O longo caminho do basquete feminino brasileiro rumo às Olimpíadas pt.3

Lucas PachecoJaneiro 28, 20246min0

O longo caminho do basquete feminino brasileiro rumo às Olimpíadas pt.3

Lucas PachecoJaneiro 28, 20246min0
O Brasil sonha chegar novamente às Olimpíadas no basquete feminino e Lucas Pacheco traz a terceira parte desta retrospectiva

Depois de acompanhar a lenta ascensão rumo aos Jogos Olímpicos e a era de ouro do basquete feminino brasileiro, chegou a hora da derrocada. ‘Página infeliz da nossa história’, a queda livre assistida ao longo de uma década e meia nos devolveu ao patamar de baixo. Já nas Olimpíadas de Pequim, em 2008, o resultado deixava iminente a necessidade de mudanças estruturais; a penúltima posição, com apenas uma vitória em 5 jogos, deixou a seleção fora da disputa de medalhas pela primeira vez desde 1992.

Após a aposentadoria de Paula e Hortência, Janeth e Alessandra mantiveram a seleção no topo; após estas saírem de cena, ninguém assumiu a liderança na seleção e as péssimas gestões seguidas do basquete nacional (clubes, federações estaduais, confederação) soterraram o legado das gerações anteriores.

2012

A dificuldade de garantir vaga em 2008 (materializada pela briga entre técnico e estrela do time, durante um jogo crucial) e o resultado nos Jogos acendeu o sinal de alerta: a ídola Hortência assumiu o cargo de coordenadora do basquete feminino e recrutou a pivô Érika para a seleção, peça chave na Copa América de 2011 – o ouro na competição continental garantiu o Brasil em Londres no ano seguinte.

Parecia uma evolução em relação ao ciclo olímpico anterior, uma vez que prescindimos do pré-olímpico mundial (a FIBA mantivera o mesmo formato de qualificatórias). A preparação poderia ser mais calma e organizada; Hortência reabriu as portas da seleção para a ala Iziane e preparou a próxima geração com treinamentos adequados. Porém, os problemas estruturais não poderiam mais ser escondidos pelo talento individual de cada vez menos jogadoras.

Para piorar, Iziane envolveu-se em outra polêmica às vésperas das Olimpíadas e acabou cortada. A constante troca de técnico, promovida por Hortência durante o ciclo, tampouco ajudou; a seleção feminina chegou a Londres com um técnico inexperiente e um grupo em frangalhos. O resultado não poderia ser outro, com a repetição da mesma campanha (1v e 4d) e colocação final, sem avançar às quartas de final. O talento individual (Érika saiu da competição como cestinha e reboteira) não era suficiente para assegurar vitórias.

2016

Com vaga assegurada por se tratar do país anfitrião dos Jogos, o basquete feminino brasileiro teve tempo de rever seu rumo e melhorar o resultado das duas últimas edições. Não o fez, pelo contrário: as fissuras aumentaram e o descompasso evidenciou-se com crueldade. Novamente às vésperas da principal competição na modalidade o Brasil passou por cataclismas.

O torneio teste, realizado para preparar os ginásios e testar a logística do evento, sofreu boicote da maioria dos clubes, que vetaram a participação das atletas e proibiram a convocação, sob pena de multas e demissão. Confederação de um lado, clubes de outro e as jogadoras no meio. Apenas duas das convocadas peitaram a posição dos clubes e se apresentaram: a pivô patriota Érika (com lugar cativo no rentável mercado europeu e na WNBA) e Clarissa, esta sim tendo sofrido represália de seu clube brasileiro.

A disputa refletiu no comando técnico da seleção, cujo treinador Zanon pediu demissão apenas 6 meses antes das Olimpíadas. A confederação, emparedada e sem qualquer planejamento, recorreu à saída mais comida e António Carlos Barbosa retornou à seleção 40 anos após sua estreia no cargo. Até mesmo Iziane retornou à seleção, porém o estrago já estava feito e não seria remendado com a boa vontade.

O que deveria ser uma festa transformou-se num enterro: a seleção de basquete feminina brasileira jogou em casa, com pouco apoio da torcida (mais envolvida em outras modalidades) e saiu da competição sem nenhuma vitória, piorando as campanhas de Pequim e Londres. Não se tratava mais do prenúncio da derrocada, mas dos efeitos dela.

2020/2021

A nova gestão da confederação reproduziu velhos hábitos e o naipe feminino manteve-se à margem de investimentos e planejamento no ciclo para Tóquio. Poucos clubes na liga nacional, base cada vez mais sucateada, o envelhecimento das principais referências técnicas, falta de dinheiro: fatores que contribuíram para o estado de coisas da seleção. A FIBA contribuiu ao reduzir o número de seleções participantes (de 16 para 12) e modificar o sistema qualificatório, retirando as vagas continentais automáticas e criando nova etapa, por meio de quadrangulares mundiais. O descaso da FIBA com o feminino queda demonstrado por essa mudança: retira as vagas por continente, mas agrupa as seleções da mesma região em quadrangulares, mantendo a representação de todo o mundo nas Olimpíadas, porém enfraquecendo os torneios regionais e criando nova etapa (nova janela, nova convocação, ampliando a logística, sistema que puniu as confederações menos organizadas e com menos investimento).

O Brasil decidiria a vaga no quadrangular disputado na França, contra as fortes francesas e australianas e as arquirrivais porto-riquenhas. Basicamente, era um jogo de vida ou morte: Brasil x Porto Rico, jogando em quadra neutra decidiriam quem avançaria para Tóquio. O Brasil, atual campeão pan-americano, na ânsia de manter a sequência de participações desde 1992, contra a ascendente seleção de Porto Rico, na busca da estreia olímpica.

Não bastava sofrer, tínhamos que passar por requintes de crueldade: Brasil perdeu na prorrogação, por 89 x 91, após estar 8 pontos à frente no quarto período da partida, tendo 8 arremessos a mais e com sofríveis 61% de aproveitamento nos lances livres. Pela primeira vez em quase três décadas, o basquete feminino brasileiro viu as Olimpíadas do sofá.

Assim chegamos em 2024; daqui a dez dias o Brasil terá a chance de conquistar a vaga, desta vez em casa, na amazônica Belém. As condições estruturais que empurraram o Brasil para o fundo do poço permanecem atuantes e teimamos em acreditar na vaga. Será um teste para cardíacos e esperamos que desta vez o destino sorria para a seleção brasileira; é fundamental, para a modalidade, o retorno às competições mundiais. O primeiro passo rumo à retomada está logo na nossa frente. O cortejo insiste em sair e a esperança carrega o estandarte. Vai passar.

Vai passar 

Nessa avenida um samba popular

Cada paralelepípedo da velha cidade

Essa noite vai se arrepiar

Ao lembrar

Que aqui passaram sambas imortais

Que aqui sangraram pelos nossos pés

Que aqui sambaram nossos ancestrais


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