Caitlin Clark: a caloura do ano na WNBA

Lucas PachecoSetembro 19, 20247min0

Caitlin Clark: a caloura do ano na WNBA

Lucas PachecoSetembro 19, 20247min0
Ascensão meteórica e sensação na WNBA, Caitlin Clark é um dos grandes nomes desta temporada, vista aqui à lupa de Lucas Pacheco

Quando a temporada regular chega ao fim, iniciam-se as premiações individuais. A WNBA não escapa dessa dinâmica; em relação à ‘caloura do ano’, a disputa polarizara-se há alguns meses entre Caitlin Clark, armadora do Indiana Fever, e Angel Reese, power forward do Chicago Sky. Em uma classe recheada de talentos e prospectos de primeira grandeza, a dupla logo se antecipou, não deixando margens para discussão.

Grandes protagonistas de um movimento de aumento de visibilidade da liga, elas migraram suas apaixonadas torcidas das universidades para o nível profissional. As menções nas redes sociais, a cobertura jornalística, a ocupação dos ginásios, tudo ficou maior em 2024, fenômeno para o qual concorreram mais investimento pelos donos das franquias, um projeto de expansão da liga e a chegada de estrelas novas. Ambas ainda se assemelham, dentro de suas evidentes diferenças, no impacto imediato que trouxeram às suas equipes: enquanto Reese esteve em quadra, antes de uma contusão que a retirou da temporada, já na reta final, o Sky classificava-se para os playoffs. O Indiana Fever saltou da pior campanha em 2023 para a surpreendente sexta posição em 2024, com vaga nos playoffs e chance de competir por mais.

Reese recebeu muitas ressalvas nas avaliações do draft, com muitas dúvidas quanto à transposição de seu jogo para um estilo mais físico. Sem tempo de trabalhar aspectos do jogo entre o fim da temporada universitária e a escolha na WNBA, ela concentrou sua pontuação próxima ao aro. Sem arremesso confiável de média distância, Reese precisaria compensar a falta de espaçamento (em um elenco marcado pela ausência de arremessadoras) com outros atributos – tarefa em que se destacou, com louvor. Sua defesa mostrou-se melhor do que esperado, seja na proteção do aro e nas proximidades da cesta, seja no perímetro: a agilidade nas mãos e a atenção às movimentações mostraram-se essenciais para sua equipe. No ataque, aliou-se a consciência do range à inesgotável força e colocação; muita criticada pelo baixo aproveitamento (39%, mesmo chutando perto da cesta), ela brilhou em coletar rebotes (muitos a partir dos próprios arremessos desperdiçados, importante ressaltar).

A afrontosa e destemida pivô liderou a liga em rebotes, disputando contra pivôs mais experientes e mais altas. Para ser justo: Reese foi a caloura com mais rebotes por jogo na história da WNBA (13,1, contra os 11,7 de Tinha Charles no distante 2010). Um feito e tanto para uma escolha de sétima posição, cujos números a fariam vencedora do prêmio em qualquer outro ano.

Porém, em Indiana, outro fenômeno do esporte ascendeu a patamares surreais. Com bem menos asteriscos em suas avaliações pré-draft, Caitlin Clark correspondeu às expectativas e tornou-se uma estrela em seu primeiro ano na liga profissional. Ela deve faturar o prêmio de ‘caloura do ano’ e briga por uma vaga no quinteto da temporada. Se Reese pegou rebotes como nenhuma outra caloura na história, Clark deu assistências como nunca visto na WNBA: liderou a temporada regular com 8,4 por jogo (acima de Courtney Vandersloot e Alyssa Thomas, por exemplo), marca que superou a estreia de Ticha Penicheiro em 1998 (7,5 assistências por partida).

Como se fosse pouco, Clark ainda propulsionou sua equipe, aumentando o ritmo/pace (décimo em 2023, segundo em 2024) e melhorando suas companheiras (Kelsey Mitchell finalizou a melhor temporada de sua carreira). Maior minutagem do elenco, segunda cestinha da equipe (apenas 0,1 ponto por jogo atrás de Mitchell e quarta maior média da história da liga entre novatas – WNBA Rookie Records and Leaders | Basketball-Reference.com), eleita jogadora da semana e/ou mês de sua conferência – os feitos são enormes e históricos.

