Portugal no Rugby Europe Championship 2021: os destaques da época

Francisco IsaacJulho 20, 202114min0

Portugal no Rugby Europe Championship 2021: os destaques da época

Francisco IsaacJulho 20, 202114min0
Portugal garantiu três vitórias em cinco jogos, e analisamos a campanha dos Lobos no Rugby Europe Championship neste artigo

Portugal termina, na melhor das hipóteses, no 2º lugar do Rugby Europe Championship 2021 depois de ter somado uma estrondosa vitória frente à Rússia, logrando uma das melhores classificações na principal divisão de rugby de selecções europeias da Rugby Europe nos últimos dez anos. Com 14 pontos pontos amealhados e a franca possibilidade de terminar em 2º (Roménia ainda tem um jogo em atraso com a Holanda, enquanto a Espanha tem três por realizar), os lobos têm o futuro nas suas mãos, sendo necessário garantir uma campanha exactamente igual ou melhor em 2022 de modo a garantir o acesso directo ao Mundial de Rugby, que é conquistado ao terminar nos dois primeiros lugares da tabela no somatório destes dois anos desportivos.

Relembrar que o 3º lugar só “garante” o apuramento para a repescagem, desaguando depois numa fase-de-grupos em que só uma selecção conseguirá o apuramento, com o Tonga a ser o grande candidato nessa fase (perdeu nas eliminatórias contra a Samoa). Por isso, o que é que Portugal deverá fazer para garantir o acesso ao Campeonato do Mundo e depender de si própria? Não perder frente à Roménia, que neste momento está na frente no que toca ao confronto directo (vitória em Lisboa na bola de jogo e por um ponto); garantir vitórias contra Holanda (bonificada), Rússia e Espanha; e fazer uma surpresa frente à Geórgia, selecção que já tem um pé na maior competição da modalidade em 2023 – este último ponto não é necessário, caso os outros requisitos sejam cumpridos.

A matemática é esta para os lobos, a fim de não terem de recorrer à calculadora e ficar em “paz”, sabendo de antemão que Espanha, Roménia e Rússia irão redobrar esforços para resgatar pontos e voltar a tentar garantir os pontos necessários, com esta situação a beneficiar ligeiramente as hostes portuguesas, pois os seus adversários terão de correr atrás do prejuízo, entrando em campo pressionados por obter um bom resultado. Para 2022, a selecção lusa só vai realizar dois jogos em “casa”, frente à Holanda e Rússia, o que significa viagens a três redutos complicados: Tbilisi (Geórgia), Madrid (Espanha) e Bucareste (Roménia), não estando ainda as datas oficialmente escolhidas.

E em relação ao que se passou nesta época do Rugby Europe Championship, o que há para dizer? Vejamos primeiro os resultados:

Três vitórias, uma com pontos de bónus ofensivo (com a Rússia foi perdido nos últimos 5 minutos) e duas derrotas, tendo perdido um ponto bónus defensivo frente à Geórgia (ensaio na bola de jogo), lembrando que a derrota sofrida às mãos da Roménia escaparam-se aos 86 minutos de jogo. 196 pontos marcados (24 ensaios, 22 conversões e 10 penalidades), 139 sofridos (20 ensaios, 15 conversões e 3 penalidades), detendo, para já, o melhor ataque, mas a 2ª pior defesa atrás da Holanda, com isto a demonstrar uma predileção pela vertente ofensiva e de eficácia no contra-ataque ou resposta célere após um turnover, em que que a postura defensiva é menos compacta em determinados momentos, apesar de oferecer excelentes respostas como aconteceu contra a Rússia na 1ª parte do encontro realizado no estádio de Nizhny Novgorod.

Os Lobos também detêm a vitória por maiores números na edição 2021 do Rugby Europe Championship, rubricada na visita à Holanda, jogo que terminou em 61-28 (5 ensaios de Raffaele Storti, 3 de Rodrigo Marta e 1 de Mike Tadjer), registo para já imbatível isto quando Espanha, Rússia, Roménia e Holanda têm jogos em atraso por completar. Outra curiosidade vai para o facto do contingente português ter chegado ao intervalo com vantagem positiva, incluído nas derrotas registas ante a Geórgia (13-10) e Roménia (17-09), com a única a excepção a vir do embate frente à Espanha (17-21 era o resultado no fim da 1ª parte).

