A comunidade do basquete feminino

Lucas PachecoOutubro 11, 20246min0

A comunidade do basquete feminino

Lucas PachecoOutubro 11, 20246min0
A ausência da comunidade brasileira do twitter foi sentida e Lucas Pacheco explica a importância na rede no basquete feminino

Este texto aborda o basquete feminino sob um ângulo inusitado, com foco na circulação de informações e ponto de encontro para a comunidade da modalidade. Se tais encontros antes se davam em locais físicos (ginásios por exemplo), se as informações dependiam de veículos profissionais (jornalistas em sua maioria), com o advento e monopólio das redes sociais, o circuito alterou-se profundamente.

Obviamente, o processo não se restringe ao basquete feminino e abrange quase todas as esferas da vida social. A mediação das relações por redes sociais consolidou-se e impacta diferentemente cada área; para um esporte com pouca visibilidade e circulação restrita, como o basquete feminino, o impacto foi profundo. Independente de nossas vontades individuais, o twitter tornou-se o principal meio de trocas e acesso a informações. Mais que outras redes, a velocidade e limite de caracteres do twitter/X criou uma comunidade inimaginável em outros tempos, ultrapassando fronteiras geográficas.

O testemunho deste escriba pode trazer luz ao fenômeno: o circuito universitário dos Estados Unidos, sem televisionamento no Brasil, somente virou acessível graças às redes sociais e aos streamings. Para a WNBA, a interface com análises de outros locais ampliou consideravelmente o acesso; a Euroliga era praticamente nula no Brasil, mudança possibilitada pela ascensão das redes sociais. E, recentemente no Brasil, vivemos algo inusitado: o twitter/X foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal, órgão judiciário máximo no país.

A empresa e o dono da rede descumpriram ordens judiciais que levaram à suspensão, que durou cerca de um mês. Acostumada às notícias diárias do basquete feminino mundo afora, de repente a comunidade brasileira do basquete feminino perdeu os frágeis vínculos com outras nacionalidades e migrou maioritariamente para outra rede social (bluesky).

Não se trata de um texto panegírico ao twitter/X, pois é notória a filiação do dono da rede suspensa à ideologia de extrema-direita. Ele associou-se a atores políticos brasileiros e criou uma falsa polêmica, com a tentativa de vincular a suspensão à ausência de liberdade de expressão. Só caiu nesse discurso quem comunga dessa mesma ideologia extremista; nenhuma empresa pode se sobrepor às leis e ordens judiciais de um país soberano. A extrema direita mundial está articulada e, em busca de vencer a guerra cultural, vão se imiscuir em qualquer assunto que traga benefícios e apoie seus interesses.

Tampouco se trata de um obituário, apesar dessa rede caminhar a passos acelerados rumo ao extremismo mais perigoso. A suspensão findou durante esta semana e, com isso, o principal “local” de encontro da comunidade do basquete feminino retornou (não sabemos até quando, se em caráter permanente). A ausência de regulamentação das redes no Brasil obstaculiza previsões, ainda mais quando o dono de uma rede busca o enfrentamento com o sistema judiciário de um país.

Para além da suspensão, o intercâmbio possibilitado pelas redes sociais fez falta durante esse mês. O jornalismo profissional sucumbiu à velocidade da internet; em uma modalidade esportiva com tão pouca cobertura, as redes preenchem um espaço (ainda que para nichos) antes vazio. Novamente apelando à minha experiência pessoal, o mês de suspensão do twitter/X deixou saudade de alguns perfis, os quais vou citar nominalmente. É uma seleção bem pessoal. Impossível não começar pelo @JoseAndrade1912, fundamental para recebermos notícias do basquete português e europeu deste lado do Atlântico. Muitas brasileiras disputam a liga nacional e ele exerce esse papel de ponte essencial para estreitar o intercâmbio entre dois países com tanta história em comum.

Outras fontes fundamentais para o basquete europeu são @RichardCohen1 e o escriba oficial da FIBA, Paul Nilsen, ou simplesmente @basketmedia365. O primeiro, inglês, fala tanto de basquete europeu quanto conecta o velho ao novo continente, com pontes interessantes com a WNBA. Já o Paul Nilsen acaba centralizando informações sobre as seleções adultas e os torneios de base. Incontornável a influência europeia no modo como os brasileiros “consomem” o esporte da bola laranja.

A influência estadunidense consegue ser ainda maior, o que, dada a amplitude do basquete feminino nos EUA, acaba por inundar-nos com notícias, jogos e novidades. Ninguém esquadrinha tão bem os planos táticos das equipes quanto @MG_Schindler e @NekiasNBA; do ponto de vista jornalístico destaque para as vozes femininas, sempre antenadas e pioneiras nas notícias bombásticas. @RachGall equivale, para a WNBA, ao que Shams Charania e Woj representavam para a NBA; @alexaphilippou cobria a universidade de Connecticut e ampliou seu trabalho com a mudança para a ESPN.

Especificamente para o basquete universitário (onde reina a rivalidade profunda), algumas contas foram responsáveis por trazer o recorte racial para a leitura do basquete. Além de apontar como os marcadores raciais impactam o esporte, o tom pessoal e irônico os torna perfis imprescindíveis; cito @Natural_OneDurr e @JasTayler cobrem voluntariamente o basquete feminino com pitadas de bom humor e muita informação de qualidade.

As listas de prospectos, divulgada no início das temporadas universitárias pelo último perfil citado, são preciosas. Mas há outros scouts bons, que ampliam nosso olhar (ainda que discorde de algumas análises), como @HunterCruse14. Isso sem contar os perfis oficiais da liga (com dados oficiais de jogos e horários), das franquias, das jogadoras e de analistas. Andraya Carter (@Andraya_Carter), LaChina Robinson (@LaChinaRobinson), Monica McNutt (@McNuttMonica), Rebecca Lobo (@RebeccaLobo) conhecem a fundo a WNBA e, sem elas, a comunidade do basquete feminino seria bem menos interessante.

A seleção de perfis não é exaustiva e destaquei apenas aqueles que mais senti falta durante a suspensão do twitter/X no Brasil. Felizmente, a bolha do basquete feminino brasileiro manteve-se unida e migrou em peso para o bluesky, sem perdermos o contato uns com os outros. @pbf escreve há décadas sobre a modalidade, com qualidade e serenidade raros; mais recentemente recebemos alguns presentes, como a cobertura e a sagacidade da @rvalente23. Apesar da intermitência de grande parte dos perfis dedicados ao basquete feminino, o @RainhaGarrafao e o @beta_basket mantem-se ativos e amplamente comprometidos com a modalidade. Sem esquecer de contas de times da WNBA, como o (subvalorizado e sub-seguido) @MysticsBrasil e o fanfarrão e fundamental @nylibertybr.

Os destaques deste texto não são exaustivos e poderíamos ampliar em progressão geométrica os perfis. Passando por cima do extremismo disseminado pela rede social, a comunidade do basquete feminino criou ramificações e capilaridade raras vezes vista antes. No final, este texto acaba por se definir como uma homenagem aos amantes do basquete feminino, que muitas vezes preenchem uma lacuna deixada pelos meios de comunicação.


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