O que mudou na selecção brasileira de basquetebol de 2015 para agora?

Lucas PachecoSetembro 1, 20225min0

O que mudou na selecção brasileira de basquetebol de 2015 para agora?

Lucas PachecoSetembro 1, 20225min0
Lucas Pacheco olha para a evolução da selecção brasileira de basquetebol feminino e como o futuro poderá ser dourado para a canarinha

Olhar o passado para analisar o presente: a tarefa dos historiadores pode jogar luz sobre o estado atual do basquete feminino brasileiro. Nem sempre o passado situa-se em tempos remotos, fazendo ecoar seus efeitos mesmo no curto prazo. Vejamos, a título de experimento, o desempenho da seleção brasileira na última categoria antes do adulto.

É necessário situar e contextualizar os eventos; no tocante à seleção brasileira, imprescindível citar a suspensão imposta pela Fiba à Confederação Brasileira de Basquete (CBB), logo após as Olimpíadas de 2016, cuja sede foi no Rio de Janeiro. O lapso temporal, em que nem seleção nem clubes puderam participar de competições internacionais, foi determinante para a queda do Brasil no cenário internacional.

Após o hiato, oriundo de péssimas gestões dos comandantes da CBB (Grego e Carlos Nunes) que criaram dívidas insustentáveis, a seleção feminina sub-19 voltou ao Campeonato Mundial em 2021, disputado na Hungria. Na última posição, a seleção despediu-se sem nenhuma vitória. Um retorno traumático ao Mundial, cujas causas remontam à suspensão, assim como à confusão da nova gestão na definição da comissão técnica.

Voltemos à edição anterior, na Tailândia. Embora a FIBA já houvesse liberado a participação brasileira, a geração não teve condições de treinar e de se classificar, ficando de fora do Mundial sub-19 de 2019. Retornemos mais uma edição: em plena suspensão, a seleção feminina não disputou o Mundial de 2017 na Itália.

Portanto, é necessário retrocedermos à edição de 2015, disputado na Rússia, para uma análise mais minuciosa. A décima posição seria comemorada hoje; à época, trouxe preocupação aos torcedores. Ao olharmos a campanha, porém, o cenário parece menos sombrio: na primeira fase, estreia com vitória tranquila (82 x 51) sobre a Coreia do Sul, capitaneada por Ji-Su Park (seleção que nos eliminou do Mundial adulto deste ano). Na segunda partida, derrota para a sempre forte Austrália (terminaria com a medalha de bronze) por 48 x62.

A partida contra a Sérvia definiria a segunda e terceira colocadas do grupo D. O Brasil fez uma partida dura e disputada, com a derrota na prorrogação, por 80 x 75. O resultado levou a seleção brasileira a novo confronto contra a escola europeia, desta vez contra a poderosa França, nas oitavas de final. Infelizmente, a derrota por 63 x 76 jogou o Brasil para a disputa pelo nono lugar.

Apesar das duas derrotas, o Brasil fez jogos disputados contra seleções fortes, ambos perdidos somente na prorrogação. O desempenho satisfatório da equipe dirigida por Guilherme Vos rendeu frutos nas partidas subsequentes e, dentro do chaveamento de consolação (do 9º ao 16º lugares), o Brasil foi derrotado somente na disputa final. Novamente uma seleção europeia se pôs no nosso caminho: a derrota por 72 x 83 para a Holanda definiu a posição final da seleção.

Podemos analisar a seleção do ponto de vista coletivo e notar a boa defesa praticada. O problema esteve no lado ofensivo e em deficiências que se tornariam a norma desde então, reflexo da formação: aproveitamento ruim nos lances-livres, mais turnovers que assistências, ausência de opções táticas para esconder as deficiências de fundamentos. Ou, podemos olhar do ponto de vista individual – espanta a qualidade das jogadoras, muitas delas vindo de boas campanhas na recém-finalizada temporada da LBF.

Thayná Silva foi MVP da LBF do ano passado e candidata a repetir o feito. Outra concorrente ao prêmio fez parte daquele elenco, Aline Moura, assim como sua companheira de Sesi Araraquara, Nany. Gabi Guimarães foi peça fundamental no título do Sampaio. Lays foi a melhor armadora da competição. Vitória Marcelino, Nazinha, Bianca, Jennifer Nonato, Monique, Larissa Carneiro, todas fizeram a transição para o adulto e hoje compõem os times profissionais.

A análise esse elenco com o olhar atual faz pensar que a décima posição foi pouco. Muitos delas, inclusive, são constantemente convocadas para a seleção adulta. Como explicar essa diferença?

Decorridos 7 anos, quase nenhuma jogadora teve condições de desenvolver aspectos técnicos e táticos em ambiente estável. Pelo contrário, muitas rodaram por diversos times, passando por diversos técnicos, e algumas até mudaram de posição. Salta aos olhos, por exemplo, a ausência de uma ala capaz de atacar linhas de infiltração e definir próximo ao aro no elenco de 2015. Vitória, titular na posição 2, preferia cair no poste baixo e explorar sua força e chute de média distância – não à toa, hoje ela oscila nas posições 3 e 4 em seu clube. Thayná passou um tempo sem jogar, retornando ao radar dos clubes após disputar um torneio amador.

A seleção acaba refletindo um cenário muito restrito de clubes, sem uma coordenação de médio e longo prazo. Para jovens em busca do salto ao adulto, a consolidação se torna extemamente difícil. Ou amplia o tempo de amadurecimento.

Se o Brasil não produz talento como em seus tempos áureos, quando as seleções de base disputavam medalha no nível mundial, tampouco deixamos de formar jogadoras talentosas, como se vê na seleção sub-19 de 2015, recheada de talento.

Lapidar e continuar (estender) o processo de formação sob condições precárias (circuito restrito de clubes, concorrência com as mais experientes, falta de verba pela CBB), eis o desafio do basquete feminino brasileiro, para o qual todos os atores devem convergir. A suspensão da FIBA resultou da má gestão da confederação e causou uma ruptura difícil de superar. Olhar o passado em busca de lições pode ser uma saída. Talvez a única possível.


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