Patrice Lagisquet e a equipa técnica portuguesa convocaram 33 atletas na extensão dos 5 jogos, com Mike Tadjer, Rafael Simões, João Granate, José Madeira, Samuel Marques, Jerónimo Portela, Rodrigo Marta, Tomás Appleton, José Lima e Raffaele Storti a terem actuado em todos os encontros da campanha 2021. Destes 33 lobos, 16 actuam fora dos campeonatos nacionais portugueses, mais especificamente jogam em clubes do Top14, PROD2, Nationale e Féderal 1, enquanto os restantes 17 pertencem aos quadros de sete emblemas da Divisão de Honra, divididos por GD Direito (6), CDUL (3), Agronomia (2), Técnico Rugby (2), GDS Cascais (2), CDUP (1) e Belenenses Rugby (1).

Tomás Appleton, Rodrigo Marta, Rafael Simões, José Madeira e Raffaele Storti foram os totalistas em termos de minutos por Portugal, não tendo sido substituídos em qualquer um dos cinco encontros disputados. David Costa foi o jogador que mais vezes saiu do banco (4), seguindo-se Diogo Hasse Ferreira, Francisco Sousa, Theo Entraigues, Jorge Abecassis e Duarte Diniz com três aparições como suplente utilizado.

Definimos algumas categorias para melhor explicar o que se passou em 2021, quem foram os principais destaques e surpresas, entre outros pormenores.

O HOMEM DO COMANDO: PATRICE LAGISQUET

O seleccionador de Portugal tem realmente demonstrado excelentes pormenores desde o dia que entrou ao serviço dos Lobos, com um registo de 5 vitórias e 5 derrotas no Rugby Europe Championship, e que se torna positiva quando adicionamos os amigáveis realizados no Chile, Brasil, entre outros. Se olharmos somente para os pontos sofridos de 2020 e 2021, poderíamos considerar que a defesa deixou de ser um baluarte ou a guideline, contando-se um total de 260 divididos em 10 jogos, algo pouco normal perante a tradição de defesa quase inultrapassável de Portugal, que acaba por ser um “mito” se tirarmos o período entre 2002 e 2007 (Tomaz Morais). Contudo, ao vermos os jogos, Portugal apresentou uma defesa ágil e agressiva no breakdown negando ensaios em situações que parecia tudo encaminhar-se para esse fim, caso do que aconteceu contra a Rússia na 1ª parte ou ante a Geórgia.

Falta afinar melhor os processos de recuo rápido na linha-de-defesa para evitar sucessivas penalidades ou garantir concentração total para lá de mais de 80% do jogo (esses 20% podem fazer a diferença), especialmente após marcar pontos, que normalmente ocorre numa espécie de montanha-russa, ou seja, Portugal submete uma profunda pressão no opositor durante 10 minutos consecutivos, cedendo depois terreno e espaço no período de 5 minutos seguinte. Em termos de evolução, temos dois departamentos em grande crescimento e que têm fornecido uma base decididamente fundamental para o lograr de conquistar vitórias e pontos: fases-estáticas e confiança nos processos quando estão no ataque.

Formação-ordenada deixou de ser um sector deficitário e problemático, conseguindo suster o embate da Geórgia e Rússia, devolvendo boa pressão em determinados momentos que até valeram penalidades ou ensaios, e este sucesso advém de três factos: regresso dos jogadores a actuar fora de Portugal; formulação de uma equipa extensa com um conhecimento mais actual da FO e de como ganhar a frente ao adversário no encaixe; e crescimento dos mais jovens. O maul dinâmico tem ganho boas batalhas, com três ensaios a advirem desse pormenor do rugby, necessitando ainda de ser aperfeiçoado para criar constantes problemas e dissabores às selecções do leste europeu.

