japonesa, com crescente foco no rendimento de sua seleção. A vitória sobre a África do Sul em 2015 foi seguida da criação do primeiro time propriamente profissional, os Sunwolves, que passaram a disputar o Super Rugby. No entanto, o projeto da SANZAAR colapsou. Não vou adentrar nos eventos que se deram no Super Rugby entre 2017 e 2020, com a contração da competição. Em 2019, o rugby japonês já tinha um novo projeto. O fim dos Sunwolves no Super Rugby seria sucedido pela plena profissionalização da Top League.

A League One nasceu formada essencialmente pelas mesmas agremiações, de propriedade de grandes empresas do país. Além dos contratos agora exclusivos para o rugby, a outra novidade na competição é que todas as equipas são obrigadas a representarem nominalmente uma cidade ou região, com o intuito de aproximá-las do público. Trata-se de movimento que o futebol japonês também havia feito nos anos 90, afinal, a J-League japonesa nasceu exatamente como a League One, a partir de equipas corporativas. As histórias do futebol e do rugby no Japão têm muitos pontos em comum.

A presença de atletas de peso do rugby internacional não é novidade, obviamente. Mesmo no formato semiprofissional da Top League, referências como Shane Williams, Sonny Bill Williams, Matt Giteau, George Smith, Dan Carter e Beauden Barrett estiveram em terras japonesas no passado. Uma pequena lista de craques internacionais inclui:

Se os japoneses prometem hoje, declaradamente, que sua League One se torne a mais rica do mundo num futuro próximo, valendo-se de números impressionantes de público que trouxe o Mundial de 2019, ainda há inúmeras dúvidas sobre o realismo de tal pretensa revolução. A prometida reformulação das marcas das agremiações da Top League foi muito mais tímida do que o prometido e só o tempo dirá o tamanho do público que realmente será atingido pela competição. Uma coisa é o Mundial, outra é a liga nacional.

Para além disso, muito se fala internamente no Japão sobre certa estagnação e mesmo recente declínio do rugby juvenil e questiona-se o quanto realmente a nova liga oferecerá de atrativo para que mais jovens japoneses apostem no esporte como carreira. Com o rugby tradicionalmente muito ligado ao mundo estudantil e em especial a instituições de elite, a transformação de jogadores juvenis e universitários em atletas profissionais não é nada fácil. Para muitos, o rugby é passatempo e não carreira e a League One navegará mares ingratas em sua tentativa de avançam com o profissionalismo. Uma alternativa é o país se valer cada vez mais da naturalização de estrangeiros, em especial de polinésios, que chegam ao país ainda em idade escolar para jogarem rugby. A seleção japonesa ganha com atletas de grandes qualidades físicas, mas é atacada por parte do público e da imprensa que questiona a prática.

De todo modo, a “revolução japonesa” ainda está em processo e é difícil prever se será bem sucedida ou se poderá se tornar uma ilusão. O fato é que ela a League One não é a única arma nipônica. A possível entra do Japão no Rugby Championship ganhou as manchetes e ofereceria o que falta aos Brave Blossoms para cresceram: uma competição anual de peso. Obviamente, como mostra a Itália, ter um torneio desse nível para sua seleção não é certeza de nada, mas sem ele é muito improvável uma verdadeira revolução.

TELEMMGLPICT000278409216-xlarge_trans_NvBQzQNjv4BqhasgUMiR-rxiRxu9qBoVLYrempWLTe02qz9Fy_-wUAM.jpeg
Francisco IsaacNovembro 24, 20217min0

C’est le fin da Janela Internacional de Outono, e nada melhor que o cair de alguns recordes negativos, como a França, que finalmente ao fim de vários anos conseguiu uma vitória em casa frente aos All Blacks, enquanto a Inglaterra abateu os Springboks quando o cronómetro já passava os 80 minutos. Toda a análise do que se passou nesta janela de Test Matches analisada neste artigo.

MVP: FREDDIE STEWARD (INGLATERRA)

Para quem se estreou em Test Matches neste ano de 2021, Freddie Steward começa a dar que falar, lembrando que o defesa da Inglaterra ainda só ostenta 20 anos de idade e umas 5 internacionalizações, tendo sido um dos melhores em campo frente aos Springboks, senão o melhor nos vários aspectos do jogo. O nº15 dos Leicester Tigers marcou um ensaio, foi capaz de conquistar 70 metros com oval nas suas mãos, realizando 2 quebras-de-linha (uma delas deixou a 3ª linha adversária estendida no chão), para além de ter batido 6 defesas e concretizado 3 offloads, num encontro que supostamente seria extremamente “fechado” e consagrada a um embate de pura fisicalidade e de elevação da intensidade do choque físico ao seu pico mais alto, algo que o defesa utilizou em seu proveito.

A capacidade de leitura na recepção aos pontapés, a imediata reação ao jogo ao pé da África do Sul que tinham o objectivo de pressionar o três-de-trás e, subsequentemente, a Inglaterra, e as artimanhas desenvolvidas quando tentou e conseguiu criar espaço para sair com a oval controlada, sem ter de recorrer ao pontapé, foram aditivos fundamentais para dar outra capacidade de resposta ao elenco de Eddie Jones, terminando o encontro como um dos principais “bloqueios” tácticos da Rosa à estratégia dos Springboks.

