O caminho de Portugal até ao RWC 23′: as bases e fundações

Francisco IsaacNovembro 20, 20227min0

O caminho de Portugal até ao RWC 23′: as bases e fundações

Francisco IsaacNovembro 20, 20227min0
Francisco Isaac analisa o sucesso de Portugal neste caminho até ao Mundial de Rugby, e começa pelas bases do como os "Lobos" atingiram o objectivo

Já se passaram alguns dias deste o feito memorável do rugby português, e entre os festejos infindáveis tanto celebrados no Dubai como em Lisboa ou Paris, é importante perceber o caminho trilhado até aqui, percebendo o que foi feito, quais foram os objectivos, as dificuldades, sucessos ocasionais e soluções imediatas para problemas inesperados. Por isso, o primeiro ponto a observar são as bases e fundações de como Portugal construiu este grupo e caminhou pacientemente até ao Campeonato do Mundo de rugby pela 2ª vez da sua história.

Qual foi, na opinião do leitor, o primeiro passo ou ladrilho colocado para chegar ao sonho de 2023? Não há dúvidas que existem uma pluralidade de possibilidades de como os “Lobos” começaram a edificar o tal caminho, sendo que quase todos eles deverão se aglutinar a certo momento, até porque só assim faz sentido. Nenhum elemento isolado poderia ter sido só por si a chave para o sucesso, pois foi necessário uma conjugação de factores e detalhes para atingir o Campeonato do Mundo 2023. Então quais?

Comecemos pelos mais básicos: a promoção para o Rugby Europe Championship em 2019, que foi conquistado pela mão de Martim Aguiar, Nuno Damasceno e João Mirra, após a selecção nacional ter fracassado por duas vezes tal objectivo nas duas épocas anteriores – derrota contra a Bélgica em 2017 e Roménia em 2018 -, pondo fim a três anos longe do principal palco do rugby europeu, fora as Seis Nações. Mas antes de continuarmos a seguir a ladainha desta promoção, existem mais dois pormenores iniciais de igual importância, com o surgimento de uma sequência de cinco gerações de sucesso, e o desenvolvimento de boas relações com França, ou, melhor, o estreitar de entendimentos com ligações no espaço territorial gaulês.

Desde 2014 que o rugby nacional vem tendo uma série de excelentes atletas, com os clubes a terem desenvolvido com qualidade as suas escolas de formação, o que possibilitou às academias regionais e grupos de trabalho dos sub-14/16 a terem as condições necessárias para dar um salto mais ambicioso. Aqui é importante dar destaque a Henrique Garcia, Rui Carvoeira, João Moura, José Luís Vareta, entre outras pessoas que tiveram um papel importante neste patamar.

Os primeiros resultados de outra craveira apareceram em 2015, com os “Lobos” a derrotar a Escócia pós-tempo regulamentar (um 0-0, do qual as poucas fotos que existem estão no corredor do CAR Jamor, com a fotografia da equipa que conseguiu tal feito), sendo a primeira vitória de uma selecção nacional de formação ante um adversário do topo mundial.

Curiosamente, esta derrota iria forçar o fim do Campeonato da Europa de sub-18 como tal conhecemos, por via das Home Nations terem se recusado a aceitar que a Escócia tinha de enfrentar um jogo de despromoção/manutenção a eliminar… As selecções de sub-18 começaram a ganhar mais jogos, foram subindo de nível e patamar, superando a Rússia e Roménia na escala, estando praticamente ao mesmo nível da Espanha, um país que radicalmente se dedicou ao rugby de formação, ao ponto de ter hoje em dia mais de 100 jogadores a actuar quer nos Éspoirs dos clubes do Top14 ou ProD2, ou a actuar em Inglaterra, entre outros países.

Dentro da mesma sucessão de eventos, os sub-20 foram dando sinais encorajadores em alguns torneios realizados em casa, para depois em 2017 se afirmarem com total domínio dentro dos Tier2: a conquista do Campeonato da Europa, e o 2º lugar no World Rugby Trophy (2ª divisão do Campeonato do Mundo de sub-20). Luís Pissarra com António Aguilar, finalizaram a formação destas novas fornadas de jovens do rugby nacional com total genialidade, o que iria significar algo de sensacional para Portugal a curto, médio e longo-prazo.

