Lendas da Euroliga: de Alba Torrens a Catarina Pollini pt.1

Lucas PachecoDezembro 27, 20227min0

Lendas da Euroliga: de Alba Torrens a Catarina Pollini pt.1

Lucas PachecoDezembro 27, 20227min0
Lucas Pacheco vai ao baú para nos falar de 5 lendas do basquetebol europeu e da Euroliga, com nomes inesquecíveis do basquetebol

Euroliga, um torneio de 60 anos guarda muita história. Se fosse uma pessoa, teria nascido durante a polarização da Guerra Fria, com a Europa dividida; teria presenciado o domínio de um esquadrão durante sua adolescência e na fase adulta veria a competitividade aumentar e se espalhar pelo continente. Sem contar a evolução do jogo, com a introdução da linha de três pontos, a entrada em cena das americanas, a mudança do formato da disputa. Hoje, seria uma senhora bem estabelecida, tradicional porém jovial, clássica mas disposta a se renovar.

Felizmente a Euroliga não é uma pessoa, mas sua história comporta várias vidas, de mulheres, de atletas, de grandes jogadoras responsáveis por pavimentar o caminho, por trazer o basquete até os dias atuais e apontar direções para seu futuro. Nada mais justo que resgatar a história de algumas dessas atletas, apesar do reduzido número de fontes disponíveis em português e da escassa cobertura que o torneio (e o basquete feminino como um todo) recebe no Brasil.

Comecemos pela maior jogadora do torneio, a protagonista do maior campeão da história, responsável por quase três décadas de domínio de uma única equipe, proveniente da capital da Letônia, Riga. Sua carreira é um marco na história da Euroliga e do basquete feminino mundial, motivos mais que suficientes para seu destaque.

Uljana Semjonova

A pivô mais dominante da história nasceu nas proximidades da tríplice fronteira entre Lituânia, Letônia e Belarus, em 1952, ora apontando para o vilarejo de Zarasai (Lituânia), ora para Daugavpils (Letônia) – a depender da fonte. O certo é que, em função de sua altura, ela foi levada para Riga, para compor a equipe já vitoriosa do Daugawa Riga, com 13 anos de idade; certo também é que, à época, tanto Lituânia quanto Letônia faziam parte da URSS, motivo pelo qual Semjonova defendeu a seleção soviética.

Sua altura recebe destaque em todas as fontes consultadas, ainda que a medida exata varie entre 2,10 a 2,20m. Sua vantagem física assume tons depreciativos na fala do jornalista francês francês François-Henri de Virieu: “Sua especialidade é o basquete, ou mais exatamente, pegar bolas altas em quadras de basquete. Imagine uma espécie de guindaste que seria montado sobre trilhos, com qualidades mais mecânicas do que esportivas, um guindaste com as mãos levantadas chegando a 15 cm da cesta. As regras do basquete são respeitadas, é claro, mas o show sofre. Semjonova tem apenas duas tarefas em campo, recuperar a bola por baixo da cesta de sua equipe e lançá-la com um toque na cesta do adversário. O resto, são seus companheiros de equipe que fazem”.

Talvez o sentimento nacional explique a parcialidade da afirmação, já que as francesas do Clermont foram vítimas do Riga, e de Semjonova, ao longo da década de 70. Na final de 77, por exemplo, realizada em Barcelona, Riga e Clermont enfrentaram-se em mais uma final; com relato mais apurado, o jornalista Manuel Espin assim resume a importância de Semjonova: “Bem se pode afirmar que com Semjonova nas filas do Clermont, o resultado teria sido o mesmo, só que a favor das francesas…”.

Foto: Basket Europe

Uma das jovens damas de Clermont, Elisabeth Riffiod lutando com Ouliana Semenova.

Semjonova perdeu pouquíssimos jogos na carreira, transcorrida quase em sua totalidade no Daugawa Riga. Apenas no final da carreira, no final dos anos 80, com o declínio iminente na URSS, ela foi autorizada a jogar em outros países, quando foi para a Espanha. As fontes divergem quanto a seu ano de estreia na Euroliga, se em 65 ou 68 – de qualquer maneira, sua primeira derrota (e eliminação) no torneio data de 1983, na semifinal, e por apenas 1 ponto no agregado das duas partidas, para o time alemão de Dusseldorf. Tarefa árdua localizar suas pontuações individuais, a fim de atestar seu amplo domínio; no último título, de 82, o placar final aponta 78×56 contra o búlgaro Minyor Pernik, com 38 pontos de Semjonova.

