Seis Nações 2021 – o melhor XV, MVP(‘s), a melhor selecção e o maior momento

Francisco IsaacMarço 31, 202112min0

Seis Nações 2021 – o melhor XV, MVP(‘s), a melhor selecção e o maior momento

Francisco IsaacMarço 31, 202112min0
Quem foram os melhores das Seis Nações 2021? E os piores? E qual o melhor XV? Francisco Isaac apresenta os dados e argumentos para as nossas escolhas

Este é o nosso ponto final na edição 2021 das Seis Nações, com o título a caber ao País de Gales (improvável no arranque da competição) e a “fava” a ficar, como sempre, com a Itália. Mas quem foram os melhores jogadores? E a melhor selecção? Houve algum treinador que se destacasse pela negativa?

O CAMPEÃO: PAÍS DE GALES

Se dúvidas havia em relação à capacidade de Wayne Pivac como seleccionador principal, após estas Seis Nações a maioria dos críticos terá de colocar alguns travões nos comentários, com o Fair Play a incluir-se no grupo, pois durante a Autumn Nations Cup 2020 argumentámos que faltava algo ao País de Gales. Dos cinco jogos realizados na competição, dois merecem a nota de excelente, tendo sido esses contra a Inglaterra e Itália, seguindo-se duas boas vitórias frente à Irlanda e Escócia (ficou a grande dúvida se os cartões vermelhos deram uma significativa vantagem ou não) e uma prestação apenas satisfatória frente à França, encontro em que os galeses apresentaram uma estratégia bem mais assente no risco e baseada na velocidade, sofrendo demasiados pontos para o que é normal.

Mas comecemos por um elemento importante e digno de ressalvar o impacto de Wayne Pivac como homem-forte dos novos campeões das Seis Nações, que é o facto de ter convocado os melhores jogadores do País de Gales, combinando a excelente forma e a capacidade técnica/táctica/mental, colocando de lado lugares reservados, seja para A ou B (Leigh Halfpenny ou Jamie Roberts, por exemplo), para dar relevância a jogadores como Aaron Wainwright, Louis Rees-Zammit (sim, um talento especial mas noutra selecção começaria do banco de suplentes na maior parte dos encontros) ou Kieran Hardy.

Pivac fez questão de aumentar o grupo de unidades convocáveis para a selecção dos Dragões Vermelhos, de maneira a ter uma profundidade largamente superior, garantindo uma rápida resposta no caso de surgirem lesões durante a competição, algo que aconteceu e que brilhantemente foi emendado. Nomes como Callum Sheedy (o melhor em campo contra a Inglaterra, apesar de só ter jogado cerca de 25 minutos), Kieran Hardy, Adam Beard, Willis Halaholo, receberam as devidas oportunidades para se lançarem ou afirmarem no contexto do rugby internacional, galgando boas exibições, justificando assim estas apostas da equipa técnica galesa.

A nível de estratégia ou modelo de jogo, o País de Gales não trouxe nada de novo ou implementou nenhuma táctica genial, optando por limar as arestas no que concerne a: resposta imediata pós-placagem, trabalhando bem o sair rapidamente do chão após agarrar o adversário, conferindo assim uma limpeza positiva da situação em redor ou dentro do ruck, abrindo espaço para um possível turnover, parâmetro bem dominado por Navidi, Faletau, Tipuric ou North; consistência nas decisões tácticas, optando por ir aos postes na maior parte das penalidades conquistadas, em particular, durante a primeira-parte, transitando para uma postura de maior agressividade com a bola na sua posse na segunda metade dos 80 minutos, assumindo mesmo a vontade de subir no campo através de combinações dentro do canal 2 mas que rapidamente transitam para as alas, evitando ir ao chão e dar assim tempo ao adversário de ganhar tempo.

Wayne Pivac pode não ter inventado “nada”, mas foi capaz de dar consistência aos processos, estabelecer pontes entre o passado presente, ou seja, entre os atletas mais experientes e os “novatos”, de estabelecer bons processos dentro dos 22 metros e na saída do seu meio-campo, e dar expressão aos pontos-fortes do País de Gales. Não foram a selecção mais espectacular, entusiasmante ou dura das Seis Nações 2021, porém tiveram a capacidade de desmontar a Inglaterra, de amparar a Escócia e de jogar olhos nos olhos contra a França, merecendo o título de campeões das Seis Nações… sem Grand Slam.

