Sérgio Conceição: campeão justo, emotivo, físico e de paixão mas para ficar?

Francisco IsaacJulho 20, 202010min0

Sérgio Conceição: campeão justo, emotivo, físico e de paixão mas para ficar?

Francisco IsaacJulho 20, 202010min0
O FC Porto é campeão e é justo, tendo dominado a parte final da época depois de ter recuperado de uma desvantagem quase mortal. Deverá Sérgio Conceição permanecer por uma quarta temporada?

Continuação de um ciclo ou fim de um que acaba com um final feliz (e que poderá acabar melhor caso se levante a Taça de Portugal)? Começamos com uma pergunta que se dirige totalmente à manutenção ou não de Sérgio Conceição como treinador do FC Porto, depois de uma época que teve de tudo, desde um início caótico de época com derrotas frente ao Gil Vicente e Krasnodar, ao retorno em força com uma exibição de alto domínio em casa do SL Benfica de Bruno Lage, seguindo-se novo período de desalento e que a probabilidade dos azuis-e-brancos serem campeões era diminuta, até ao escalar de novo ao 1º lugar e reconquista do título de campeão Nacional. A montanha-russa Liga NOS 2019/2020 foi ao mesmo tempo exasperante, emocionante, decepcionante e de vindicação para os adeptos, dirigentes, staff e jogadores portistas que acabaram por levantar o 29º campeonato da história do clube, colocando-os a oito títulos de superarem os seus rivais de longa data, o SL Benfica.

Feitas as contas, analisando o mau e o bom, o sofrimento e a glória, deverá a SAD azul-e-branca (recém-eleita para os próximos quatro anos) manter a confiança na visão de Sérgio Conceição para a equipa sénior do clube ou é o momento certo para se colocar um ponto final nesta relação de três anos e escolher um timoneiro que consiga efectivamente oferecer um futebol mais estável, intelígivel e explosivo?

Antes que surja o pensamento e comentário que um treinador campeão não pode ser demitido ou rescindir contrato, é lembrar a situação de Vítor Pereira, que depois de ter garantido o tricampeonato no campo do Paços de Ferreira, foi convidado a sair para se pôr um ponto final naquele ciclo – verdade seja dita, o ciclo iniciado por Paulo Fonseca e terminado quando Sérgio Conceição chegou ao clube foi dos mais ruinosos de que há memória no clube das Antas -, não sendo de todo estranho ou impossível que se siga pela via da saída de Conceição do FC Porto.

Mas a verdadeira questão é se faz sentido seguir por outra via que não continuar a confiar num treinador que em três épocas conquistou dois campeonatos e uma supertaça, tendo lançado alguns jogadores da formação – por força dos problemas financeiros da SAD, pelo méritos desses jovens ou ambos? – e devolvido algum do orgulho e respeito que a maioria dos adversários parecia ter perdido? A análise terá de ser feita obrigatoriamente recorrendo aos números, dados, momentos e qualidade exibicional durante não só a temporada que está perto de findar, como o que ficou para trás, tanto da época passada como a de estreia.

O QUE CONTAM OS NÚMEROS?

Com uma percentagem de 75% de vitórias obtidas nas três principais competições, Sérgio Conceição fica, no entanto, atrás de André Villas-Boas, José Mourinho ou Vítor Pereira se tomarmos só os números da liga como dado analítico.

A retórica que Sérgio Conceição é o treinador na história do FC Porto com mais vitórias conquistadas e melhor percentil em termos de vitórias/nº de jogos, é uma falácia construída a partir do momento em que se consideram os seus três anos de serviço ao clube, em comparação com os seus antecessores que tiveram menos tempo mas conquistaram definitivamente mais troféus – ou, pelo menos, o mesmo número. André Villas-Boas registou uma temporada imaculada em 2010/2011, registando nenhuma derrota na Liga e conquista de tudo o que era Prata em Portugal e na Liga Europa; Vítor Pereira só averbou uma única derrota em duas campanhas na Liga NOS o que revela uns extraordinários 78% de vitórias/jogos; e José Mourinho, em 83 encontros como técnico dos azuis-e-brancos no campeonato nacional foi capaz de vencer 63 dos 83 jogos que disputou (75,9%), tendo sido o treinador com mais títulos arrecadados em menos tempo de serviço ao clube, com duas ligas, uma Taça de Portugal, duas Supertaças, uma Taça UEFA e uma Liga dos Campeões.

Contudo, e apesar da narrativa montada por parte de alguma imprensa que tenta impular os números de Sérgio Conceição, os feitos conseguidos pelo treinador num momento de crise profunda do clube em termos estruturais e financeiros são notórios e nas tabelas apresentadas nota-se especialmente num sector: nos confrontos com os rivais para a Liga NOS. Em três épocas, o actual timoneiro do FC Porto foi capaz de conquistar 11 vitórias em 17 jogos, tendo conseguido conquistar total invencibilidade logo na época de estreia no banco de suplentes do emblema portista.

Acima de tudo, liderou o clube a duas vitórias memoráveis no Estádio da Luz, em especial a registada no início da actual temporada, que foi inegavelmente a melhor exibição da equipa, sem esquecer com o facto de ter derrubado o SC Braga por resultados largos em 2017/2018 e de nunca ter perdido frente ao Sporting CP. A equipa ganhou pulso e voltou a afirmar-se no contexto nacional como quase hegemónica nos confrontos directos, somando pontos essenciais no caminho até aos dois campeonatos conquistados.

Porém, efectivamente os resultados foram melhores que as exibições em geral, contando-se parcamente as grandes prestações, algo que nunca foi do âmbito da preocupação de Sérgio Conceição, que até aludiu em Setembro de 2018,

“Se querem espectáculo vão ao Coliseu, que amanhã há lá a Gala. (…) Já os pseudo adeptos, que vão ao Teatro Sá da Bandeira, que estão lá umas peças para rir e descontrair. Isto aqui é um jogo de homens e o que conta é que no último ano ganhámos o título e este ano queremos outro”.

O QUE CONTAM AS EXIBIÇÕES?

Este ponto do discurso do antigo internacional português será também abordado neste artigo, mas continuemos por agora na qualidade do futebol e da estratégia de jogo escolhida nos últimos três anos. É impossível afirmar que o FC Porto foi uma equipa adepta de futebol bonito ou positivo neste tempo de reinado de Sérgio Conceição, tendo procurado um futebol mais directo, intenso, físico e de afirmação do controlo das operações, do que arriscar em trazer a redonda para o centro do terreno e procurar criar algo mais espectacular, que elevasse a equipa para uma magnitude alcançada quer por José Mourinho ou André Villas Boas.

A visão de Conceição estava e está baseada num controlo mais trabalhado ao meio-campo, em que a defesa se compromete a iniciar alguns processos ofensivos, especialmente pelo corredor de Alex Telles, assistindo-se quase uma renegação no tentar desenvolver o jogo ao centro de terreno, evitando a todo o custo que hajam triangulações nesta zona.

É sobretudo interessante perceber que nunca houve necessidade de procurar ou incentivar a aparição de um criativo puro, mais voltado para dar um apoio aos elementos mais finalizadores ou de interferência junto à grande área, algo que Pizzi, no SL Benfica, e Bruno Fernandes, no Sporting CP, conseguiram fazer nas últimas épocas. O colectivo era e é a premissa mais objectiva da filosofia de futebol de Sérgio Conceição, mesmo tendo Yacine Brahimi tentado em exagero fugir à mesma com rasgos formidáveis no extremo que na sua maioria davam em nada quando podia ter perfeitamente desenhado um passe mortífero para a conclusão por parte de um dos seus colegas.

É evidente que é admissível o argumento de que o FC Porto que conquistou os campeonatos de 2011 ou 2003 e 2004 tinham outras soluções e opções dentro do plantel, despontando jogadores de uma qualidade inacreditável que marcaram e marcarão para sempre a história do FC Porto. Mas, e existe sempre um “mas”, a verdade é que se sentiu sempre que os comandados de Sérgio Conceição poderiam ter atingido outra qualidade a nível do tratamento da bola, do montar de combinações e tabelas mais expressivas e imponentes e até no arriscar junto à grande área, só que a estratégia foi sempre encaminhada para outra lógica que resultou bastante bem na primeira temporada, definhou por completo a partir a meio da segunda e na terceira houve um misto de novidade que garantiu pontos valiosos (a forma de jogar do FC Porto em casa do SL Benfica foi uma novidade que apanhou tudo e todos desprevenidos) e de retorno ao passado-recente que custou também vitórias.

A melhor exibição do FC Porto de Conceição 

O QUE CONTA O DISCURSO?

Dentro do universo de acção do treinador, há ainda o discurso que transitou sempre entre palavras e conceitos acertados, a ataques vorazes e de baixo nível para com os seus adversários ou até jornalistas. Evidentemente que não há nenhum treinador isento neste sector, nem Bruno Lage de quem se escreveram várias linhas de escrita em relação à sua humildade e brio extraordinário, mas várias vezes assistiu-se a palavras inflamadas e ataques individualizados que mancharam a prestação da equipa ou até a envolveram num manto de críticas complicado e criticável.

Esta bipolaridade pode ser assistida num exemplo prático, com as críticas despropositadas e sem justificação a Rui Vitória em 2018, para depois o apoio e solidariedade total para com Bruno Lage em 2020, ambos treinadores que passaram pelo SL Benfica. A postura, atitude e o “dialecto” foram também elementos que chegaram a criar problemas internos, seja com Iker Casillas, Moussa Marega, Shoya Nakajima, Danilo Pereira, entre outros, sem nunca esquecendo que noutros momentos tentou procurar uma espécie de redenção quando voltou a criar uma ligação com qualquer um dos jogadores mencionados. Ou seja, é ao mesmo tempo um campo forte e fraco de Sérgio Conceição, que trouxe vantagens e desvantagens ao longo desta sequência de três anos, marcando totalmente o modus operandi deste FC Porto.

Este é o momento oportuno e ideal para rever todo o registo de Sérgio Conceição como treinador, da sua acção tanto dentro do grupo de trabalho, como nas conferências de imprensa, na atitude durante os jogos, na forma como se expressou para com os seus jogadores e adversários, nos títulos conquistados e nas finais perdidas, nas vitórias auspiciosas ou as derrotas decepcionantes.

Se o actual treinador é o homem do projecto da SAD liderada por Jorge Nuno Pinto da Costa, então a 4ª época de dragão ao peito merece ser reforçada com quatro ou cinco contratações de franca qualidade, que façam a diferença desde o primeiro momento, permitindo dar espaço para os miúdos ganhar outra paz e calma até que estejam totalmente prontos para liderar a equipa sénior.

Caso contrário, 2020/2021 poderá ser uma repetição de 2018/2019 e é algo que o clube e adeptos querem evitar totalmente. No fim de tudo, Sérgio Conceição deixou a sua marca no FC Porto e futebol português para o bem ou mal, conseguindo recuperar a equipa por duas vezes de uma desvantagem para os guiar ao título nacional, sem esquecer os alguns bons resultados europeus alcançados e não se pode tirar o mérito do trabalho que foi aplicado pelo agora duas vezes campeão, que pode conseguir fazer história ao permanecer por uma quarta época ao serviço do emblema portuense.


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