O ataque está completamente diferente em termos da confiança e eficiência, conseguindo circular a oval com qualidade e consistência, beneficiando assim a maior propensão para criar/inventar certo tipo de jogadas e combinações que quando correm bem representam quebras-de-linha, vantagem ofensiva e até domínio territorial, um aspecto que nem a Rússia, Roménia, Holanda e Espanha conseguiram controlar em boa/maior parte. Rodrigo Marta, Nuno Sousa Guedes, Raffaele Storti e Dany Antunes trataram de pincelar apontamentos “mágicos” que criaram sucessivas dificuldades defensivas aos adversários de Portugal, algo gerado pela excelente condução de bola de Samuel Marques e Jerónimo Portela (um abertura mais preocupado na organização e manter a bola viva, do que ser ele a criar ou a intervir directamente na linha-de-ataque) e a gestão inteligente de um combo de centros fundamental no segurar da estrutura, bem ladeada por uma 3ª e 2ª linha de alto apoio e participativa.

O tornar todo o sistema de jogo eficiente, de inserir uma lógica não só útil mas bafejada por apontamentos estilísticos que geram momentos e situações ofensivas diferentes, logrou formar um grupo compacto, equilibrado e onde existe um entendimento mútuo, para além de terem edificado uma formação-ordenada competente e que sustém o maior ímpeto ou peso do bloco opositor, são sucessos que têm de ser colados a Patrice Lagisquet e a uma equipa técnica de qualidade, composta por João Mirra, Herve Durquety, Luís Pissarra, Michael Dallery, Olivier Rieg, José Paixão e Fernando Murteira.

MELHOR JOGADOR: MIKE TADJER (AVANÇADOS) | NUNO SOUSA GUEDES (3/4’S)

É sempre delicado escolher os “melhores” jogadores, uma vez que o esforço colectivo garante mais sucesso a longo-prazo do que as “invenções” de um ou dois jogadores, mas é sempre importante identificar aqueles que têm se destacado constantemente ao longo de uma campanha, e no caso de Mike Tadjer e Nuno Sousa Guedes é merecido essa referência. O talonador luso-descendente é uma das actuais “caras” dos Lobos impondo excelência nos alinhamentos e formações-ordenadas, com uma força contínua para trabalhar no jogo off ball, isto é, sem bola, sobrepondo-se como um dos melhores apoios aos portadores de bola, revelando uma capacidade anímica pouco comum e que só veio ajudar ao “muscular” dos Lobos enquanto colectivo.

Já Nuno Sousa Guedes, que só entrou no XV titular a partir do jogo com a Espanha, o facto de ter o condão de poder abanar com um jogo de um momento para o outro, de alterar o ritmo e intensidade e de saber como criar o máximo de dano possível com o mínimo de movimentos, são pormenores suficientes para o catalogar como maior vantagem de Portugal para aproveitar o espaço ou até para criá-lo. Em 5 encontros pelas Quinas, o defesa do CDUP foi autor de 14 quebras-de-linha, 23 defesas batidos e uma série de outros dados estatísticos que efectivamente deram outra dimensão à posse de bola dos homens de Patrice Lagisquet, sabendo quando arriscar ou acalmar o encontro, entre outros elementos decisivos.

Nota que, a par de Nuno Sousa Guedes, Samuel Marques foi o outro 3/4’s em melhor forma ao serviço dos Lobos como se provam pelos 76 pontos marcados, onde se inclui 1 ensaio e uma taxa de 88% de conversão dos pontapés, 7 assistências e uma voz/visão de jogo de excelência que conferiu uma selecção portuguesa mais agressiva, efectiva e compacta durante toda a campanha em 2021.

MELHOR JOGADOR JOVEM: JOSÉ MADEIRA (AVANÇADOS) | RAFFAELE STORTI (3/4’S)

Um avançado polivalente e que tem revelado um crescimento constante e um 3/4’s munido de uma letalidade especial e diferenciadora… este são os cartões de apresentação de José Madeira e Raffaele Storti, dois dos melhores jovens das vagas de gerações de sucesso que têm fornecido as vitaminas necessárias para Portugal poder se reafirmar no contexto europeu (fora das selecções das Seis Nações). Ambos foram totalistas durante toda a campanha, um com uma das melhores taxas de captura de bola no alinhamento (e com alguns turnovers à mistura), outro que fechou 2021 como o melhor marcador ensaios de Portugal (para já está em 1º lugar no contexto geral), tendo concretizado 7 toques de meta durante toda a competição. No que toca à participação durante os encontros, José Madeira foi claramente um dos principais “motores” da avançada lusa, seja pela qualidade oferecida nas fases-estáticas ou participação activa na construção das fases de jogo.