Insuficientes para disputa de MVP (como seu séquito de adoradores, ou comentaristas eventuais, acreditavam), importante dizer. Por mais histórica que tenha sido sua estreia, apenas Candace Parker em 2008 conseguiu a proeza de conquistar os prêmios de MVP e ROY (rookie of the year), fato dificilmente equiparável no futuro, devido à evolução da liga. A temporada de novata de Caitlin Clark aproxima-se mais de jogadoras-cestinhas, como Seimone Augustus (21,9 pontos por jogo) e Cappie Pondexter (19,5, mesma marca de Clark a uma partida do término da temporada regular), ambas em 2006 (excluímos a estreia de Cynthia Cooper, por ter estreado em idade avançada). Mas nenhuma delas liderou a liga em assistências, ou arremessou tanto de três.

Havia poucas dúvidas da grandeza de Clark na WNBA; o estilo fogoso de seu jogo, com visão de quadra acima da média e precisão nos arremessos, o espírito lutador e altivo traduziriam-se no nível profissional. As principais ressalvas pré-draft diziam respeito à defesa e aos turnovers (desperdícios); enquanto em Iowa sua equipe defendia em zona, sem nenhuma responsabilidade sobre a estrela, na WNBA é quase impossível esconder uma jogadora na defesa. Defendendo em individual na maior parte do tempo, Clark mostrou-se mais preparada do que previsto, com bons números de roubos e rebotes defensivos. Ainda que precise evoluir nas coberturas e no trabalho coletivo, não foi a vulnerabilidade no 1×1 que alguns esperavam (este que vos escreve dentre eles). A maior cestinha da história da liga conquistou três troféus mesmo sendo uma defensora mediana, fornecendo uma linha de desenvolvimento a ser espelhada por Caitlin.

Clark sofreu com alto índice de turnover (5,6 por partida): se o número condiz com o alto número de passes decisivos e com a dominância da bola que uma armadora principal de seu quilate demanda, certo que ela deverá buscar meios de diminuir (maior média de turnover para uma caloura na história da liga). Tal qual as oscilações durante a temporada, outro quesito que a rodagem e a experiência devem balancear. Tratava-se de uma equipe nova, cujo núcleo central possui segundo e terceiro anistas, que demorou a se entrosar. De certa forma, dado o talento reunido, podemos antecipar que a equipe, já jogando em alto nível e competindo contra qualquer equipe, ainda esboça a grandeza que pode atingir. A dupla com a pivô Aliyah Boston tem tudo para ser a pilastra de sustentação de uma equipe multi-campeã.

Olhando com mais minúcia ainda, a única equipe não vencida pelo Fever na temporada regular foi o Las Vegas Aces. A mestre da tática, a técnica Becky Hammon, usou estratégias de playoffs para conter a pontuação de Clark (outro indício de sua grandeza): uso do carrapato Jackie Young como defensora principal (com força, velocidade e inteligência), foco em quebrar o corte para a esquerda (movimento que impulsiona o mortal step back three de Clark) e cobertura coletiva nas infiltrações pela direita. A fórmula deu certo na temporada regular e deve ser replicada nos playoffs; um recurso pouco utilizado por Clark, que deve assinalar uma das linhas de sua evolução (emulando a Sabrina Ionescu), é o floater. Sem ritmo de arremesso, Clark pontuou abaixo de sua média nos confrontos contra o Aces – no último duelo, Clark zerou no primeiro tempo e, prova de seu tamanho, converteu 13 pontos na volta do intervalo, conduzindo o Fever à proximidade no placar.

Por fim, um ajuste menos estatístico e mais imponderável é a liderança exercida perante sua equipe. Não foram raras as vezes em que seu descontentamento com colegas foi explicitado; seu protagonismo em Iowa precisa ser moldado para o protagonismo na WNBA. Ao longo da temporada, essa insatisfação reduziu-se bastante; com uma inter-temporada completa, devemos ver uma outra postura em 2025.

Friso que Caitlin Clark fez uma temporada histórica de estreia na WNBA. Os comentários aqui apontam para um talento capaz de dominar a liga por mais de uma década, para alguém que pode alcançar a alcunha de ‘goat’. Sendo o basquete um esporte coletivo, quando praticado em seu mais alto nível, cada detalhe pode fazer a diferença; os melhores momentos do Fever acontecerem quando Boston e Mitchell foram envolvidas no ataque. Rumo à grandeza, as responsabilidades caminham junto aos méritos.

Estamos apenas no começo de uma nova era na WNBA.


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