É possível melhorar o futebol? Uma demanda pelo Fair Play

Francisco IsaacSetembro 25, 201715min0
O futebol é um desporto finalizado? Ou há ainda espaço para melhorar, refazer, encontrar soluções e dar outro imagem ao Desporto Rei?

Futebol… Aquela modalidade que agarra uns quantos milhões, arrasta outros tantos e eleva todos eles a momentos de êxtase, prazer e de loucura sem igual! Esta entrada, praticamente erótica, respeita bem o que é o futebol para os seus adeptos, o que significa ver a sua equipa (ou equipas) a jogar a cada novo fim-de-semana, intercalado com uma prova internacional.

Para além disso, é também no futebol em que se propiciaram os maiores confrontos mundiais em termos de selecções: o Estados Unidos da América-Irão em 1998, em pleno Mundial de França (no pináculo do conflito diplomático entre ambas as nações), serve de um bom exemplo para quem gosta de olhar para o futebol com outra perspectiva.

Porém, e infelizmente, o futebol continua a padecer de certos males que “estragam” o fio de jogo, o ritmo alto, os dinamismos criados que elevam o jogo para outro patamar.

Alguns males são criados por clubes de menor dimensão ou também por aqueles que abordam o jogo da forma mais “anti-desportiva” possível; outros nascem da falta de valores intrínseca aos seus “actores”, sejam jogadores, treinadores, dirigentes, árbitros; e ainda há aquelas que são perpetuadas pelas entidades máximas que presidem a modalidade.

Vejamos alguns desses “males”, perceber porque é que existem e se há alguma forma de lutar contra os mesmos.

ATRASA O JOGO QUE ASSIM GANHAMOS!

Pegando num exemplo muito tácito, na época passada, um FC Porto-Vitória de Setúbal no Dragão terminou com mais doze minutos de descontos (somar a 1ª e 2ª parte), com vários atrasos provocados pela equipa sadina de José Couceiro – para mais ver aqui. Uma estratégia que foi muito comum à equipa de Setúbal, que em jogos grandes ou de resultado próximo atrasou o máximo possível com lentas reposições de bola, simulação de lesões, substituições que demoravam o seu tempo a completar, guarda-redes a bater devagar os pontapés de baliza, bola atirada para longe, entre outros apontamentos.

Mas este tipo de comportamento estende-se não só ao Setúbal, mas como a tantas outras, seja o Tondela, Real Sociedad, Granada, Getafe, SPAL, Amiens, etc. Ou seja, isto é um comportamento idílico para várias equipas que ao sentirem e aceitarem que há uma diferença de capacidades da equipa contra o qual vão jogar, optam por enveredar por um caminho a que podemos chamar de Jogo Feio.

Não deixando de ser legal, é um “atentado” aos valores do desportivismo, fair-play e de jogar o jogo pelo jogo. Os defensores e perpetuadores deste tipo de estratégia podem usar os argumentos de “não temos condições para mais e entre perder a tentar jogar bem, queremos tentar ganhar pontos a jogar mal”, “desnivelamento obriga-nos a optar por esta estratégia”.

A questão aqui é que ao se permitir que isto se torne possível a cada novo jogo, permitem também que o futebol caia num marasmo negro em termos de imagem e valores.

Como evitar que este tipo de acontecimentos parem de uma vez por todas? Bem, não é possível erradicar de uma vez só, pois nem todos os comportamentos e opções estratégicas incorrem numa ilegalidade técnica ou no limiar da legalidade das regras de forma a que hajam punições. Mas vamos por partes e soluções.

Substituições: entre o tempo em que a placa é levantada e que seja mostrado o número do jogador que sai, esse mesmo tem cerca de 10 segundos para sair do campo. Ao não cumprir este tempo de saída, o juiz de jogo é forçado a mostrar o cartão amarelo. Uma nova regra a introduzir seria ter um cartão de outra cor, que possibilitasse ao árbitro mostrá-lo caso o jogador em causa pratique este tipo de acções excluindo-o do terreno de jogo durante 360 segundos, não permitindo, assim, que se realize a substituição até que termine esse tempo.