No fim desta janela internacional de Outono, Freddie Steward marcou os pontos suficientes (figurativamente e literalmente) na luta por um lugar no XV inicial da selecção de Sua Majestade, e aos 20 anos parece ser um dos atletas mais promissores desta nova vaga de coqueluches que pretende ganhar força no elenco da Inglaterra.

O MELHOR JOGO: VIVE LA FRANCE

Ambiente inesquecível, arrepiante e emotivo no Estádio de France, que ajudou, sem dúvida alguma, aos Les Bleus a conseguirem registar uma memorável vitória na recepção aos All Blacks, derrubando mais uma barreira emocional e histórica (desde 1973 não ganhavam em Paris frente aos neozelandeses, sendo que a última vitória em solo francês foi em 2000 em Marselha), elevando este elenco de Fabien Galthié a um nível ainda mais resoluto e espectacular, que poderá servir de aviso para os dois próximos anos. Sim, o encontro frente aos campeões do The Rugby Championship 2021 esteve separado por 1 ponto até aos 63 minutos, altura em que tudo virou do avesso – novamente -, advindo, curiosamente, de uma acção ofensiva dos neozelandeses: Jordie Barrett atira um gruber para dentro da área-de-validação da França, que Romain Ntamack capta, tira Richie Mo’unga e mais uns quantos All Blacks da frente, saindo num sprint louco em direcção ao meio-campo adversário, com tudo a terminar num passe soberbo (sem olhar!) que acabou por resultar numa penalidade e o aumentar da vantagem para os franceses.

Esta descrição que aqui fizemos, e que poderão ver no vídeo disponibilizado, foi um perfeito retrato da exibição da selecção da casa, que simplesmente decidiram brindar o público com uma exibição épica e digna de registo, com 530 metros conquistados, 8 quebras-de-linha, 16 defesas batidos, 9 penalidades concedidas, 142 placagens realizadas (falharam 21, menos 12 que os All Blacks, por exemplo) e quatro ensaios, aplicando sempre uma harmoniosa disciplina colectiva, onde o equilíbrio de transição de fases ou ritmos e velocidades de jogo alterava-se sem grandes sobressaltos, para além de terem conseguido quebrar fisicamente a Nova Zelândia naqueles supostos 20 minutos finais, em que estes costumam dominar e recuperar de resultados penosos.

Antoine Dupont e Romain Ntamack foram geniais em todos os processos de jogo – o formação falhou, mais uma vez, só na leitura defensiva e no conseguir reagir rapidamente à imprevisibilidade adversária -, a terceira-linha deu um show na placagem e reação rápida à saída do chão, em particular Gregóry Alldritt, e a execução das fases-estáticas esteve no ponto perfeito, lucrando então esta estrondosa vitória em solo francês.

O DETALHE: ESTARÁ O SUL NAS MÃOS DO NORTE?

Neste último fim-de-semana de rugby internacional de selecções, nenhuma das principais formações do Hemisfério Sul foi capaz de derrubar as suas homologas do norte, levantando alguns festejos e dúvidas exageradas em relação ao facto de estarem ambos os “mundos” no mesmo patamar de qualidade de jogo, ou de resposta. Sim, França está realmente de volta, apetrechada por um excelente contingente de jogadores, faltando-lhes só conquistar um título nas Seis Nações, de modo a que sejam considerados como candidatos principais ao título mundial; Escócia continua na rampa de ascensão a nível mental, podendo realmente ter uma palavra a dizer nas grandes provas, sendo importante perceber se o que se passou em 2019 não acontecerá agora em 2023; Irlanda, que derrotou a Nova Zelândia na semana passada, e neste último fim-de-semana destroçou a Argentina em Dublin, volta a realizar uma janela internacional formidável, lembrando que o mesmo se passou em 2018, seguindo-se uma queda decepcionante em 2019; e a Inglaterra foi capaz de lançar uma nova gama de jogadores, mostrando estes que é possível ganhar mesmo que não tenham a mesma experiência internacional em comparação com as opções mais “antigas”.

Porém, e apesar destes sucessos de 2021, é preciso ter em atenção que Springboks, Wallabies, All Blacks e Pumas vêm de uma época complicada, de várias bolhas sanitárias extremamente prolongadas (bem mais tempo “fechados” do que os seus parceiros das Seis Nações), de mudanças a nível de leis internas, recuperação e, também, perda de principais nomes, chegando a este final de Novembro já para lá do exequível nos termos da capacidade mental e física, notando-se um claro desgaste nestas quatro candidatas.

É importante perceber que existe uma zona cinzenta entre as duas acçepções de “os do Norte já estão no mesmo nível ou até são superiores” ou ” que os do Sul só perderam por cansaço”, e verdadeiramente, o teste de fogo estará guardado para 2023, servindo a janela internacional de jogos em Junho como um “tubo de ensaio” interessante, pois será a altura que as selecções do Hemisfério Norte têm os seus jogadores mais desgastados, em comparação com as do Sul, sendo isto duplamente curioso quando pensarmos qual será a situação dos jogadores sul-africanos, pois estes não param até Maio do próximo ano…

ESTATÍSTICAS DA JORNADA

O jogador com mais pontos: Melvyn Jaminet (França) – 20 pontos
O jogador com mais ensaios: Josh Van der Flier (Irlanda) – 2 ensaios
A equipa com mais pontos: Irlanda – 53 pontos
A equipa com mais ensaios: Irlanda – 6 ensaios


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS