Revolução japonesa ou fracasso continental? Os tons do rugby na Ásia pt2

Fair PlayJaneiro 10, 20228min0

Revolução japonesa ou fracasso continental? Os tons do rugby na Ásia pt2

Fair PlayJaneiro 10, 20228min0
Se o Japão está em crescimento no rugby, o mesmo não se pode dizer de outros países asiáticos, e Victor Ramalho explica nesta 2ª parte

Continuação da análise ao rugby na Ásia de Victor Ramalho, que olha para os restantes parceiros do Japão e o desenvolvimento (ou não) da modalidade nos seus países, seja a Malásia, Coreia do Sul, Hong Kong, ou outros.

Panorama fora do Japão: fracasso, com alguma esperança

E como andam outros países?

No que toca ao rugby XV masculino, o restante do rugby asiático pouco evoluiu na era profissional do rugby. O primeiro fracasso retumbante veio com a falta de visão do rugby mundial. Qual foi o benefício para o continente da realização do Mundial de 2019 no Japão? Nenhum. A Ásia não ganhou uma vaga extra e pouca diferença fez o Mundial ser no Japão para os demais países. Foi uma oportunidade perdida.

Em 2019, a situação do Campeonato Asiático era a pior em muito tempo. O Japão já havia deixado de participar da competição, cuja primeira divisão tinha apenas três países: Hong Kong, Coreia do Sul e Malásia, que realizaram um total de 4 partidas. Naquele ano, apenas Hong Kong realizou alguma partida para além do Campeonato Asiático, fazendo amigáveis na Europa. Os países que disputaram a segunda, terceira e quarta divisões da Ásia fizeram apenas 2 jogos em casa naquele ano. Situação pior do que no ciclo do Mundial de 2015, quando a primeira divisão asiática tinha 5 equipas e a segunda divisão fazia ao menos 3 partidas em seus torneios. Incrivelmente, o Mundial de 2019 foi acompanhado de menos partidas para o rugby XV asiático – e não o contrário, como sonhava-se.

Logicamente, em 2019, a história era outra. O rugby asiático vivia o sonho – e ilusão – da criação do Global Rapid Rugby (GRR), que profissionalizaria alguns de seus países. A liga financiada pelo bilionário australiano dono do Western Force era chamada de revolucionária, mas sucumbiu em 2020 com a pandemia. Ou melhor, com o Force atingindo seus objetivos, ironicamente. Excluído em 2017 do Super Rugby, o Force lutou em 2018 e 2019 pela sobrevivência e apostou seu dinheiro na construção de um rugby asiático profissional. A realidade foi muito mais dura do que o previsto. De fraco nível técnico, com público concreto insuficiente para criar uma demanda real de mercado e, em alguns casos, dependente de atletas ocidentais, o rugby asiático ofereceu ao Force um terreno árduo para a criação de alto rendimento profissional de bom nível. Não por acaso, quando o colapso do Super Rugby veio, o Force prontamente mudou sua estratégia para se focar em seu retorno a seu lugar de origem.

A volta do Force ao Super Rugby somada às incertezas da pandemia matou o Global Rapid Rugby. No entanto, dito assim, parece que havia já uma revolução em andamento – e não é realmente verdade. Apenas China, Hong Kong e Malásia teriam equipas no GRR, mas com certo ar de artificialidade. Hong Kong é a segunda potência asiática, conta com uma liga local bem estruturada e investimento na base.

A ex colônia britânica era o mercado mais óbvio para o GRR e sua equipa, o South China Tigers, era basicamente sua seleção nacional, que venceu em 2019 venceu a Bélgica em Bruxelas. Cidade cosmopolita, Hong Kong conta com muitos ocidentais e sua seleção de rugby é reflexo disso, com uma base de atletas ocidentais nascidos ou criados na cidade misturados com atletas da diáspora emigrada nos anos 90 com o fim do domínio britânico. Há atletas chineses na seleção de Hong Kong, mas são a minoria, pelo menos por enquanto. Os Tigers, portanto, eram reflexo desse rugby ainda muito ocidental e cada vez mais incerto. Com o fim da franquia, Hong Kong desprofisisonalizou sua seleção, ao passo que as novas leis de controle da imprensa no país têm levado a um êxodo, cujo impacto no rugby local ainda será visto.

