Sport Clube Internacional e a viagem no tempo
A viagem no tempo é algo teorizado pelas obras de ficção científica desde os seus primórdios. H.G. Wells imaginou, em 1895, como seria ir ao futuro. A série Doctor Who imagina, dede 1963, como seria, também, a viagem ao passado. No futebol, o desejo por essa viagem é, também, comum, sempre exaltando as glórias de outrora. Nunca vai existir uma seleção como a de 70; nenhum defesa será tão bom como Luís Pereira; o Palmeiras jamais será como na Academia; etc. etc. etc. Este saudosismo está presente na cabeça de torcedores, jornalistas, atletas e, principalmente, dos dirigentes.
O Sport Clube Internacional é uma das equipas com passado mais glorioso do Brasil. Com lendas como Falcão, Fernandão, Taffarel, entre diversos outros, o Inter foi capaz de vencer três Campeonatos Brasileiros, duas Libertadores e um Mundial ao longo de sua história. O presente do clube, porém, destoa. Em 2016, o Colorado foi rebaixado à segunda divisão, sendo este, também, o ano do seu último título, o Campeonato Gaúcho. Com isso, fica evidente que o Inter precisa voltar ao seu passado de glórias, certo? Errado! O clube precisa, na verdade, se adequar ao presente para poder projetar um futuro vencedor, filosofia que, durante alguns poucos meses, perdurou dentro da alta cúpula colorada.
Em outubro de 2019, o Internacional demitiu o treinador Odair Hellmann, que atualmente está no Fluminense. Odair, mesmo sendo um profissional extremamente competente, monta suas equipas priorizando o momento defensivo, sendo esta característica o principal motivo para a sua saída do clube gaúcho. Em dezembro do mesmo ano, o Inter anunciou Eduardo Coudet, argentino, inteligente e, acima de tudo, ofensivo. O técnico chegou para ser a peça chave no novo projeto do clube, um projeto que priorizava o ataque e o futebol moderno, assim como Jorge Jesus foi no Flamengo, e o resultado não poderia ser melhor.
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Mesmo com uma pandemia no caminho, Coudet transformou o Inter e, dentro do possível, encantou o Brasil. Com um elenco limitado, a sua equipa queria ganhar e, para isso, atacava e propunha jogo. Amassou o péssimo Palmeiras do Luxemburgo, que empatou a partida por pura sorte, liderou o Brasileirão, chegou aos oitavos de final da Libertadores e aos quartos da Copa do Brasil. Além disso, o desempenho da equipa, mesmo não sendo perfeito, sempre resultou em elogios por parte da imprensa, sendo, inclusive, a partida contra o Flamengo a melhor do primeiro turno do Brasileirão. Era uma campanha dos sonhos.
O trabalho do argentino na equipe, porém, chegou ao fim na última segunda-feira (09), pois o treinador pediu demissão para assumir o Celta de Vigo, clube que luta contra o rebaixamento no Campeonato Espanhol. Com isso, a diretoria do Inter, que pouco fez para o manter no cargo, voltou-se ao mercado em busca de um novo nome para assumir o time e, nesse momento, a viagem no tempo começou.
Abel Braga foi o nome escolhido para assumir o Colorado. O maior técnico da história do clube, campeão da Libertadores e do Mundial, uma lenda viva. Uma lenda viva que pouco apresentou de positivo em seus últimos trabalhos, mas a vontade de reviver o passado é mais forte que a razão. A diretoria, querendo voltar no tempo, esqueceu o presente e abriu mão do futuro , apostando num trabalho cuja chance de sucesso se aproxima do zero.
Abelão, como é conhecido, trabalhou em diferentes clubes nos últimos anos, mas em nenhum conseguiu convencer, colecionando resultados ruins, atuações apáticas e declarações controversas. A passagem recente mais marcante do treinador foi, provavelmente, pelo Flamengo, em 2019. Na ocasião, o técnico começou o ano no Rubro Negro, mas não conseguiu fazer a equipa render como poderia e, por isso, foi substituído por Jorge Jesus, que montou o melhor Flamengo pós-Zico.
Mesmo com o retrospecto desfavorável, a diretoria do Inter entendeu que Abel era o nome certo. Uma tentativa vã de retornar ao passado e, consequentemente, acalmar as pressões políticas existentes no seio do clube. Como o “Doutor” da BBC, o Inter quis entrar na TARDIS e voltar a 2006, quando foi campeão sob o comando do treinador. A contratação, porém, denota o pior que tem no dirigente brasileiro, o desdém pelo amanhã. Coudet era o nome certo para acabar com o jejum de títulos colorado, mas a pressão política interna foi maior que qualquer planejamento. Abel Braga, com isso, não pode ser considerado uma aposta por parte da diretoria, mas um atestado de incompetência.
Mais um dia sendo chamado de viúva do Coudet. E se ser "viúva do Coudet" é lamentar a implosão de um projeto de médio/longo prazo que vinha restaurando a identidade do futebol do Inter por conta ronha política, particularmente não tenho nenhum problema com isso.
— Dimitri Barcellos (@dimibarcellos_) November 13, 2020
E de passado vive o futebol brasileiro. A ideia de que o “zagueiro tem que zagueirar”, como muitos dizem no país, inibe o desenvolvimento da saída de bola. As constantes críticas à contratação de treinadores estrangeiros, que, em muitos casos, estudaram mais e são, de facto, mais competentes que os brasileiros, impedem o desenvolvimento tático. A ânsia por reviver o passado mata o esporte no país do futebol e isso é demonstrado, mais do que nunca, pela diretoria do Internacional, que, com isso, encerrou a temporada do clube em novembro.