Reforços do estrangeiro nos Lobos: necessidade ou uma não-questão?

Francisco IsaacJaneiro 30, 20209min0

Reforços do estrangeiro nos Lobos: necessidade ou uma não-questão?

Francisco IsaacJaneiro 30, 20209min0
É uma das grandes dúvidas e debates do rugby português a necessidade ou não da inclusão dos atletas profissionais a jogar no estrangeiro nos Lobos. Qual é a tua visão da questão?

É uma questão “milenar” no rugby português, que tem dividido diversas personalidades e membros da oval lusa perante a introdução de jogadores profissionais na Selecção Nacional portuguesa… serão assim tão necessários estes atletas para as contas dos Lobos ou perante a realidade actual portuguesa acabarão por ser um excedente desnecessário que implica um trabalho de ligação demasiado complicado?

Não há resposta “fácil”, mas é natural que qualquer atleta que deseje envergar as cores nacionais tem de ser visto como um activo atractivo, importante e de necessária introdução no rugby português, a começar nos treinos de preparação para as grandes provas internacionais europeias, sejam atletas luso-descendentes ou profissionais nascidos e naturalizados em Portugal que saíram do território nacional para jogar em ligas mais competitivas na Europa.

OS QUE OPTAM POR SER PROFISSIONAIS: TÊM OU NÃO LUGAR NOS “AMADORES” LOBOS?

Casos como de José Conde (que entretanto regressou a Portugal para alinhar no CDUL), Manuel Cardoso Pinto (campeão na Holanda para regressar nesta época à AEIS Agronomia), José Lima, Pedro Bettencourt, Nuno Sousa Guedes (sucesso na Austrália e agora no CDUP), Rui D’Orey Branco (não podia jogar na Alemanha devido a estar a contas com uma lesão), Luís Cerquinho, Francisco Domingues, Fernando Almeida, Jacques Le Roux, encaixam-se na segunda categoria de atletas nascidos ou naturalizados em Portugal que optaram por dar o salto para a Europa ou outros continentes.

Já na primeira são quase infindáveis os nomes de atletas portugueses como Mike Tadjer (consecutivamente a fazer temporadas espectaculares no Top14, tendo rubricado contrato agora com o Clermont), Samuel Marques e Thomas Laranjeira (uma dupla extraordinária do Brive), Francisco Fernandes, Julian Bardy (uma época de qualidade no Montpellier apesar de algumas poucas lesões), Thibault Freitas, Jean de Sousa, Adrien Timóteo, entre outros que têm sido preponderantes nas suas equipas e até destaques das ligas em que jogam.

Ou seja, Portugal tem neste momento mais de 40 a 50 jogadores seleccionáveis para os Lobos que caso fossem todos chamados (e falamos neste momento dentro de um contexto utópico) conferiria uma capacidade esmagadora e genial às Quinas, colocando-se ao nível da Roménia e Espanha.

Contudo, o rugby português não tem força económica e “política” para conseguir contornar o poder dos clubes franceses ou ingleses, o que impede conseguir contar com os atletas entre duas e uma semana antes dos encontros internacionais, apesar de ter se dado uma ligeira mudança com a introdução de uma associação luso-francesa que faz a comunicação entre Portugal e França.

Não é segredo que para contar com qualquer um dos nomes referidos acima, e em qualquer uma das categorias especificadas, é necessário arranjar algum tipo de verba e compromisso que permita corresponder com as mesmas metas salariais que os seus clubes garantem, naquilo que tem de ser entendido como compensação para “contratar” um profissional durante um período curto de tempo.

Esta é a maior dificuldade sentida nos últimos seis anos por parte das direcções do rugby nacional, que não têm conseguido arranjar forma, engenho e jogo de manobra para garantir consistentemente a participação dos jogadores de ligas internacionais escasseando-se as soluções para resolver este “problema”. Actualmente, a Federação Portuguesa de Rugby conseguiu desenvolver um gabinete de apoio e de acção diplomática em França que realiza os contactos com os jogadores e clubes desse país. Seria interessante que no futuro fossem desenvolvidas acções sociais de envolvimento com a comunidade luso-descendente portuguesa para poder agilizar e envolver mais a comunidade luso-descendente com a modalidade.

E aqui pode estar uma das chaves para que os adeptos do rugby português percebam que estes atletas vão muito para além de simples profissionais ou activos: há que entender que jogadores como Mike Tadjer, Samuel Marques, Jean de Sousa e todos os outros luso-descendentes franceses são acima de tudo pessoas, que não querem ser só respeitados enquanto profissionais de rugby mas também como portugueses, independentemente se ganham X ou Y no final do mês.

A esse respeito tem-se feito pouco na procura de criar algum tipo de raízes e ligações entre os dois Mundos e entre as várias ideias do que se pode fazer a favor da comunidade portuguesa a viver em França seria um jogo de angariação de fundos, numa celebração em que se promovesse a história portuguesa em terras francesas – que irá acontecer com o Portugal-Geórgia em Fevereiro próximo -, terminando num encontro (ou até dois) do âmbito internacional que envolveria a Selecção de Portugal e uma selecção convidada, seja uma equipa de Exiles (atletas portugueses a viver fora do espaço territorial nacional) ou algo como os Maori All Blacks ou Barbarians, aproveitando digressões durante os Internacionais de Inverno para incluir essa fixture no calendário internacional.

