SC Braga e WFC Zvezda campeões da Euro Winners Cup 2018 – Um olhar

André CoroadoJunho 5, 201815min0
Das vitórias do Braga e do Zvezda nos torneios masculino e feminino às prestações das equipas portuguesas, o Fair Play faz uma balanço dos 10 dias de emoção vividos na Nazaré.

Terminou no passado domingo a maior edição de sempre da Euro Winners Cup, o mega-evento anual que reúne os clubes campeões de todas as ligas domésticas no continente europeu, no masculino e no feminino, ao longo de 10 dias de elevada intensidade competitiva. Pelo segundo ano consecutivo, a Nazaré acolheu a prova, vestindo-se a rigor para receber a nata do futebol de praia europeu e mundial.

O estádio do viveiro foi devidamente apetrechado para o evento, fazendo-se acompanhar de mais dois campos oficiais, que acolheram um total de 190 jogos neste final de Primavera. Em suma, uma autêntica festa do futebol de praia, que se revestiu de tonalidades particularmente festivas para os grandes campeões europeus: o SC Braga na competição masculina e o WFC Zvezda (Rússia) na prova feminina.

SC Braga bi-campeão europeu

O Sporting de Braga logrou a almejada revalidação do título europeu, tendo o capitão Bruno Torres erguido o troféu pelo segundo ano consecutivo. O triunfo bracarense foi construído após uma série invicta de 7 vitórias, incluindo um triunfo dramático na final sobre o Kristall de São Petersburgo – os arsenalistas viram-se em desvantagem por 3-2 no derradeiro período, mas um golo no derradeiro minuto manteria vivas as aspirações do Braga, que acabaria por arrebatar a vitória nas grandes penalidades.

O clube minhoto iguala assim o Kristall no registo de vencedores da competição, totalizando as mesmas 2 taças já conquistadas pelos russos (em 2014 e 2015, ambas em Catânia, Itália). Digna de registo é também a primeira conquista de Bruno Torres no seu torneio de estreia enquanto treinador da equipa bracarense: o fixo oriundo da Póvoa de Varzim acumulou pela primeira vez as funções de técnico e jogador, renovando as provas de liderança já manifestadas em ocasiões passadas e revelando-se um exímio estratega na forma como preparou minuciosamente a competição.

O plantel contava com algumas caras habituais nas fileiras do clube, como os guarda-redes Nuno Hidalgo e Dona (o guardião espanhol protagonizou um punhado de defesas decisivas que lhe valeram o título de melhor guarda-redes), os irreverentes irmãos Bê e Léo Martins, internacionais portugueses, e o brasileiro Bokinha, peça chave na manobra da equipa. Todavia, foram igualmente certeiras as contratações do internacional Canarinho Filipe Silva e do luso-brasileiro Bernardo Botelho, assim como os ingressos/regressos de nomes sonantes do futebol de praia poveiro como Miguel Pinheiro, Rudy e Zé Henrique.

Um lote de elite perfeitamente suficiente para fazer face às saídas de Jordan, Bruno Xavier, Mauricinho e Catarino, campeões europeus pelo Braga em 2017 que este ano rumaram a outras equipas.

Léo Martins e Bernardo Botelho foram peças importantes no xadrez do Braga rumo ao ceptro europeu (Foto: BSWW)

Imprimindo um ritmo de jogo elevado durante a totalidade da partida, fazendo da velocidade e qualidade técnica dos seus atletas a sua maior arma, o Braga libertou-se da excessiva dependência do papel do guarda-redes no sistema 2:2 que caracteriza a tendência actual do futebol de praia (ainda que os lançamentos teleguiados de Dona se tenham revelado uma arma letal não raras vezes).

Um estilo de jogo similar ao implementado pela selecção brasileira e, em parte, pela seleção nacional, aliada a uma forte entreajuda e consistência defensiva, constituíram a chave par o sucesso arsenalista.

BSC Kristall: escalada íngreme rumo à final

Não menos digna de menção é a caminhada do Kristall de São Petersburgo na prova. O emblema russo perdera o título nacional para o Lokomotiv de Moscovo na época anterior e viu-se por isso forçado a percorrer uma via sinuosa rumo à fase decisiva da competição: inscrito na Nazaré Beach Soccer Cup, o conjunto do nordeste europeu assegurou tranquilamente a qualificação, mas teria de enfrentar já na Euro Winners Cup propriamente dita a concorrência imponente das outras formações apuradas.