O reinado do Riga, capitaneado por Semjonova, traduziu-se ainda para a seleção soviética, campeã das duas primeiras Olimpíadas (76 e 80), de três Mundiais (71, 75, 83) e 10 europeus – ou seja, tudo que ela disputou! Curioso que dos três Mundiais conquistados, dois deles ocorreram no Brasil. Disponível no youtube, o jogo entre URSS e Brasil na edição de 1983 permite conhecer o jogo de Semjonova, sua ótima colocação, o forte esquema defensivo soviético, sua importância num time muito talentoso. Sem contar a possibilidade de assistir Paula, Hortência e Marta na seleção brasileira.

Gigante amigável: trocando lembranças das seleções com outras atletas na Vila Olímpica; a jogadora soviética Semjonova, de 2,18 m, dá a medida da intimidação de suas oponentes na quadra.

 

Foto: Toronto Public Library

Vania Voinova

Mas a Euroliga tem início antes de Semjonova e a primeira edição, de 59, foi vencida pelas búlgaras do Slavia Sofia, contra a equipe soviética do Dynamo Moscou. Em formato de duas partidas, as búlgaras venceram em casa por diferença de 23 pontos, em disputa realizada no estádio Vassil Levski em Sofia; na volta, a derrota por 10 pontos não foi suficiente para arrancar o título. A equipe sagraria-se campeã novamente em 63, desclassificando o já poderoso, e então tricampeão, time do Riga na semifinal: após perder o primeiro confronto por 7 pontos, a vitória na volta por 9 pontos assegurou sua vaga nas finais, contra o Slovan Orbis Praga, quando novamente precisou reverter a derrota no primeiro confronto. Esses dois títulos, de 59 e 63, marcam o time de Sofia como o único vencedor na era AS (antes de Semjonova) da Euroliga que não o Riga.

Vania Voinova fez parte das duas campanhas, sendo figura central no time – nas finais de 59, foi a segunda maior cestinha da equipe. Nascida em 1934, Vania jogou no Slavia Praga de 50 a 68. Ela media 1,76 m e jogava como pivô. Vania faleceu em 1993, deixando sua marca tanto nos primórdios da Euroliga quanto na seleção de seu país.

Pela Bulgária, Vania fez parte da equipe responsável por um dos maiores feitos na história do basquete europeu: em 58 infringiu a única derrota à URSS no Eurobasket ao longo de quatro décadas. Voinova foi a cestinha da seleção campeã no torneio, com 14 pontos por jogo. O feito foi alcançado em jogo agônico contra as soviéticas: “A partida Bulgária x URSS foi a final antecipada. Nos últimos segundos, a URSS vencia por 49×48 e pediu um tempo de quadra. Aconteceu de ser a terceira chamada do segundo tempo, ocasionando uma falta técnica à URSS. Gyosheva marcou e o jogo foi para a prorrogação”.

Vania Voinova não disputou Olimpíada (o basquete era disputado somente para o masculino até 1976), mas teve a chance de mostrar seu valor em 3 Mundiais. Em 59, em campeonato disputado quase unicamente por países do bloco soviético, a Bulgária conquistou a prata, perdendo o jogo final contra a URSS, na revanche do europeu do ano anterior. Vania foi a cestinha do time com 13,1 pontos por jogo. Em 64, no Peru, conquistou o bronze, quando foi a segunda cestinha da seleção – nessa edição, a Bulgária jogou contra o Brasil, ganhando por 11 pontos após perder o primeiro tempo. No Mundial de 67, novo confronto contra o Brasil, com roteiro semelhante e vitória por 9 pontos; diferente foi a colocação da Bulgária, que terminou fora do pódio, na sétima colocação. Vania Voinova terminou com média de 5 pontos por jogo.

Foto: BNR

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