Paulo Meneses e a “pressão no futebol” – uma falsa questão pt.1

Fair PlaySetembro 5, 20226min0

Paulo Meneses e a “pressão no futebol” – uma falsa questão pt.1

Fair PlaySetembro 5, 20226min0
O treinador do Cehegín Deportivo, Paulo Meneses, descreve o que é a pressão no futebol e como lida com a mesma diariamente

Há 1 ano atrás, para uma entrevista da India: GoalBold Indian Football, o jornalista fez-me a seguinte pergunta: Was it extra pressure to manage a title winning side in I-League? Traduzindo para Português: “Foi uma pressão extra gerir uma equipa vencedora do título na I-League (1ª Liga da India)? A minha resposta foi muito clara e objectiva (sempre foi muito claro para mim, essa questão da pressão no desporto):

Olhe, a pressão real, para mim não existe no futebol, mas sim existe na vida real. Quando eu fui várias ao hospital visitar os bebés e crianças que estavam internadas ali.

A pressão dos doutores tentando encontrar uma solução para esses bebés e essas crianças, e a grande pressão dos pais que às vezes não podiam fazer nada para ajudar os seus filhos, também, um dos problemas era que a maioria desses pais tinham que deixar de trabalhar para estar com os bebés e crianças no hospital, e desse modo não tinham dinheiro para pagar os medicamentos, ou para comprar comida para se alimentarem durante esses dias ou semanas que passavam deitados na mesma cama com os seus filhos. Isso sim, era (e é) pressão real!

Quando falamos de pressão, também falamos da grande pobreza que eu vi nas ruas das cidades Indianas, com adultos e crianças sem dinheiro para comer uma refeição digna – isto sim, é a pressão real.

Agora, no futebol, eu não sinto pressão, e no Aizawl FC menos. De todo. Quando eu cheguei ao clube, a direção disse-me de uma forma muito clara e directa que eu deveria dar o meu melhor com muitos jovens jogadores (8 jogadores foram promovidos da formação do clube) e outros novos jogadores no clube que foram contratados, porque eles já sabiam que seria muito difícil lutar pelo titulo de novo, porque também se tratava de um clube pequeno.

Quando um clube pequeno ganha a liga pela 1ª e única vez na história, é natural que os seus melhores jogadores sejam cobiçados. No Aizawl FC, dos jogadores mais influentes, 7 saíram para equipas melhores. Ficou somente 1 jogador desse núcleo influente.

Portanto, eu não senti nenhuma pressão, mas sim uma grande ambição e uma grande motivação para trabalhar duro para dar o meu melhor para o meu clube, ajudando a minha equipa técnica, dando tudo de mim para ajudar os novos jogadores.

Pelo feedback que ia recebendo, também, dos adeptos, percebi que toda a gente sentia que, um clube pequeno que ganhar uma vez o titulo de campeão na sua história, que perde os melhores jogadores, promovendo jovens da Academia, não tem pressão nenhuma. A pressão pertence aos grandes clubes. Esses sim, têm a pressão de ganharem o titulo.

Portanto, da minha parte eu não costumo sentir pressão no futebol.

Eu comecei a jogar futebol em 1996. Joguei durante 18 anos. Dediquei-me toda a minha carreira 100% de uma forma diária à minha preparação. Muitos companheiros diziam (e ainda continuam a dizer) que eu me preparava melhor que alguns jogadores da 1ª divisão.

Agora, eu vejo o exemplo do Cristiano Ronaldo e toda a sua grande dedicação e recordo-me de mim mesmo (o meu profissionalismo para estar mais e melhor preparado que os meus adversários). Então, essa auto disciplina que eu tinha como jogador, é a auto disciplina que tenho (tido desde que comecei a carreira como treinador) agora como treinador.

Eu preparo-me diariamente para ser melhor treinador que ontem, para estar mais e melhor preparado todos os dias, preparando o futuro.

Quando eu era jogador, adorava jogar contra os melhores jogadores, porque eu sabia que isso seria um bom desafio e bom teste para mim e as minhas capacidades. Enfrentar-me aos melhores, faria de mim melhor jogador, me faria crescer mais.

Agora como treinador sou também assim. Eu quero, eu necessito de grandes desafios (como foi um grande grande desafio treinar o Aizawl FC naquele momento), para testar-me e provar a mim mesmo que eu posso fazer um bom trabalho – como fiz na India e mais recentemente em Portugal.

A minha actuação como treinador, por exemplo, nos jogos mais importantes (Liga de Campeões Asiática, nos jogos mais importantes da 1ª Liga da India, alguns no estádio Salt Lake com capacidade de 110.000 pessoas, jogando fora contra grandes equipas, o até mesmo quando jogamos a final da Mizoram Premier League, não senti pressão nenhuma. Pelo contrário, como gosto de encarar esse tipo de jogos como bons desafios, sentia-me sempre bastante confiante.

Considero-me humilde e aberto para aprender com toda a gente, todos os dias e sei que tenho muito para evoluir e para crescer como treinador, mas pressão não sinto. Além dos argumentos que já referi para que não sinta pressão nesses momentos, também (no meu caso), sinto que é importante toda a auto preparação que fiz (e continuo a fazer) durante muitos anos. Preparei-me de uma forma árdua durante muitos anos, estudando nas melhores Universidades de Desporto da Europa: Faculdade de Motricidade Humana (onde estudaram José Mourinho, Abel Ferreira ou Carlos Queiroz, entre outros), no Inef Madrid (onde estudaram Rafa Benitez e Javier Miñano, etc).

Na Faculdade de Motricidade Humana, pela altíssima qualidade que têm os Professores do curso de Ciências do Deporto – Treino Desportivo em Futebol, e no Inef Madrid por exemplo, tudo o que aprendi e que me serve até hoje, com treinadores com muita experiência no Alto Rendimento (professores que foram treinadores adjuntos no Real Madrid e Seleção Espanhola, no Atlético de Madrid, no AS Mónano, Tothenham, etc), que ganharam Ligas Espanholas, Liga de Campeões (no Real Madrid), que foram campeões do Mundo e da Europa (pela Seleção Espanhola) – tudo isso acaba por dar-te uma bagagem muito importante e muito útil em termos de preparação como treinador.

Depois como profissional, a oportunidade que vivi e tudo o que aprendi com as pessoas da equipa técnica do Vicente Del Bosque quando trabalhei com eles na Selação Espanhola, os estágios profissionais que realizei com o José Mourinho (Real Madrid), e com o Simeone (Atlético de Madrid), Marco Silva (Estoril), com o Celades no Valência – entre outros estágios profissionais que realizei na 1ª divisão com outros grandes treinadores – tudo isso dá-me bastante segurança para realizar o meu trabalho.

De referir também que, quando não tenho treinos e jogos, ou qualquer tipo de trabalhos para preparar uns ou outros, dedico muito tempo a ver jogos (de várias ligas). Penso que é o melhor método de estudo e de reflexão para um treinador: ver jogos de futebol.

Continua na parte 2 a sair nas próximas semanas. 


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