A tarefa hercúlea não se afigurou impraticável para uma constelação de elite, constituída por uma mistura de internacionais russos (Chuzkov, Romanov, Papporotny, entre outros) e brasileiros (Datinha, Mauricinho e Rodrigo), orientados pela batuta implacável do seleccionador suíço Angelo Schirinzi.

Em 4 dias, a armada que veio do frio derrotou Artur Music da Ucrânia (vice-campeão das duas últimas edições da Euro Winners), os italianos do Catânia e do Viareggio (campeões da edição de 2016) e finalmente o Falfala Kfar Qassem, de Israel, abaluartado com as presenças de Ozu, Bruno Xavier, Ott e Llorenç (melhor marcador da prova deste ano).

Todas estas equipas contavam com plantéis de luxo, mas nenhum deles logrou quebrar a hegemonia do Kristall, que ainda ultrapassou os turcos do Alanya e os polacos do KP Lodz na sua senda rumo à final, onde só o rolo compressor do Braga lograria gorar os esforços dos homens de São Petersburgo.

Surpresas e dissabores

O pódio ficaria completo pelo KP Lodz, equipa que se posicionaria numa segunda linha de favoritos desta Euro Winners Cup, mas que demonstrou desde cedo grande sentido colectivo e capacidade de aproveitamento dos seus talentos. Tendo no irrequieto brasileiro Paulinho e no incontornável astro bielorrusso Bryshtsel as suas maiores referências ofensivas, as linhas de Lodz compunham-se essencialmente de caras habituais da selecção polaca (Jesionowski, Gac, Madani, o veterano acrobata Saganowski, entre outros).

Sem o estilo de jogo sustentado e fluido de outras equipas, o Lodz demonstrou que é possível rivalizar com os maiores nomes da modalidade com base num jogo mais físico e directo, tendo ficado a um curto passo da final, mercê de uma derrota por 3-2 frente ao Kristall.

Faremos ainda uma menção especial aos 4º e 5º classificados, que nos parecem ter actuado, efectivamente, a um nível acima do da maioria dos outros concorrente: o Lokomotiv de Moscovo e o Sporting CP. Os moscovitas, campeões russos em 2017 e crónico candidato à conquista do troféu, foram uma das equipas que mais impressionou nas jornadas iniciais, impondo goleada atrás de goleada.

O fulgor ofensivo do tridente brasileiro formado por Catarino, Lucão e Nelito juntava-se à impetuosidade de novos valores do futebol de praia russo como Nikonorov e Krutykov, mas também a experiência de Shkarin. Por outro lado, o Sporting era um dos representantes portugueses na competição enquanto vice-campeão nacional na época passada, tendo-

Lucão integrou o plantel do Lokomotiv de Moscovo (Foto: BSWW)

se apresentado na competição com uma equipa reforçada com valores nacionais e Canarinhos: Jordan Santos, Zé Maria, Belchior, Mão, Fernando DDI e Benjamim Júnior (filho do icónico Benjamim, um dos melhores de sempre do futebol de praia brasileiro que também esteve na Nazaré enquanto membro da equipa técnica do Falfala Kfar Qassem).

Madjer, lendária figura do futebol de praia nacional, voltou a brilhar nas areias da Nazaré, numa equipa onde Jordan e Benjamim Júnior estiveram igualmente em destaque. Coube assim ao capitão da selecção nacional e do Sporting liderar um grupo talentoso e equilibrado, que chegou em bom plano aos quartos de final, onde defrontou justamente o Lokomotiv.

Num encontro muito disputado, um livre de Lucão acabaria por sentenciar a partida a favor dos moscovitas já no prolongamento, ditando o afastamento dos leões. Não obstante a eliminação precoce, o Sporting venceria de forma contundente as partidas restantes, acabando por alcançar um honroso, ainda que amargo 5º lugar, enquanto os russos acabariam eliminados pelo Braga na meia-final (3-1) e acabariam mesmo por falhar o pódio.

O contingente lusitano na Nazaré

De salientar ainda as prestações das outras 3 equipas portuguesa em prova: GRAP, ACD “O Sótão” e Casa do Benfica de Loures. A equipa leiriense do GRAP participava pela primeira vez na competição enquanto 3º classificado do campeonato de elite 2017 e apesar de não ter passado a fase de grupos conseguiu uma vitória frente aos noruegueses do Oslo BSC e vendeu caras as derrotas contra os campeões ucranianos (FC Vybor) e romenos (ACS West Deva).