Um treinador ou jogador vai pensar duas vezes antes de continuar a praticar este tipo de “falsidades”.

Simulação de Lesão: se o mesmo jogador cair no chão duas vezes no espaço de 40 minutos, à segunda o árbitro pode forçar a entrada de maca para retirar o jogador de campo afim de ser assistido. O jogador terá de ficar, um mínimo, de 120 a 240 segundos de fora até que a observação médica seja realizada em condições satisfatórias. Algo a ser introduzido poderá ser que o relógio de jogo possa ser parado nestas situações de assistência a lesões, o que significa que se uma lesão decorrer aos 71 mins. 29 segs., o árbitro pare o relógio (assim como na televisão) e o jogo só recomece a partir desse momento.

A título de exemplo, o tempo de jogo parado para assistência a um jogador existe no Mundo do Rugby, o que impede que a estratégia de ganhar uns segundos ou mesmo minutos não aconteça.

Estas duas alterações são “básicas” em termos da sua introdução nas leis, não implicam uma formação extensa aos juízes de jogo e rapidamente curaria duas “doenças” que alguns clubes gostam de impor para obterem o resultado desejado.

Todavia, a questão mais preocupante tem a ver com os valores que o futebol pratica e que parece estar no seio dos vários problemas tanto dentro como fora de campo.

QUEM NÃO CHORA, NÃO MAMA

Outro mal intrínseco do futebol é a contestação aos árbitros, a forma como se lidam com os juízes de jogo e o approach dos jogadores ou técnicos a quem apita os encontros. São peças fundamentais ao jogo, e sem eles não teríamos um jogo sério… mas ao mesmo tempo, são esses árbitros que causam sérios problemas ao tomarem certas decisões pouco fundamentadas ou certas, na sua maioria por erros de percepção.

A introdução do Vídeo-Árbitro veio baixar o nível de contestação (basta consultar os jornais ou programas televisivos e ver que já se fala de outra forma dos árbitros e da sua execução, uma vez que o VAR tem “salvo” certas situações de jogo, apesar de já termos assistido a uma ou outro má decisão mesmo com recurso a esta “ajuda”) e garantiu uma ajuda preciosa à análise daqueles jogadas mais difíceis de descortinar, seja pela velocidade da mesma, pela manha quer da defesa ou ataque, ou porque simplesmente o árbitro não conseguiu ver.

O VAR tem muitos passos ainda por dar, necessita de afinações e de uma formação mais séria e completa por parte das entidades competentes… é natural que hajam ainda alguns problemas e dúvidas naquele que está a ser o seu ano de implantação.

É claro, que, mais uma vez, existam os puristas que defendem que o futebol com VAR não é futebol, que “o espectáculo fica a perder!”, “é só culpa da equipa que não conseguiu marcar mais que aquele golo anulado”, “isto pára com as dinâmicas de jogo, tira o ritmo!”, entre outras afirmações mais “espectaculares”, mas que vivem isentas de uma argumentação concisa.

Não queremos com isto dizer que não há bons argumentos contra a imposição do VAR, já que por exemplo a situação do que aconteceu com o Feyenoord é um bom apontamento que presta contas contra o vídeo-árbitro.

A verdade é uma: que quando há uma decisão que acaba por prejudicar a sua equipa, ninguém a acata da melhor forma. A lógica de ideias acaba por ir sempre parar a esse momento pesaroso e nevrálgico que tirou pontos ou vitórias.

Com o VAR já houve jogos que mereceram da justiça desportiva, e que salvam esse jogo de cair num vórtice de “lama e sujidade” que outrora acontecia com frequência. No entanto, por ser uma ferramenta tão “tenra”, existiram certas situações de má interpretação ou de confusão, que mais deveu-se a uma falha entre o árbitro do jogo com o “instrumento”… mas são, ao que tudo indica, dores de crescimento.

Contudo, o VAR não é a forma de resolver os problemas… é simplesmente um agente que ataca uma infecção, sem conseguir erradicá-la por completo. O problema advém dos valores e princípios praticados por todos os que estão envolvidos no futebol.

Supostamente, o futebol não deveria fugir à regra do fair-play, companheirismo, desportivismo e verdade, todavia, estes valores semana sim, semana não, são enlameados e atirados para o esquecimento. Veja-se que Rodrigo Caio, central do São Paulo, admitiu que tinha sido ele a fazer falta sobre o seu guarda-redes, antes que árbitro do jogo admoestasse Jô, avançado do Corinthians, com um cartão amarelo que o tiraria do jogo da 2ª mão (toda a história aqui).

Caio foi bastante elogiado por vários órgão de comunicação social, assim como colegas de equipa e adversários. No entanto, rapidamente surgiram aqueles que não acharam por bem a atitude do central… alguns do São Paulo, como Maicon, ex-FC Porto e entretanto transferido para a Turquia, que disse (para ler toda a declaração siga neste link):

“A gente deveria respeitar a atitude do Rodrigo, foi o que ele quis fazer na hora. Se foi certo ou não, é da consciência de cada um. Mas eu prefiro a mãe do meu adversário chorando em casa do que a minha”

Ou seja, o principio que uma boa parte dos jogadores, técnicos e dirigentes aceitam como a máxima verdade é: ganhar, o resto só existe para quando interessa. Tudo o que se coloque entre eles e ganhar é para atropelar.

Ora, este tipo de pensamento só leva a que o futebol entre num ambiente pesado, negativo e altamente “aterrador”, onde as ameaças, as afrontas, as agressões a colegas da mesma profissão (os casos de jogadores como Bruno Alves no FC Porto ou, mais recentemente, Samaris pelo SL Benfica), o pressionar o árbitro mesmo que não tenham qualquer razão, sejam particularidades normais a cada jogo.

Para parar com este tipo de comportamentos é necessário começar na base, seja nas academias de clubes grandes, ou nas escolas de formação de todos os outros e mesmo na escola. Os jovens atletas deveriam aprender que primeiro está o desportivismo, o fair-play e jogar o jogo dentro das regras e dos limites legais.

A criação de um código de ideias e princípios, com os valores da modalidade deveria ser preocupação número Um quer da FIFA, UEFA, CONMEBOL, quer de todas as outras entidades máximas regionais e mundiais do futebol.

Um código simples, eficaz, rápido e bem exemplificado que expusesse  o pior que se faz, e demonstrassem, também, o melhor que há no futebol. A não-prática deste código nos jogos e encontros de futebol de sub-10, 12, até aos juniores, deveria permitir à organização e equipa de arbitragem pedir a expulsão imediata da equipa e a abertura de um inquérito para perceber quais foram os problemas, como os resolver e no que se pode ajudar a aquele clube a melhorar.

Em suma, a FIFA deveria encontrar três palavras-conceitos que definissem os valores do futebol, criando uma mensagem boa, forte e eficaz de fácil difusão, com um investimento forte no seu desenvolvimento.

Há outras acções, mais a nível sénior, poderiam resolver o problema a médio-prazo,como as apresentadas abaixo:

Comunicação entre Capitão-Árbitro: Quantas vezes foi um árbitro empurrado por jogadores depois de tomar uma decisão mais polémica? E quantas vezes um treinador pressionou um árbitro até aos limites da razoabilidade?

Este tipo de acções, vislumbrada por milhares senão milhões de pessoas, leva ao crispar de emoções e comportamentos menos correctos que interferem com os valores e princípios, assim como mexe, negativamente, com o jogo. Nesta situação tanto árbitros como jogadores podem ter a culpa… os primeiros por não adoptarem um discurso “bom” ou mais calmo com os atletas que jogam, preferindo assumir uma autoridade, por vezes, dictatorial e que acaba por ser entendida como um comportamento para infligir o máximo de dano possível à equipa X ou Y.