O(S) MVP(S): JUSTIN TIPURIC, HAMISH WATSON E ANTOINE DUPONT

Onde está Louis Rees-Zammit ou George North? E Robbie Henshaw ou Tadhg Beirne? E Gäel Fickou ou Matthieu Jalibert? E Stuart Hogg? Em 2021, nas Seis Nações, e apesar de termos de aplaudir as estupendas exibições de qualquer um destes jogadores mencionados, optámos por ir atrás de outros três, cada um com os seus méritos e aspectos individuais de ampla qualidade. Justin Tipuric é um jogador diferente, pois tanto está no ruck a arrancar um turnover “impossível” como rapidamente aparece na ponta a “descobrir” uma quebra-de-linha para depois atirar um offload ou um grubber, oferecendo uma versatilidade única a qualquer equipa técnica que tenha a sorte de o ter. Talupe Faletau foi imenso no trabalho no contacto, no disponibilizar o seu corpo para o combate, com excelentes números (368 metros conquistados, foi o 3º jogador com mais portagens de bola e mais placagens efectivas), todavia, Tipuric continua a ser ano após ano uma das traves-mestras do País de Gales, garantindo uma postura implacável junto ao ruck, onde a capacidade defensiva é extremamente eficiente (86 placagens efectivas em 88 tentativas), para além da mobilidade e flexibilidade com que consegue participar no ataque. Quando o asa joga, o País de Gales é uma equipa completamente diferente e com outra competência e confiança.

Por falar em confiança, o que dizer da maneira como Hamish Watson entrava vez após vez no contacto, impondo uma força de tração demolidora e que ainda dá pesadelos por Londres e Paris, tendo sido um dos jogadores que mais vezes ultrapassou a linha-de-vantagem, com isto a dar outro princípio de jogadas de ataque à Escócia, uma vez que Ali Price acompanhava sempre bem as entras em rompante do detentor da camisola nº7 da selecção comandada por Gregor Townsend.

As estatísticas do internacional escocês nestas Seis Nações foram, no mínimo, de um patamar de excelência: 2º jogador com maior número de entradas (67); 55 placagens efectivas (0 falhadas); 14 tackle-busts; 4 turnovers conquistados (e mais 2 penalidades forçadas ao ataque contrário); 0 penalidades cometidas; e 44 ocasiões em que ganhou a linha-de-vantagem. Estes são dados impressionantes, mas que não conseguem fazer jus ao seu poder, força, resistência e durabilidade, invocando uma fisicalidade atemorizante e que não o deixa nada atrás de Tom Curry, Taulupe Faletau ou CJ Stander, muito pelo contrário.

Já Antoine Dupont teve um Seis Nações “misto”. No que concerne aos pontos positivos, marcou 3 ensaios e assistiu para 5, foi a unidade com mais offloads de toda a competição (10), somou 8 quebras-de-linha e apresentou uma eficácia no passe de ampla qualidade, que é o esperado de um atleta deste nível de qualidade.

Por outro lado, o formação não foi tão convincente nos jogos ante a Inglaterra e Escócia (e também País de Gales), cometendo sucessivos erros no controlo do ruck, na leitura das movimentações do ataque contrário e em alguns passes, notando-se uma precipitação constante e problemática que acabou por prejudicar a lógica ofensiva da estratégia de Fabien Galthié, sendo que o próprio seleccionador francês tem uma quota de responsabilidade, pois raramente Baptiste Serin foi opção nos encontros, criando assim uma ausência de rotinas do 9 suplente com a restante equipa. De qualquer maneira, Antoine Dupont levantou (em casa) os espectadores com uma prestação mágica diante da Itália, um jogo competente e fulcral na visita à Irlanda e um uma prestação de altos e baixos naquele jogo emocionante contra o País de Gales.

O “BIG LOSER”: EDDIE JONES

Erros, erros e mais erros para os internacionais da Rosa, com todos os problemas a terem começado pela falta de forma física de uma parte importante dos elementos como Owen Farrell, Billy Vunipola, Maro Itoje, Mako Vunipola, Elliot Daly ou Jamie George, deixando de lado jogadores que estavam efectivamente mais preparados e em melhores condições para assumir o lugar, caso de Marcus Smith, Alex Dombrandt, Joe Simmonds, Sam Simmonds, Lewis Ludlow, Zach Mercer ou Joe Marchant, numa insistência do seleccionador da Inglaterra em querer ter um grupo fechado e com pouco espaço para receber novos elementos.

Por melhor comandante de homens que Eddie Jones seja, a verdade é que Escócia, Irlanda e País de Gales souberam como dominar perfeitamente os processos de avanço territorial, maniatando a mobilidade e explosão de Jonny May e Anthony Watson – chegaram a ter dois jogos em que receberam só três passes, no total -, submetendo uma pressão constante na ligação entre o 10-12, com isto a expor a falta de versatilidade da estratégia inglesa para encontrar uma plataforma de ataque minimamente ameaçadora, caindo num jogo pouco auspicioso na imaginação e criatividade. A falta de soluções vindas do banco de suplentes ou fora dos convocados ajudou a aprofundar as vicissitudes de uma equipa facilmente legível que raramente foi capaz de dar uma acentuação rápida à oval em jogo aberto, caindo num jogo sonâmbulo e de processos lentos, dependente da conquista de penalidades para avançar no território, retirando também poucas benesses desse aspecto.

