Lucas PachecoMais uma vez, a genialidade de Caitlin Clark
As deusas do basquete nos presentearam com um início promissor de ano; logo no segundo dia de 2024 testemunhamos mais um feito na carreira universitária de Caitlin Clark, com um step back three (bola de três a partir de um passo para trás) no estouro do cronômetro, cesta que decretou a vitória de Iowa sobre Michigan State, por 76 x 73. A partida, válida pela conferência Big Ten, teve um minuto final digno de uma crônica, polêmico na mesma medida.
Após um confronto parelho, em que as sequências de cada equipe se alternaram, refletidas nas constantes alternância de liderança, Iowa chegou ao minuto final empatada com a universidade de Michigan State, em 71 pontos para cada lado. Não deixava de surpreender: de um lado, o favoritismo de Iowa traduzia-se na quarta posição no ranking semanal do basquete feminino universitário estadunidense, equipe com anseios de retornar ao Final Four e faturar o tricampeonato consecutivo da conferência. Do outro, uma universidade em processo de renovação, com comissão técnica nova após o pedido de dispensa da antiga treinadora Suzy Merchant, no comando por 16 temporadas.
As últimas temporadas, principalmente após a formatura e o draft de Nia Clouden, não deixaram saudade. A julgar pela partida de ontem, a maré mudou com a chegada da nova técnica, Robyn Fralick; sem grandes estrelas, o time acelerou o ritmo e se impôs fisicamente. Apostando nos chutes longos e nos duelos de isolamento, o ataque de Michigan State figura como um dos mais prolíficos no país, dinâmica exceutada à perfeição contra Iowa. A derrota doeu, pelas circunstâncias logo expostas, mas a universidade volta a despertar atenção.
Sometimes you can work hard and not get the desired results. #22 was working hard for Michigan State.
Iowa got the stop but this is actually a trash defensive possession if we being honest!#blowthewhistle #ncaawbb pic.twitter.com/WG8T9lxk1o— Kameo Williams (@gemsinthegym) January 3, 2024
Voltemos ao minuto decisivo: empate em 71 pontos e posse para Michigan State, que busca o isolamento com Moira Joiner na cabeça do garrafão. O erro na primeira tentativa é seguido peloa rebote ofensivo e, no segundo arremesso, Caitlin Clark aparece com um toco que recupera a bola para sua equipe. Eis que a arbitragem resolve tomar o protagonismo, com uma falta anotada contra Michigan State, durante o quique da bola, como lance livre – ao invés de Iowa cobrar a lateral, dois pontos fáceis na conta e nova liderança, por dois pontos.
Ok I did my own research. Even the commentators are surprised it’s being called a shooting foul. Soooo what’s the problem?? https://t.co/3AUckn5w46 pic.twitter.com/wAyaS6Zch3
— Anraya 🏳️⚧️Defend Trans Joy🏳️⚧️ (@apalm_is_napalm) January 3, 2024
Fralick desenha uma jogada de ataque à cesta com bastante tempo de posse e DeeDee Hagemann parte rápido para a bandeja que empata novamente o duelo. Iowa teria a posse final e absolutamente todos os espectadores sabiam que o arremesso final viria das mãos do fenômeno Cailtin Clark. Dito e feito.
CAITLIN CLARK COM O GAME WINNER PARA VENCER O JOGO PARA IOWA!
40 PONTOS PRA ELApic.twitter.com/vSO3bvxZF2
— WNBA Brasil (@WNBA_Brasil) January 3, 2024
Na jogada conhecida como ‘scissors’ (tesoura, em português), bem defendida por Michigan State, Caitlin Clark faz outra de suas mágicas, convertendo o buzzer beater mesmo com sua defensora na cola. A vitória estava selada, graças à iminente escolha 1 do próximo draft da WNBA: 40 pontos, 5 assistências, 3 roubos e 1 determinante toco. Sim, você não leu errado – ela fez mais de 50% dos pontos de sua universidade!
Como vivemos a era das redes sociais, nos acostumamos a mediar nossas experiências pela tecnologia e pelos filtros impostos por ela; o lema ‘ame ou odeie’ nunca esteve tão em voga e o engajamento a qualquer custo surge quase instantaneamente, com críticas desmedidas e descontextualizadas. Sequer me refiro aos discursos de que o talento de Clark não se replicará na WNBA, nonsense que nem merece argumento contrário. Mesmo perfis que acompanham a modalidade produzem opiniões tortas sob a pressa.
Lisa Blunder is goin to the hot place cuz this is just dumb, unsustainable basketball pic.twitter.com/FUwKw6Gjop
— Mehmet Okurrrt (@Natural_OneDurr) January 3, 2024
Embora a crítica não seja sobre a jogadora, parece-me um tanto injusto criticar a universidade recém saída da final nacional, depois de eliminar a favoritíssima universidade de South Carolina, invicta até a semi-final contra Iowa. Clark incrementou 3,5 arremessos por jogo nesta temporada, em relação a 2022-23 e concentrou, na partida de ontem, 34 de um total de 67 arremessos tentados do time. Se levarmos em conta a perda da segunda cestinha da equipe vice (a pivô Monica Czinano, em seu quinto ano), os dados não soam tão absurdos assim.
Uma equipe que busca seu melhor encaixe enquanto desenvolve a (ala-)pivô que assumiu a vaga de Czinano; Hannah Stuelke exerceu, ontem, a função de segunda pontuadora (15 pontos em 11 arremessos tentados) e mostra um jogo de costas para cesta cada vez mais polido. Esse fundamento, aliás, vem se repetindo sistematicamente nas pivôs formadas em Iowa desde Megan Gustafson, o que demonstra a qualidade do trabalho; Stuelke possui ainda mobilidade, explosão e técnica para colocar a bola no chão que a podem transformar em um prospecto mais promissor que Czinano e Gustafson.
De fato, o elnco carece de mais opções ofensivas – com as condições disponíveis, e o desejo de vencer, não resta outra alternativa a não ser ampliar a responsabilidade de Clark – que corresponde em quadra a cada novo desafio. Vejamos como a equipe se estrutura nos próximos meses, se alguém despontará no auxílio da dupla Clark-Stuelke; talvez o timing no desenvolvimento da pivô não se converta em outra corrida ao Final Four. Convém não duvidar de Caitlin Clark.
Por falar em Final Four, quem veio a público cornetar o resultado foi a técnica Dawn Staley, justamente da derrotada South Carolina na temporada passada.
Heckava shot but give the game ball to the ref for the shooting foul call. 🤷🏽♀️🤷🏽♀️🤷🏽♀️
— dawnstaley (@dawnstaley) January 3, 2024
A provocação foi seguida do bloqueamento de diversas contas que responderam, lembrando da derrota e atribuindo a ‘opinião’ a despeito e ranço com Iowa. Staley podia ter dormido sem essa dor de cabeça, até mesmo porque, se o destino caminhar bem e a armadora escolher partir para a WNBA, o provável destino será o Indiana Fever, onde a pivô Aliyah Boston espera ansiosamente a chegada da geracional Clark.
Simplesmente as duas últimas jogadoras do ano no circuito universitário, peças complementares, vitoriosas e que, juntas, têm todas as ferramentas para dominar a liga por muitos anos. Torçamos para as deusas do basquete seguirem nos presenteando com grandes partidas, polêmicas e a migração de Clark à WNBA.