Os jogadores não aceitam ou acatam bem as decisões, porque muitas vezes já entram influenciados em campo. Uma forma de tentar parar com estes comportamentos e acções, seria que o árbitro falaria, a bem e com calma, com o capitão de cada equipa ouvindo o que o mesmo tem para dizer, sem entrar num comportamento autoritário.

Esta acção poderia ser audível para quem está em casa (e no futuro, no estádio) de forma a percebermos de que forma é mantida esta comunicação. Em caso que um jogador, que não seja o capitão, se dirija ao árbitro é admoestado com um cartão de outra cor, que o coloca de fora de campo por 240 segundos.

Acções de esclarecimento nos clubes: Levar os árbitros aos clubes de forma a reverem jogos do passado, para explicar as decisões tomadas, dando a conhecer os seus critérios e porque é que optou da seguinte maneira. Esta comunicação e interacção entre os vários agentes do jogo permitiria criar outras relações profissionais mais estáveis e “humanas”, quebrando com o gelo, ajudando aos jogadores perceber melhor como se podem adaptar ao árbitro, e a este perceber as maiores dificuldades tanto suas como dos jogadores.

Desenvolvimento de um program de profissionalização: Escolher, em cada Federação, quatro a cinco árbitros para os profissionalizar, desenvolvendo uma carreira que terá uma Ordem e garantias de reforma, com uma pensão. Uma ideia muito difícil de executar, mas que a FIFA e as outras entidades máximas regionais, poderiam abordar num futuro próximo.

Exemplo: um árbitro entra para o curso de árbitros aos 24 anos, fazendo a sua formação teórica e prática. Aqueles que optarem por só serem árbitros, deveriam poder candidatar-se a um curso dado pela FIFA com a organização continental (UEFA para a Europa) que em parceria com a Federação local (a “nossa” FPF) ajuizariam.

Uma vez aceite, continuaria a sua formação tanto no seu país como na entidade continental. A carreira teria uma duração de trinta/quarenta anos, no fim da qual poderia se reformar e obter uma pensão dada pela UEFA/FIFA. Mais uma vez, uma ideia muito complicada de ser posta no Mundo real, mas que tem como objectivo garantir super-árbitros que inspirem outros a seguir o mesmo caminho, ou pelo menos a dar outra força aos árbitros.

Outras ideias têm de passar pela possibilidade dos jogadores tirarem algum tipo de estudos, com os clubes a permitir que os mesmo tenham algum tempo para se candidatar a cursos, que nasceriam de parcerias entre Federações locais e Universidades. A Académica em Portugal é um dos poucos casos em que há uma abertura clara e boa entre um jogador profissional que está possibilitado de seguir os seus estudos, de forma a quando se reforme tenha outras possibilidades (se tiver interesse em saber o que reserva a maioria dos futebolistas, convidamos a ler o seguinte artigo)

Como acontece em outras modalidades, seja o rugby, basket, hóquei ou andebol, os atletas têm boas possibilidades de singrar numa carreira diferente. A exemplo disso, os Saracens ou Wasps, duas das melhores equipas de rugby da Europa, têm um dia da semana dedicado aos atletas que procuram ter uma carreira a par de serem jogadores profissionais de rugby, convidando-os a explorar o mundo universitário ou de apoio a empresários (vale a pena esta leitura).

Um tecto salarial máximo evitaria descontrolos na folha de rendimentos e encontraria um maior fairplay financeiro, algo que falha ao Mundo do futebol que a cada ano que passa só cria um maior mal estar entre a população dita normal e dos “actores” que vivem deste jogo.

O futebol é uma modalidade apaixonante e que conquista adeptos em todo os cantos do Mundo. Saber poder girar a bola à sua vontade, ir aprendendo a fazer coisas novas com os pés, explorar as capacidades de cada um atacando as debilidades dos outros, desafiar o corpo e a cabeça a atingir novos patamares, tudo parte do seu charme.

A não-renovação de algumas regras, o falhar no respeito aos valores, o descontrolo emocional, a opressão dos vários dirigentes, o não-inspirar os novos e jovens atletas a ter um comportamento positivo só vai manchar, a cada ano que passa, o futebol e o Universo que gira à sua volta.


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