Por isso, entre 2015 e 2022, a nível de formação, Portugal conquistou os seguintes feitos no XV:

– Tri-campeão Europeu de sub-20 (2017, 2018 e 2019);

– Vice-campeão do World Rugby Trophy sub-20 (2017 e 2019);

– Vice-campeão Europeu de sub-20 (2021);

– Vice-campeão Europeu de sub-18 (2021 e 2022);

– Medalha de bronze sub-20 (2022);

– Medalha de bronze sub-18 (2019);

Ou seja, os “Lobos” deixaram Rússia e Roménia para trás, igualaram a Espanha, e estavam só a um nível da Geórgia no sub-20, e a três da França nos sub-18 (que até 2018 jogou nos torneios da Rugby Europe de formação sub-18). O que isto significa? Que para além destas gerações serem efectivamente de excelsa qualidade, têm também a mentalidade, aptidão, apetite e génio para lutarem por títulos, não ficando só à porta, ou a viver no universo dos “ses” e das possibilidades.

Com estas gerações a começarem a dar o salto para o escalão sénior desde muito cedo, o seu crescimento foi ainda mais exponencial e permitiu preparar estes atletas para um nível competitivo superior, estando assim bem adaptados para quando chegassem os momentos críticos.

O terceiro ponto básico passa pelas relações com o rugby francês, e isso se deve aos esforços desenvolvidos pela direcção encabeçada por Carlos Amado da Silva – durante a presidência momentânea de Pedro Ribeiro, já se tinham reiniciado algumas conversações, sem terem o mesmo alcance ou poder -, que desde o primeiro dia que tomaram posse, preocuparam-se a reatar algo completamente rasgado pelas administração anterior. De repente, os “Lobos” puderam começar a contar com Samuel Marques, Mike Tadjer, Ivo Morais (já retirado no entretanto), Jean de Sousa (já tinha voltado antes, e ajudado Portugal a garantir a promoção ao Rugby Europe Championship), Anthony Alves, Francisco Fernandes, entre outros, aproveitando ainda para introduzir alguns atletas mais jovens como Vincent Pinto ou Dany Antunes.

O retomar de relações além-Portugal só poderia beneficiar o rugby nacional a todos os níveis, ao contrário de algumas opiniões infundadas que circularam pelo território nacional durante algum tempo, inclusivé quando estes atletas luso-descendentes ou a jogar em França, ainda estavam a actuar normalmente pelos “Lobos”. A chegada de Patrice Lagisquet e os seus assistentes garantiu, também, credibilidade ao projecto, e manteve um canal aberto para o rugby francês, que interessou-se por Portugal e começou a recrutar atletas jovens, caso de José Madeira, Manuel Cardoso Pinto, Rodrigo Marta, Raffaele Storti, Simão Bento, ou António Prim.

Por isso, é impossível dizer se o ano da viragem foi 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 ou 2019, porque em todos estes anos surgiram elementos que efectivamente contribuíram para o início da caminhada até ao Mundial de Rugby 2023. É possível também dizer que 2007 foi o ano catalisador, porque a ida a esse Campeonato do Mundo, realizado também em França, ditou que o rugby português estivesse mais presente no dia-a-dia e atraísse ainda mais atletas que não estavam tão familirzados com a modalidade, inserindo novo “sangue” por assim dizer.

Todavia, seria errado da minha parte dizer que não podemos olhar para 2019 como o ano do primeiro passo rumo ao Mundial. E porquê? Porque é o ano em que Luís Pissarra e António Aguilar demonstram que os seus campeões da Europa não o foram por um “bug”, com o segundo vice-campeonato no Trophy; é também quando Patrice Lagisquet aterra em Portugal e começa a desenhar as bases para o futuro; e não esquecendo que foi nessa altura que Carlos Amado da Silva entregou-se a construir pontes com França.

A confluência destes factores básicos desaguou no início de um longo processo que terminou em sucesso no Dubai, apesar de em 2022 Portugal ter falhado o apuramento… lembrar que a penalização da Espanha foi como um milagre, contudo também podemos dizer que em duas situações em jogos de 2021 e 2022, os “Lobos” foram claramente prejudicados no caminho para a vitória.

Na segunda parte iremos ver como o “motor” de Patrice Lagisquet, Luís Pissarra e João Mirra carburou, e que afinações foram sendo realizadas, sem esquecer a importância da Super Cup, que acabou por mudar o paradigma.


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