As mulheres e a F1: uma história pouco ou nada fácil

Fair PlayJaneiro 4, 20236min0

As mulheres e a F1: uma história pouco ou nada fácil

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A F1 está a crescer e a inclusão de mulheres-piloto será um passo decisivo para o desporto motorizado, como argumenta Matilde Pinhol

Artigo de estreia de Matilde Pinhol sobre as mulheres na F1 e o que se segue no futuro

A F1 iniciará em 2023 uma academia que ajudará jovens mulheres pilotos das mais variadas categorias juvenis a maximizar o seu potencial, criando oportunidades de progressão para categorias de alto nível como a W Series, a F1, a F2 e a F3. Existirão quinze pilotos, todas pertencentes a uma das cinco equipas já existentes na F2 e F3, e competirão com três carros cada (equipa).

A F1 subsidiará o custo dos mesmos com um orçamento de 150.000 euros, cobrindo as pilotos outros 150.000 euros e as equipas o restante necessário. Em teoria, esta academia ajudará a acabar com o fosso existente entre estas jovens e os seus colegas rapazes, concedendo-lhes a chance de fazer mais track time, corridas e testes. As equipas terão igualmente um papel crucial no seu desenvolvimento ao contribuírem diretamente para o aperfeiçoamento das suas competências técnicas, físicas e mentais.

O surgimento desta academia dá-se três anos após a estreia da W Series, uma competição que conta com oito Grandes Prémios nos quais participam apenas mulheres. As pilotos são escolhidas única e exclusivamente tendo por base as suas capacidades. À semelhança da F3 e da F2, a maquinaria de cada equipa é igual, apenas existindo certas diferenças em questões de setup, por exemplo. A britânica Jamie Chadwick foi a vencedora de todas as edições e prevê chegar em breve à F1, apesar de Stefano Domenicalli (CEO do Grupo Formula 1) tomar uma posição contrária. Fora da W Series, Jamie foi a mais nova a ganhar o campeonato GT britânico e uma corrida de 24 horas de resistência.

Tem existido um esforço por parte dos representantes deste Grupo de empregar gradualmente mais mulheres. No balanço feito no final da temporada de 2021, estas acabaram representando um total de 30.4% dos trabalhadores da F1. À parte disso, o sexo feminino tem ganho relevância em equipas como a RedBull Racing pelo nome de Hannah Schimtz, a sua principal estratega. Schimtz desempenhou um papel determinante na conquista dos dois campeonatos de Max Verstappen e na vitória de Checo Pérez no Mónaco, uma das mais importantes e antigas corridas do calendário.

Apesar do peso que tal acarreta para o mundo do desporto automóvel, há um dado que não deixa de impressionar: desde Giovanna Amati, em 1992, que uma mulher não entra numa corrida de F1. Até aqui, apenas tivemos Susie Wolff e Katherine Legge que testaram os carros da Williams e da Minardi, respetivamente. A própria Chadwick é piloto reserva da Williams, sendo provável que passe a ajudar a equipa com o desenvolvimento do carro da temporada que se avizinha.

Mas qual a razão para uma ausência tão gritante das mulheres do mundo do desporto automóvel e, mais concretamente, da F1?

Existe uma diferença notória no que toca ao número de raparigas e rapazes que entram para o mundo dos karts, o ponto de partida para todas as crianças e jovens apaixonados pela velocidade. Consequentemente, os olheiros têm a tendência de ignorar a sua existência, não acreditando, em primeiro lugar, que poderão alcançar patamares superiores.

Diferentemente de outros desportos, o esforço económico que tem de ser feito para poder participar em corridas de qualquer que seja a categoria automobilística chega a ser exorbitante. Muitas vezes, não é comportável para as famílias continuar a alimentar o desejo dos seus membros mais novos de se tornarem no próximo Lewis Hamilton ou no próximo Fernando Alonso.

É aqui que os patrocínios são um auxiliar incomparável para a longevidade da carreira destes jovens. Todavia, parece que muitos ainda têm receio de apostar em jovens mulheres, as quais acabam por se deparar com um orçamento correspondente a um quarto do das demais equipas. Além do mais, a nível mundial, apenas 1.5% de todos os pilotos profissionais com licença são mulheres, o que leva a acreditar que existe um desinteresse das mesmas por este mundo, desfavorecendo ainda mais a sua já fragilizada posição.

Há quem aponte igualmente para a exigência e desgaste físico a que a F1 sujeita os seus atletas como fator impeditivo. Os pilotos são submetidos a intensos treinos físicos, com especial atenção para o seu pescoço, de forma a conseguir aguentar a força G que incide sobre o seu corpo.

Numa entrevista ao Guardian, Jamie Chadwick confessou não saber do que é que as mulheres seriam capazes no desporto, acrescentando que, em geral, gostamos de acreditar que estas jovens conseguirão um dia alcançar o feito ambicionado. Contudo, Chadwick persiste na questão de saber se alguma vez tal será viável, levantando a possibilidade de serem efetuadas uma série de mudanças técnicas para facilitar o processo. Contrariamente, Wolff utiliza o seu próprio exemplo para explicar que o físico não deve ser usado como desculpa para impedir as mulheres de correrem na F1.

No primeiro treino do Grande Prémio da Alemanha de 2014, a ex-piloto profissional ficou apenas 0.227 segundos atrás do brasileiro Felipe Massa (vice-campeão da F1 em 2008 pela Ferrari), à época piloto da Williams. Também em Silverstone, no mesmo ano, enquanto o carro não demonstrou problemas mecânicos, Susie conseguiu ser mais rápida que Jenson Button, piloto da McLaren, e Marcus Ericsson, piloto da Sauber.

A F1 é o fruto mais apetecido por milhares de jovens pilotos em todo o Mundo que, com menor ou maior sucesso, vão construindo a sua carreira na ânsia de um dia poder chegar a esta competição. Ano após ano, apenas vinte pilotos profissionais conquistam um lugar no palco principal do automobilismo mundial. De lado, ficam grandes talentos que optam por participar nas demais competições. Ainda assim, mesmo quem concretiza o sonho de entrar para a F1 continua a ter de provar constantemente que merece o lugar ambicionado por tantos. Já num cenário por si complicado, há um longo caminho ainda por trilhar pelas mulheres. Esperemos que academia da F1 ajude, a longe prazo, a atingir os objetivos a que se propõe, já que dificilmente seriam conseguidos se se fosse contar apenas com a simples existência da W Series.


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