Esta seria uma simples e pequena ideia que criaria uma ligação de confiança e partilha entre comunidades, na tentativa de construir outras sinergias em favor do crescimento do rugby português, podendo estender-se a outras áreas como programas de intercâmbio escolares e universitários para atletas nascidos em França mas com nacionalidade portuguesa e de idade jovem… as competições nacionais aproveitavam a interacção do atleta nos plantéis dos clubes nacionais e o jogador ficava a conhecer uma realidade diferente, mais amadora mas que conferia novos horizontes.

Contudo, e conseguindo colocar em prática uma ligação positiva e forte entre “mundos” haverá sempre a questão dos clubes franceses exigirem compensação pela ausência dos seus atletas dos trabalhos do clube em tempo de janelas internacionais de jogos e é preciso então arranjar fundos minimamente sólidos para apresentar a esses emblemas caso entre essa “cartada” em acção.

A GUERRA PELO DOMÍNIO DO ATLETA PROFISSIONAL: CLUBES VS SELECÇÕES VS WORLD RUGBY

A média de salários em França ronda, neste momento, os 170 mil euros ao ano, ou seja, 17 mil por mês e praticamente 4,5 mil euros por semana. São raros os jogadores portugueses a ganhar estes valores mas coloquemos em prática a teoria que o salário mensal médio dos jogadores portugueses a actuar em França ronde os 2 mil por semana.

Se Portugal quiser contar com 10 atletas a jogar em França/Inglaterra e for necessário repor uma semana de salário por força do clube se recusar a pagar honorários durante essa faixa de tempo, será necessário desembolsar 20 mil e se multiplicarmos isto pelas 5 jornadas do Rugby Europe Championship seriam necessários 100 mil euros na pior das hipóteses, durante só um ano.

Não significa isto que os valores não sejam mais baixos, que todos os jogadores “sofram” do mesmo problema nos seus emblemas, mas é necessário perceber que os atletas profissionais correm riscos mais complexos do que perder o lugar na equipa… riscos como ver o seu contrato rescindido ou não renovado, sendo muito difícil de provar no rugby contemporâneo que o emblema contratante está a castigar o jogador por ter ido representar Portugal ou de que exerceu esta pressão para o atleta recusar a convocatória, e isto só por si é um problema que a World Rugby parece não ter forma de lutar contra – o caso das selecções das Ilhas do Pacífico é o mais claro.

Porém, e apesar destas dificuldades é fundamental que o rugby português (e aqui não pode ser só a Federação Portuguesa de Rugby) encontre soluções para garantir um acesso mais normal a atletas a jogar no estrangeiro, mesmo que os clubes portugueses não percebam a sua utilidade a longo-prazo, uma vez que isto pode ser visto (erradamente) como um desinvestimento na formação e um desligar dos atletas que militam em Portugal.

Há que saber medir e equilibrar os pratos da balança e entender que a modalidade só pode avançar no jogo de XV com a inclusão de quem está lá fora a dar cartas, seja o extraordinário Mike Tadjer ou as pérolas Jerónimo Portela e Rafaelle Storti.

Os atletas que estão lá fora a jogar não são mercenários, nem viraram a cara ao desafio de jogar por Portugal e muito menos querem extorquir fundos das entidades competentes pelo rugby nacional, pois também têm o desejo e engenho de fazer parte da História do país que pertencem, seja por via directa, pela dos pais, tios ou avós. Nisto é importante relembrar que parte do rugby português está mal acostumado a viver com custos em termos dos pormenores mais insignificantes, como bilheteira de jogos, e que por vezes só entender que há que dispensar alguns fundos para garantir algo causa uma discussão intensa e muitas vezes perdida em ideias.

Se Portugal “matou” quase por completo os 7’s, a melhor plataforma de reconhecimento e promoção da modalidade a nível internacional uma variante que mais facilmente poderia levar os lobos para outros patamares, o XV será sempre uma das batalhas mais complicadas, complexas e confusas de ganhar e, enquanto não se envolverem atletas de todos os pólos (tanto faz a sua etnia, extracto social ou cultura), será impossível dar o salto que muitos sonham todos os anos.

Não deve Portugal homenagear e trazer para próximo de si as comunidades que foram tentar a sua sorte para outras nações? Quantos jogadores luso-descendentes existem no Brasil, França, África do Sul ou Austrália? E devemos “riscar” aqueles que nascidos cá foram jogar para ligas estrangeiras à procura de uma profissionalização ou novas experiências desportivas e culturais?

É uma das três grandes questões de futuro para o rugby português e a batalha para solucioná-la começa agora em 2019.

O super Mike Tadjer (Foto: L’Equipe)

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