Já o Sótão, que na edição anterior deixara uma imagem de grande combatividade e obtivera o 15º lugar, desta vez não alcançou a passagem à fase seguinte, caindo na fase de grupos diante do Kreiss (Letónia) e da revelação KP Lodz. Um plantel renovado e ainda pouco rotinado acabaria por não se revelar eficaz, nem mesmo com as presenças de Cristian Torres (Espanha) e Takasuke Goto (Japão). Não obstante, “O Sótão” irá certamente atacar o campeonato nacional tendo em vista a promoção.

Finalmente, cabia à Casa do Benfica de Loures o papel mais ingrato nesta Winners Cup. Presente na competição graças ao triunfo no seu grupo de apuramento na Nazaré Beach Soccer Cup, o conjunto de Loures deu seguimento ao bom momento colectivo que se iniciara nas partidas preliminares, contribuindo para tal a influência decisiva dos reforços paraguaios Carballo e Ojeda, mas também uma prestação de grande nível dos suspeitos do costume, em particular do mítico número Alan Cavalcanti.

No entanto, após triunfos difíceis contra Playas de Mazarrón (Espanha) e Boca Gdansk (Polónia), a Casa do Benfica acabaria eliminada pelo favorito Falfala Kfar Qassem, muito graças ao goleador do torneio Llorenç, cujos 3 golos permitiram ao conjunto israelita inverter um resultado favorável à equipa portugesa em pleno 3º período.

Entre as equipas portuguesas que participaram na Nazaré Beach Soccer Cup, mas não lograram o apuramento, há que destacar o trabalho de Leixões e CD Nacional, equipas da divisão de elite que deixaram muito boas indicações.

Os homens de Matosinhos, inspirados pelo ímpeto formidável de Fábio Miguel Costa (autor de 7 golos em 3 jogos), estiveram muito perto de conseguir a qualificação, mas uma derrota para o Boca de Gdansk no prolongamento poria fim ao sonho dos leixonenses. Já a equipa do CD Nacional começou da melhor maneira a competição, impondo-se sem margem para dúvidas perante os Pescadores da Costa da Caparica (4º lugar do grupo) e os moldavos do Olimpia Stels, mas acabariam por perder de forma contundente frente a um Playas de Mazarrón com sotaque uruguaio (reforçado com Pampero e Bella).

Por seu turno, também o SC Salgueiros alcançou o 2º lugar no seu grupo de apuramento, mercê de duas vitórias após uma natural derrota frente ao Kristall na 1ª jornada. Na competição preliminar participaram também as equipas do Varzim SC, GR Olival Basto, CF Chelas, São Domingos FC e Biblioteca de Instrução e Recreio, tirando proveito de uma oportunidade sem precedentes para treinar competitivamente contra alguns dos melhroes executantes da modalidade.

Women Euro Winners Cup: a preponderância do factor físico

Na competição feminina, a expectativa era grande para descobrir quais as novas tendências da evolução da modalidade, tendo a prova celebrado a sua terceira edição. Disputada desta vez por 20 equipas, a prova foi conquistada de forma inédita por uma das favoritas de sempre: a equipa russa do WFC Zvezda, que derrotou na final as britânicas do Portsmouth por 2-0. No nosso entender, foram efectivamente as equipas que apresentaram o melhor futebol de praia durante a globalidade da semana, demonstrando argumentos mais consistentes do que as adversárias.

Em primeiro lugar, sendo o futebol de praia feminino um fenómeno relativamente recente à escala internacional, é natural que muitos jogos sejam decididos pelo primeiro factor de diferenciação entre as equipas na areia: a condição física geral das atletas. Nesse aspecto, apesar dos bons índices revelados por outras equipas, só as atletas do Zvezda e do Portsmouth demonstraram uma forma física suficientemente bem trabalhada para manter uma intensidade elevada ao longo dos 3 períodos de jogo, facto que lhes permitiu resolver várias partidas no 3º período. V

eja-se o caso da vitória do Zvezda sobre as Playas de San Javier nas meias-finais por 4-2, numa partida em que esteve a perder por 2-0, acabando por consumar a reviravolta num 3º período de sentido único e acabando por se limitar a controlar o jogo. Igualmente demonstrativos da prevalência do factor físico afiguram-se-nos os triunfos das guerreiras do Pompy nos quartos e na meia final, sobre as polacas do Grembach Lodz e as francesas do Amneville, respectivamente.

