O calvário e os problemas de Brittney Griner até voltar a casa

Lucas PachecoDezembro 14, 20224min0

O calvário e os problemas de Brittney Griner até voltar a casa

Lucas PachecoDezembro 14, 20224min0
Depois de uma prisão ilegal e sem razão de ser, Brittney Griner foi libertada e regressa assim a casa, e Lucas Pacheco conta o que se passou com a atleta

Faz quase sete meses da minha estreia aqui no Fair Play. Para falar de basquete feminino, passeio pelas principais ligas, comento algumas partidas, destaco as principais protagonistas do espetáculo. Por vezes, porém, o que fica oculto é o que realmente interessa.

Ao longo desses quatro trinta textos, pairava uma ansiedade, compartilhada por quem acompanha o basquete feminino. Difícil se concentrar em competições, em jogadas, em placares, quando uma das maiores atletas da modalidade encontrava-se detida, em condições desconhecidas, em um país distante de casa.

O suplício de Brittney Griner começou em 17 de fevereiro, ainda antes da deflagração da guerra entre Rússia e Ucrânia. Ao retornar para seu clube, a potência UMMC Ukaterinburg, após uma pausa nas competições, ocasião em que retornara a seu país (Estados Unidos), ela foi detida no aeroporto. A razão de sua prisão foram míseras gramas de óleo de cannabis, encontrados em um vaporizador em sua bagagem.

A pena condizente para essa quantidade, conforme veio a público em casos similares, pelas leis russas, não equivaleria ao martírio que Griner teve superar. A partir da prisão, noticiada dias depois do ocorrido, seguiram-se uma série de decisões arbitrárias, desinformação quanto ao estado da atleta e confusão no processo jurídico enfrentado. Sim, as autoridades levaram a cabo um julgamento para dar aparência de legalidade à prisão, sendo Griner condenada a nove anos de cadeia.

Griner jogava pelo UMMC Ekaterinburg desde 2014, com status de ídola e uma das craques dos seguidos esquadrões montados. Pela equipe dos Urais, a pivô conquistou tudo a que teve direito; nada foi suficiente para conter a arbitrariedade de sua prisão. Sequer o governo estadunidense atuou imediatamente, tendo classificado como uma prisão política somente após a forte repercussão e após contatos com oa familiares de Griner.

O jogo de cenas geopolítico prosseguiu, com os dois lados acertando por fim a troca de prisioneiros: Griner foi liberada no último dia 08 de dezembro em troca de um traficante de armas russo. A continuação da invasão da Rússia na Ucrânia piorou a situação da pivô e acabou por ficar ainda mais longe do retorno a casa. No jogo de xadrez, disputado pacientemente, Griner foi escanteada e sua condição física e psicológica soterrada por tratativas diplomáticas e penais.

Uma atleta bi-campeã olímpica e mundial, responsável por alterar as regras da WNBA devido à sua capacidade defensiva, decisiva na partida final dos Jogos de Tóquio, deixada abandonada numa prisão russa, com pouquíssimo apoio jurídico e com esparsa troca de correspondências com sua família, com sua esposa. Ao escrever, dou-me conta do quão inverosímil é a situação, do início ao fim.

Sequer consigo imaginar as agruras que Griner passou até o dia de hoje, de volta a seu país, para perto de sua família. Nas imagens de seu retorno, divulgadas na média, a pivô está despojada de seus longos dread locks; ela aparece sorrindo, um pouco acuada, feliz pela soltura.

O esporte não se furta ao espírito de seu tempo. A trajetória de Brittney Griner, obrigada a migrar para a Europa durante a offseason da WNBA, reflete como poucas o espaço do basquete feminino. Desvalorizado frente à sua contraparte masculina, composto em sua maioria por jogadoras negras, muitas das quais lésbicas ou bissexuais, os efeitos das desigualdades pesam muito mais sobre os ombros de alguns. De algumas, para ser mais preciso.

Brittney Griner, a jogadora orientada em sua universidade e manter a homossexualidade escondida, presa injustamente em outro país, agora busca reconstruir sua vida. Se haverá mais capítulos nas quadras de basquete, somente o futuro dirá; o momento é de recolhimento e discrição. Por outro lado, laços e afeto são (re)criados em momentos como esse; a WNBA não cansou de repercutir os apelos por Griner durante a última temporada. Técnicos como Dawn Staley e Geno Auriemma deram voz aos pedidos por Griner; até mesmo os jogadores da NBA pronunciaram-se.

Impossível esquecer a solidariedade e a militância das jogadoras da WNBA, encampados pela liga e transformados em mote da temporada. Passada a jornada mais decisiva da vida de Brittney Griner, resta torcermos pela reabilitação completa da pivô, a superação dos quase 300 dias em que passou presa na Rússia.

Griner terá um final de ano comum, passará o Natal ao lado de sua família, em casa. E isso alegra todo o basquete feminino. Que o ano de 2023 reserve grandes alegrias à pivô, uma das melhores da história, compensando o período nebuloso na Rússia.


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