No entanto, esta versão penosa da Inglaterra foi suficiente para derrubar as pretensões francesas de chegar ao Grand Slam – e acabou mesmo por ser uma derrota decisiva na luta pelo título da competição -, tendo sido um dos dois únicos encontros em que de facto se viu uma Inglaterra compacta e de alto impacto no contacto e contra-ruck, de castigo contínuo na saída junto ao ruck e pulsada por uma vontade de criar problemas físicos e tácticos a uma França que pareceu ter julgado mal o adversário à sua frente – o discurso de F. Galthié foi sempre de respeito para com a Rosa, mas não foi o que de facto se passou com os jogadores.

Eddie Jones não é um treinador ultrapassado, nem pode passar de herói a vilão no espaço de um ano (ou alguns anos, se olharmos para a opinião válida de alguns adeptos e comentadores afectos à Inglaterra), já que em cinco anos na liderança desta selecção levou-os a três títulos nas Seis Nações e a uma final de Mundial em 2019. Porém, é o momento ideal para o australiano efectuar uma reflexão profunda das suas decisões e convocatórias, de pensar em oferecer oportunidades aos atletas que inegavelmente têm se mostrado em melhor nível nos últimos dois anos e de alargar a sua boa vontade a jogadores que num primeiro momento parecem não encaixar no seu projecto para a Inglaterra.

A SELECÇÃO QUE MAIS NOS ENCANTOU: ESCÓCIA

Desde 1926 que a Escócia não ganhava à Inglaterra e França no mesmo torneio, marcando este feito com um… quarto lugar. Infelizmente, os escoceses mereciam ter terminado nos dois primeiros-lugares da classificação pela qualidade de rugby mostrada durante toda esta edição das Seis Nações, começando naquela prestação gloriosa e memorável em Twickenham que vergou os então campeões em título logo na primeira jornada, para depois fechar a campanha com uma vitória na bola de jogo em plena capital francesa, primando bons princípios de condução da oval, entrega física na defesa e uma capacidade mental que só falhou por uma vez, na visita à Irlanda, não estando incluída aqui a derrota sofrida às mãos do País de Gales, pois na nossa opinião, o cartão vermelho a Zander Fagerson alterou por completo o rumo desse encontro.

Num torneio muito igual em termos de pontos – do 2º ao 4º lugar ficaram todos com os mesmos 15 pontos – ou de número de ensaios marcados/sofridos (Escócia marcou 18 e sofreu 10), o que acabou por colocar a Escócia como fan favourite foi a ousadia, ambição, criatividade e resiliência, vivendo entre as arrancadas de Duhan Van der Merwe, passando pelas habilidades de Finn Russell ou Stuart Hogg, pelo espírito de sacrifício do incansável Hamish Watson terminando na cultura táctica oferecida por Chris Harris (aquela placagem a Virimi Vakatawa levantaria qualquer adepto, independentemente se fosse escocês ou não) ou Huw Jones. É verdade que a Escócia tem prometido nos últimos 5 anos em ser algo diferente, de que quer chegar a títulos e à glória mundial, faltando sempre algo para que esses designios aconteçam, mas 2021 tivemos a oportunidade de ver uma selecção renovada, “dura”, apaixonada e comprometida em querer ser melhor do princípio ao fim dos jogos, postulando um colectivo conexo e lógico.

O XV DO TORNEIO

Notas breves, a começar por cinco nomes que ficaram fora do XV mas merecem estar no banco de suplentes para entrar ao intervalo ou se o jogo não estiver a correr bem: George Turner (talonador da Escócia), Benard Le Roux (2ª linha da França), Justin Tipuric (3ª linha do País de Gales), Chris Harris (optámos pelo centro escocês, já que Cameron Redpath só jogou num só encontro) e Anthony Watson (ponta da Inglaterra). Posto isto mais alguns pontos importantes: não há nenhum jogador da Itália, com só Paolo Garbisi a merecer uma pequena menção; Jonathan Sexton, Owen Farrell e Dan Biggar, os três jogadores que mais pontos marcaram na competição, não tendo sido “reis” como em outras edições; Ben Youngs quase que entrou no nosso XV, assim como Tom Curry, Liam Williams ou WP Nel, com qualquer destes a realizar boas prestações durante as Seis Nações 2021.


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