É a F1 realmente um bom produto para os fãs?

Luís MouraDezembro 18, 20234min0

É a F1 realmente um bom produto para os fãs?

Luís MouraDezembro 18, 20234min0
É a F1 realmente um bom produto para quem assiste de fora? Sim ou não? Luís Moura com uma reflexão a este tema de alto impacto

As características das sociedades contemporâneas, com economias capitalistas que envergam a produção em massas e a mercantilização dos produtos, afetaram o desenvolvimento do desporto, atribuindo-lhe um valor quantitativo, ao invés de qualitativo. Atualmente, as diversas modalidades desportivas (umas mais que outras) são encaradas como um negócio. A crítica do presente artigo não se prende com uma reflexão acerca da contemporaneidade e das suas consequências económicas, sociais e culturais, muito pelo contrário, trata-se de uma reflexão sobre o estado da Fórmula 1 (F1) enquanto produto. Assim, será a F1 realmente um bom produto para os fãs? É uma questão com respostas ambivalentes, mas vamos por partes.

Nos seus primórdios (anos 50), a F1 vivia essencialmente de corridas locais, isto é, estava longe de se globalizar e universalizar. Com casa mãe em Silverstone, no Reino Unido, a competição conheceu nomes incontornavelmente admirados. Enzo Ferrari é um dos exemplos. Criou o que hoje é uma das maiores marcas do desporto motorizado mundial, a Scuderia Ferrari. Aportou à Ferrari o sinónimo de vitória, velocidade,  exigência e paixão, construiu uma marca que não se restringe ao desporto e aflora a sua identidade. Por um lado, Enzo Ferrari anteviu o que se desenrolou nas seguintes décadas. A F1 deixou de ser um desporto local (restringido a escassos países e realidades) para se globalizar e comercializar. Aproveitou a emergência capitalista para se colocar ao lado do negócio, assim sendo, o produto esteve sempre dentro das preocupações da categoria. As equipas publicitaram marcas como forma de sobrevivência para recolher fundos destinados ao desenvolvimento. A parceria McLaren Marlboro ficará eternizada na disciplina. Viu Prost e Senna brilharem. Para além das diversas corridas vencidas com as cores vermelha e branca (tradicionais da marca de tabaco), o mítico contacto entre os homens da McLaren em 1989 no grande prémio do Japão foi representado pela Marlboro.

Nos dias de hoje, a F1 vive da tecnologia, aliás, é conhecida por isso. É admirada pelos desenvolvimentos tecnológicos e mecânicos (associados à inovação) que alimentam a competição, mas também, quiçá acima de tudo, a indústria automóvel. Por outras palavras, é o expoente máximo do capitalismo: ter o máximo rendimento com os menores custos possíveis. O teto orçamental, aprovado recentemente com o objetivo central de nivelar a competição, exemplifica o defendido.

Socialmente, demarcou-se de estigmas e preconceitos. Durante a pandemia as equipas utilizaram os seus engenheiros- fechados em casa e impossibilitados de trabalhar no design dos monolugares- para desenvolver ventiladores e doá-los a unidades hospitalares carentes de sistemas de ventilação. Associou-se ao movimento Black Lives Matter e fez do slogan bandeira no inico das corridas. Não se absteve do que de fraturante corre na sociedade e, como Enzo Ferrari no século passado, construiu uma identidade.

Assim, dada a contextualização, urge voltar à questão central do artigo. É a F1 um bom produto? Depende… dos públicos (felizmente diversos). Dos mais jovens aos mais antigos, dos mais informados aos mais mediatizados, a F1 tenta agradar todos os públicos, mas pode cair no erro de não agradar nenhum. É bandeira no marketing, na política, em geral na comunicação: falar para todos, mas não agradar todos. Se quisermos: Quem todos quer agradar, acaba por ninguém agradar. Honestamente, é uma das sensações que possuo da F1 atual. Por um lado, se é verdade que se democratizou e agora é acessível à esmagadora maioria da população mundial, não deixa de ser verdade que se desqualificou. Secundarizou o plano desportivo e deixou emergir a fragmentação e polarização da modalidade. Em muito consequência da discussão em torno de Abu Dhabi, a esfera de discussão em volta da F1 ficou azedada. Desde insultos e ameaças a intervenientes da corrida, ao recente, mas lamentável caso de troca de agressões na bancada do grande prémio do México.

Na resposta à questão proposta, a F1 continua a ser um bom produto, todavia, está em risco de o deixar de ser. Conseguiu conduzir o desenvolvimento tecnológico, acompanhou o desenvolvimento social, mas terá de não acompanhar a popularização e a radicalização social. Mais do que avaliar o interesse competitivo, importa entender o que se passa fora das pistas, de forma a trabalhar por um desporto melhor.

Nem tudo (dever) ser sobre o produto, nem tudo (deve) ser sobre o dinheiro.


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