WEURO 2022 – E depois do adeus de Portugal ? – parte 2

Margarida BartolomeuJulho 23, 20228min0

WEURO 2022 – E depois do adeus de Portugal ? – parte 2

Margarida BartolomeuJulho 23, 20228min0
Margarida Bartolomeu olha para a selecção feminina de futebol Portugal neste artigo de duas partes, para explicar o que se passou e o que se segue. Parte 2!

No dia 17 de Julho de 2022, a Seleção Nacional de Portugal despediu-se do Campeonato da Europa de Futebol Feminino 2022, com uma pesada derrota, frente uma das eternas candidatas ao título – a Suécia.

E depois do adeus?

Se há algo que este Europeu nos mostrou, foi que não é por falta de qualidade individual e coletiva que a nossa Seleção Nacional de Portugal ainda não se encontra ao nível das maiores da Europa. É, sim, pela diferença de investimento e falta de aposta na formação, a falta de condições dadas às jogadoras para que cresçam, física, psicológica e futebolisticamente.

Quando olhamos para os países inseridos nesta competição, constatamos que, muito provavelmente, apenas em Portugal, a grande maioria das equipas que competem na Liga BPI, ou seja, primeira divisão nacional em Portugal, treinam em regime pós-laboral, em campos sintéticos de qualidade (extremamente) duvidosa, com condições ainda bastantes distantes da profissionalização. Jogadoras que jogam quase totalmente por amor ao desporto que praticam, com pouco retorno e reconhecimento por parte dos clubes e adeptos.

Se, em países como a Holanda (e pegando no exemplo dado pela mister Mariana Cabral), existem jogadoras de escalões de formação, que treinam em condições equiparadas a profissionais, como poderão as jogadoras portuguesas competir com tal nível de preparação? A entrada no futebol feminino de clubes como o Sporting, o Benfica, o Braga, o Famalicão, veio alterar um pouco este paradigma.

No entanto, não é sustentável depender das condições dadas a jogadoras, para o seu desenvolvimento e crescimento, por 3/4 clubes a nível nacional (não desvalorizando o trabalho desenvolvido pelos restantes clubes, com as condições de que dispõem). E, mesmo nestes clubes, assistimos a uma diferença de tratamento grotesca, quando comparamos com o futebol masculino.

Dou, como exemplo, os casos da equipa feminina do Benfica, que continua a treinar no Estádio da Tapadinha, e não no Benfica Campus, no Seixal, e da equipa feminina do Sporting, que se apresenta, em pré-época, com os equipamentos de treino da época transata. Duas situações que podem parecer irrelevantes ao olho do comum adepto de futebol, que encontrará mil e uma desculpas para que tal aconteça, mas que evidenciam a forma amadora como ainda é tratado o futebol feminino em Portugal.

Relvados sintéticos de qualidade muito abaixo do exigido (alagam, têm buracos, têm demasiada borracha e praticamente nenhuma relva sintética), estádios com balneários em que mal cabe a equipa, bancadas pequenas ou sem condições, infraestruturas que não estão adaptadas à transmissão televisiva… Apenas alguns exemplos do que está mal, em termos de infraestruturas para a prática e divulgação da modalidade.

Tal como nas ligas masculinas (e falo de Liga 2 e Liga 3), a Federação Portuguesa de Futebol deve exigir melhores condições para a prática da Liga BPI (nem falo da segunda e terceira divisão, pois por agora, é sonhar demasiado alto). Relvados naturais, estádios com as infraestruturas adequadas a uma primeira divisão nacional.

Se é verdade que grande parte dos clubes envolvidos na Liga BPI não terá condições financeiras para tal aposta, a verdade é que também grande parte desses clubes dispõe de equipas masculinas, a disputar a primeira divisão nacional em Portugal (por exemplo, o Marítimo). Cabe então, à FPF, criar um regulamento que obrigue os clubes que competem na Liga BPI a proporcionar certas condições às suas equipas femininas, promovendo algum tipo de ajuda financeira para que tal aconteça e seja sustentável para esse mesmo clube.

Criando estas infraestruturas, e estruturas de gestão associadas ao futebol feminino que sejam ativas e pró-ativas, preocupadas, dedicadas, especializadas e interessadas, a Federação poderá almejar a profissionalização da Liga BPI, que há tanto tempo vem sendo assunto de discussão. Sem as devidas condições, não interessa ter o “maior número de praticantes femininas da história”, pois o salto qualitativo não acontecerá ao ritmo desejado, acabando por haver uma estagnação da evolução do futebol feminino.