Por sua parte, a China contratou neozelandeses para compor o China Lions e a Malásia alugou o Falcons, time sul-africano, para o GRR. Em ambos os casos, contava-se nos dedos de uma mão os atletas asiáticos nas esquadras chinesa e malaia. O rugby é um desconhecido na China para além de Hong Kong e o país mal conta com competições locais de rugby XV. É verdade que a China povoou as notícias do rugby na década passada ensaiando investimento milionários que revolucionariam a modalidade, mas que por enquanto não se materializaram.

A Malásia, por sua vez, tem longa tradição de rugby amador, desde seu passado colonial na mão dos britânicos. Malásia e Sri Lanka são considerados bastiões do rugby asiático, com muitos praticantes, clubes e escolas com rugby, mas que ainda não conseguiram transformar demografia de praticantes em performance. São pontos fora da curva na Ásia. Nos demais países, a comunidade do rugby é muito pequena, com limitações básicas. O esporte ainda é mero desconhecido – fica a saber mais aqui.

Algo de diferente, no entanto, vem ocorrendo na Índia, que, ao contrário do Sri Lanka, nunca teve uma grande comunidade de praticantes. O rugby sempre foi entendido como um esporte elitizado e de poucos clubes. De lá, no entanto, chegaram boas notícias, como o acordo da federação indiana com o governo estadual de Odisha, que vem profissionalizando atletas, o crescimento do programa Get Into Rugby e a eleição de um astro de Bollywood, ex atleta de rugby, como presidente da entidade.

Já na Coreia do Sul, tradicionalmente o grande rival de Hong Kong na corrida pela posição de segunda força do continente, o rugby XV ganhou novo estímulo após o 7s do país participar dos Jogos Olímpicos. Estagnada há décadas com uma diminuta quantidade de equipas, a Coreia do Sul promete uma liga nacional mais forte, mesclando equipes corporativas ao estilo japonês, com universidades e militares. Até então, no entanto, o rugby coreano pouco se aventura. Já faz 5 anos que o país não realiza nenhum test match além do Campeonato Asiático, por exemplo.

O time da Hyundai, inclusive, postula um lugar na League One japonesa para 2025. Caminho que, inclusive, poderia ser usado por Hong Kong, algo que já foi ventilado pela própria liga japonesa. Novamente, promessas cujo efeito prático ainda está por ser visto, mas que aponta para um óbvio caminho: a League One japonesa, pela proximidade geográfica e nível técnico, poderia ser uma ferramenta de desenvolvimento para Hong Kong e Coreia do Sul. Já há ao redor de uma dezena de atletas coreanos jogando uma das três primeiras divisões do Japão e a entrada da Hyundai numa terceira ou segunda divisão, por exemplo, poderia ser determinante para a evolução do selecionado coreano.

Por fim, há bons movimentos vindos da atual gestão da Asia Rugby – a federação asiática – do emirati Qais A. Al Dhalai (apoiador de Pichot em 2020), que vem sugerindo que a entidade buscará sair da estagnação. A questão imediata que fica é como será o Campeonato Asiático em 2022-23? Qual será o projeto para um continente cujas seleções de XV jogam tão pouco?

Com vastas distâncias a serem percorridas, nível técnico baixo e comunidades de fãs e praticantes por enquanto pequenas, as seleções de rugby da Ásia precisam de um modelo que aumente o número de jogos e comece a gerar mais atenção localmente.

Um projeto de longo prazo para região requer mais torneios que ofereçam competição a mais países. O modelo de torneios regionais poderia ser muito positivo para o futuro próximo. Não faz sentido na Ásia que, por exemplo, as Filipinas joguem no Cazaquistão ou que o Líbano visite a Indonésia. O rugby amador necessita de regionalização. Para os países que não se beneficiarão do desenvolvimento da liga japonesa, as soluções precisam ser locais. Para os países que avançarem no seu desenvolvimento, o intercâmbio com outros continentes, com mais asiáticos disputando test matches, é essencial.

É curioso como nas discussões do rugby é visível que imprensa e fãs oriundos dos países do chamado “Tier 1” mundial adoram apontar “o mercado asiático” como solução para venderem seus produtos, mas se preocupam e questionam pouquíssimo o desenvolvimento do rugby asiático como um todo. Para além de Japão ou das ilhas de ocidentais (Hong Kong ou Dubai), o rugby XV asiático parece um deserto – e é tratado como tal. São poucas oportunidades de crescimento para as seleções da Ásia, mas isso não significa que o terreno seja infértil. Quando houve uma estratégia holística para o continente, quem sabe a Ásia será verdadeiramente integrada ao rugby mundial?


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