Já o ponta do Técnico Rugby, destacou-se principalmente em três questões: capacidade de perseguir e recuperar a oval após o kick and chase, sabendo como, onde e quando a oval vai cair, perfilando-se como um perigo constante; leitura defensiva fiável, garantindo uma “porta” quase fechada no seu corredor, em que a interação com o apoio interior e recuado é bem construído; e poder de finalização, tendo um talento para descobrir os espaços e qual a melhor solução para chegar à área-de-validação, um talento partilhado com Rodrigo Marta.

MELHOR EXIBIÇÃO: VITÓRIA FRENTE À RÚSSIA

Desde de Fevereiro de 2011 que Portugal não conquistava qualquer vitória contra a Rússia (21-19 em Sochi), quer como visitante ou visitado, somando derrotas consecutivas desde então com um dos adversários directos na luta pelo apuramento ao Campeonato do Mundo. Que a Rússia podia estar com um par de baixas, é verdade, mas o facto é que Portugal dominou praticamente o encontro todo à excepção de quase 15 minutos, divididos em certos períodos que ajudam a demonstrar quem realmente deteve as rédeas do jogo.

O resultado foi histórico, porque nunca antes Portugal tinha ganho por uma margem tão expressiva frente a este adversário, de quase 30 pontos (mais precisamente, 26), conseguindo até contrariar a formação-ordenada e ganhar uns quantos alinhamentos contrários ou avançar no terreno pelo maul, naquilo que foi uma exibição extremamente compacta de poucas falhas de placagem, de criação de quebras-de-linha e de ser uma constante ameaça para o bloco russo, que revelou sérias dificuldades para bloquear a criatividade lusa, como se viu tanto pela combinação de jogadas entre Samuel Marques e Jerónimo Portela (talvez o melhor em campo, com 2 assistências, 50 metros conquistados, 5 defesas batidos e 1 ensaio) ou pelas acelerações de Nuno Sousa Guedes, sem esquecer o poder de choque para ganhar metros no contacto de José Lima e Tomás Appleton.

A avançada não só não cedeu como sentiu-se confortável a dominar nas fases-estáticas e a participar positivamente na conquista territorial, e as linhas atrasadas conseguiram perceber tanto onde estava o espaço como criá-lo quando a Rússia defendeu bem na 1ª ou 2ª fase. 2 ensaios de 1ª fase, 2 ensaios a partir de alinhamento e mais 2 a partir de turnover ou reconquista da posse de bola, demonstram o crescimento e evolução destes Lobos de Patrice Lagisquet.

JOGADOR QUE SUPEROU AS EXPECTATIVAS: RAFAEL SIMÕES (AVANÇADOS)

Em 2020 raramente surgiu na lista de convocados para os jogos da selecção nacional, para agora, em 2021, ser um dos principais nomes no XV de Patrice Lagisquet, como se vê pela titularidade interrupta desde o 1º ao último encontro do Rugby Europe Championship. O 2ª linha formado no Belenenses Rugby e que alinha nos últimos anos pelo CDUL, tem sido uma peça interessante na bloco de 8 avançados de Portugal, tendo encaixado bem na estrutura de jogo após a lesão de David Wallis Carvalho, seja pela altitude que oferece no alinhamento (e a luta que oferece a cada bola do adversário), a clarividência na defesa, placagem e tentativa de turnover ou por ser um dos apoios mais comprometidos nos Lobos.

A maturidade tem sido um dado assinalável de um antigo talento do rugby português que depois de alguns menos positivos, está de volta ao seu melhor e à procura de ser uma das referências actuais do grupo, sendo que ainda devemos assinalar a polivalência do atleta dos universitários, pois tanto consegue jogar actuar na 2ª linha (2) ou a 7 (2) e 8 (1), garantindo uma vantagem em futuras convocatórias de Portugal.

DADOS DE PORTUGAL DO RUGBY EUROPE CHAMPIONSHIP

Maior marcador de ensaios: Raffaele Storti – 7 ensaios;
Maior marcador de pontos: Samuel Marques – 77 pontos;
Maior assistente: Samuel Marques – 7 assistências:
Jogador com mais quebras-de-linha: Nuno Sousa Guedes – 12 quebras-de-linha;


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