Mas para que esta profissionalização seja alcançada, é preciso exigir mais dos restantes envolvidos, além dos clubes e Federação. É preciso que a qualidade das equipas de arbitragem suba substancialmente, que o VAR seja introduzido nas competições nacionais (e aí volta a entrar a questão das condições existentes nos estádios), e que os jogos femininos sejam encarados com o mesmo profissionalismo com que são encarados os jogos masculinos, sem a displicência que muitas vezes transparece, por parte das equipas de arbitragem envolvidas.

É preciso, e muito importante, que a comunicação social se dedique e especialize no Futebol Feminino, tal como acontece em qualquer outra modalidade. Chega de relatos em que mal se acerta no nome das jogadoras.

Chega de relatos em que se discute a cor da fita da jogadora, o facto de ter ou não as unhas pintadas. É preciso mais profissionalismo, maior dedicação, maior preparação. Olhando para o país vizinho, quantas vezes são as atletas femininas capa do jornal desportivo “Marca”? É assim tão difícil fazer algo semelhante nos nossos diários desportivos? O Futebol Feminino merece essa atenção, esse destaque, esse protagonismo. Todo o sacrifício das atletas deve ser recompensado!

A valorização do Futebol Feminino também passa bastante pelo “preço” que lhe é associado. Quando temos uma final da Taça de Portugal, em que mais se trabalhou para quebrar um record de assistências, do que para valorizar a modalidade, é porque algo não está bem. Como é que, num dos jogos mais importantes a nível nacional, o preço do bilhete é de 1€, com a totalidade do valor de bilheteira a reverter para uma instituição de caridade? Sim, é uma grande iniciativa, mas não valoriza o Futebol Feminino.

1€ é praticamente o mesmo que ser de graça, e tudo aquilo a que não se dá um valor monetário, é visto como pouco importante, como amador. Uma das medidas que deveria ser implementada no imediato é a definição de um valor mínimo e máximo para os bilhetes de cada jogo, ajustados à competição em causa. Seria benéfico para os clubes, para o futebol feminino, para as próprias jogadoras, e os adeptos sentiriam que, ao associar um valor monetário, a modalidade era digna da sua atenção. É triste, mas real.

Quanto aos clubes, cabe-lhes valorizar as suas jogadoras, as suas equipas. Dar-lhes as condições apropriadas só lhes trará benefícios desportivos – formam jovens atletas mais completas e preparadas para a competição profissional, preparam melhor as suas jogadoras seniores para os desafios das competições em que se inserem, diminuem a incidência de lesões, aumentam a qualidade futebol praticado.

Basta que se dediquem como se dedicam às equipas masculinas. Aliás, a atleta feminina é conhecida pela sua capacidade de sacrifício e perseverança, por fazer “muito com pouco”. Já imaginaram do que será capaz a jogadora portuguesa, se lhes proporcionarem as mesmas condições que existem em países como Inglaterra, Holanda e Alemanha?

Não vale a pena continuarem a desculpar-se com a falta de retorno do investimento, porque o Chelsea, um clube poderoso, com uma equipa feminina 100% profissional, campeã nacional, e que regularmente disputa a Liga dos Campeões Feminina, veio a público admitir que ainda hoje não tem retorno financeiro.

No entanto, quando realmente se quer algo, luta-se por isso! Encontram-se estratégias, patrocínios, procuram-se apoios, formas de sustentar este investimento, que um dia trará o tão valorizado retorno financeiro. Mas, para tal, é preciso que os clubes queiram realmente apostar no futebol feminino, e não o fazer apenas porque é “moda”, e exigência da UEFA, para a participação das equipas masculinas nas competições europeias. É preciso que pensar a longo prazo, e encontrar estratégias para contornar as adversidades que surgirão a curto/médio prazo.

Estas são apenas algumas ideias que pairam na cabeça de todos nós. Não sou a primeira, e certamente não serei a última pessoa a partilhá-lo após este Campeonato da Europa, tendo em consideração o desempenho das jogadoras Lusas. A responsabilidade é cada vez maior, e é de todos nós – Federação, sindicato, clubes, adeptos…

“Vamos Todos! Vamos com Tudo!” – É este o momento!


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