Em ambas as partidas, as inglesas estiveram grande parte do tempo em desvantagem, mas acabariam por dar a volta no 2º ou 3º período, dominando por completo a partida nos minutos finais em virtude da frescura física das suas jogadoras.

Hillier foi uma das armas essenciais do Portsmouth no acesso à final. (Foto: BSWW)

A batalha do Canal da Mancha diante do Amneville constituiu um verdadeiro hino ao futebol de praia, numa partida em que as gaulesas cedo construíram uma vantagem de 3-0, que acabaria por ser anulada já no 3º período, com a vitória final a ser conquistada por intermédio de um remate do meio campo de Clark.

À jogadora britânica, dotada de um notável sentido de baliza, coube a honra de ser considerada a melhor jogadora da competição, uma distinção que poderia também ter sido granjeada pela pequena Hiller, tecnicista e endiabrada pivô do Portsmouth, a valiosa capitã Sarah Kempson (melhor jogadora do mundo em 2017) ou as lutadoras James e Widowson, verdadeiros poços de força do Portsmouth.

Por seu turno, a brasileira Melissa Gomes deu espectáculo nas areias na Nazaré, aparecendo em quase todos os golos da sua equipa e acabando por arrecadar o troféu da melhor marcadora; a jogadora do Amneville foi também autora de alguns dos melhores golos da competição, mostrando que a magia também está presente no futebol de praia feminino.

Quanto às campeãs do troféu, as russas apresentaram um estilo menos exuberante do que as congéneres da Europa Ocidental, caracterizado pela frieza e racionalismo da sua organização táctica – um pouco à semelhança das ideias postas em prática pelos seus colegas masculinos. A boa organização defensiva das russas foi posta em evidência ao longo de toda a prova, acabando por se revelar decisiva perante um goleador Porstmouth que, desta vez, ficou em branco.

O segredo para o triunfo russo também passa em grande medida pelas prestações portentosas da pequena Silina, melhor guarda-redes da competição com toda a justiça – a sua elasticidade catapultou-a para defesas de cortar a respiração. Silina provou-se ainda decisiva com os seus venenosos remates em arco, que abundantes dissabores trouxeram ás guardiãs adversárias (os golos inaugurais da meia-final e da final foram da sua autoria).

Apesar de as russas, em geral, pautarem o seu jogo pela força do colectivo mais do que pela técnica espampanante das suas jogadoras, os dotes de jogadoras como Ivashkina ou Osinovskaya mostraram que o nível da jogadora russa está a evoluir positivamente. Fica, em todo o caso, demonstrada a primazia do factor físico aliado à disciplina táctica também no futebol de praia feminino.

As russas do WFC Zvezda permaneceram invictas e ergueram o troféu pela primeira vez. (Foto: beachsoccer.ru)

Espanha, Polónia e… Portugal!

Vale também destacar o bom trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela grande maioria das equipas, que tem levado a uma subida expressiva do nível médio da competição.

As equipas espanholas em particular marcaram presença em peso, tendo as Playas de San Javier alcançado a melhor classificação (3º lugar), fruto de um assinalável crescimento técnico das suas jogadoras. Também as polacas do Grembach Lodz deram provas de qualidade, como já foi aqui referido.

Por sua vez, o Sporting CP representou Portugal na competição e iniciou de uma forma muito positiva um projecto que se pretende ver continuado. Na sua esteia em competições de futebol de praia, as leoas alcançaram os oitavos de final graças a um 3º lugar no grupo e, apesar da derrota frente às catalãs do Roses Platja, acabariam por vencer os 3 jogos restantes e salvaguardar a conquista do 9º lugar – uma classificação muito honrosa para uma primeira participação, sobretudo se atendermos a que as campeãs de 2017 (as suíças dos Havana Shots Aarau) não foram além da 8ª posição.

Resta-nos portanto apoiar esta experiência e aguardar a continuação do investimento na vertente feminina do futebol de praia em Portugal, por forma a contribuir para a expansão e democratização da modalidade, bem como uma aproximação ao sonho de vir a integrar uns Jogos Olímpicos.


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS