Sport Clube Internacional e a viagem no tempo

João Pedro SundfeldNovembro 13, 20206min0

Sport Clube Internacional e a viagem no tempo

João Pedro SundfeldNovembro 13, 20206min0
O Colorado, querendo reviver o passado, esqueceu do presente e abriu mão do futuro

A viagem no tempo é algo teorizado pelas obras de ficção científica desde os seus primórdios. H.G. Wells imaginou, em 1895, como seria ir ao futuro. A série Doctor Who imagina, dede 1963, como seria, também, a viagem ao passado. No futebol, o desejo por essa viagem é, também, comum, sempre exaltando as glórias de outrora. Nunca vai existir uma seleção como a de 70; nenhum defesa será tão bom como Luís Pereira; o Palmeiras jamais será como na Academia; etc. etc. etc. Este saudosismo está presente na cabeça de torcedores, jornalistas, atletas e, principalmente, dos dirigentes.

O  Sport Clube Internacional é uma das equipas com passado mais glorioso do Brasil. Com lendas como Falcão, Fernandão, Taffarel, entre diversos outros, o Inter foi capaz de vencer três Campeonatos Brasileiros, duas Libertadores e um Mundial ao longo de sua história. O presente do clube, porém, destoa. Em 2016, o Colorado foi rebaixado à segunda divisão, sendo este, também, o ano do seu último título, o Campeonato Gaúcho. Com isso, fica evidente que o Inter precisa voltar ao seu passado de glórias, certo? Errado! O clube precisa, na verdade, se adequar ao presente para poder projetar um futuro vencedor, filosofia que, durante alguns poucos meses, perdurou dentro da alta cúpula colorada.

Em outubro de 2019, o Internacional demitiu o treinador Odair Hellmann, que atualmente está no Fluminense. Odair, mesmo sendo um profissional extremamente competente, monta suas equipas priorizando o momento defensivo, sendo esta característica o principal motivo para a sua saída do clube gaúcho. Em dezembro do mesmo ano, o Inter anunciou Eduardo Coudet, argentino, inteligente e, acima de tudo, ofensivo. O técnico chegou para ser a peça chave no novo projeto do clube, um projeto que priorizava o ataque e o futebol moderno, assim como Jorge Jesus foi no Flamengo, e o resultado não poderia ser melhor.

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Com Coudet, o Internacional se tornou o líder do Brasileirão (Foto: Divulgação/Internacional)

Mesmo com uma pandemia no caminho, Coudet transformou o Inter e, dentro do possível, encantou o Brasil. Com um elenco limitado, a sua equipa queria ganhar e, para isso, atacava e propunha jogo. Amassou o péssimo Palmeiras do Luxemburgo, que empatou a partida por pura sorte, liderou o Brasileirão, chegou aos oitavos de final da Libertadores e aos quartos da Copa do Brasil. Além disso, o desempenho da equipa, mesmo não sendo perfeito, sempre resultou em elogios por parte da imprensa, sendo, inclusive, a partida contra o Flamengo a melhor do primeiro turno do Brasileirão. Era uma campanha dos sonhos.

O trabalho do argentino na equipe, porém, chegou ao fim na última segunda-feira (09), pois o treinador pediu demissão para assumir o Celta de Vigo, clube que luta contra o rebaixamento no Campeonato Espanhol. Com isso, a diretoria do Inter, que pouco fez para o manter no cargo, voltou-se ao mercado em busca de um novo nome para assumir o time e, nesse momento, a viagem no tempo começou.

Abel Braga foi o nome escolhido para assumir o Colorado. O maior técnico da história do clube, campeão da Libertadores e do Mundial, uma lenda viva. Uma lenda viva que pouco apresentou de positivo em seus últimos trabalhos, mas a vontade de reviver o passado é mais forte que a razão. A diretoria, querendo voltar no tempo, esqueceu o presente e abriu mão do futuro , apostando num trabalho cuja chance de sucesso se aproxima do zero.

Abelão, como é conhecido, trabalhou em diferentes clubes nos últimos anos, mas em nenhum conseguiu convencer, colecionando resultados ruins, atuações apáticas e declarações controversas. A passagem recente mais marcante do treinador foi, provavelmente, pelo Flamengo, em 2019. Na ocasião, o técnico começou o ano no Rubro Negro, mas não conseguiu fazer a equipa render como poderia e, por isso, foi substituído por Jorge Jesus, que montou o melhor Flamengo pós-Zico.

Abel Braga, na última terça-feira (10), em sua apresentação no Internacional (Foto Ricardo Duarte/Internacional)

Mesmo com o retrospecto desfavorável, a diretoria do Inter entendeu que Abel era o nome certo. Uma tentativa vã de retornar ao passado e, consequentemente, acalmar as pressões políticas existentes no seio do clube. Como o “Doutor” da BBC, o Inter quis entrar na TARDIS e voltar a 2006, quando foi campeão sob o comando do treinador. A contratação, porém, denota o pior que tem no dirigente brasileiro, o desdém pelo amanhã. Coudet era o nome certo para acabar com o jejum de títulos colorado, mas a pressão política interna foi maior que qualquer planejamento. Abel Braga, com isso, não pode ser considerado uma aposta por parte da diretoria, mas um atestado de incompetência.

E de passado vive o futebol brasileiro. A ideia de que o “zagueiro tem que zagueirar”, como muitos dizem no país, inibe o desenvolvimento da saída de bola. As constantes críticas à contratação de treinadores estrangeiros, que, em muitos casos, estudaram mais e são, de facto, mais competentes que os brasileiros, impedem o desenvolvimento tático. A ânsia por reviver o passado mata o esporte no país do futebol e isso é demonstrado, mais do que nunca, pela diretoria do Internacional, que, com isso, encerrou a temporada do clube em novembro.

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