O que se passa com a geração Peter Sagan?

Diogo PiscoFevereiro 15, 20219min0

O que se passa com a geração Peter Sagan?

Diogo PiscoFevereiro 15, 20219min0
Dominaram o ciclismo de estrada na 2ª década do milénio e começaram a construir uma carreira invejável muito cedo. No entanto, quando se esperava que fossem donos e senhores do mundo do ciclismo de estrada, a geração de Peter Sagan parece ter um declínio de carreira precoce.

Em 2018, o Fair Play dava destaque à “Geração Peter Sagan“, mais concretamente a um lote de ciclistas que nasceu no ano de 1990 que vinha a dominar o ciclismo de estrada e a fazer esquecer os grandes nomes da primeira década do milénio. Com apenas 28 anos muitos apresentavam já um palmarés invejável que juntavam às espectaculares exibições que davam aos adeptos. Tudo fazia prever que iriam ser os reis desta modalidade durante os próximos anos.

A lista era então encabeçada pelo inigualável Peter Sagan, tricampeão mundial, 5 vezes vencedor da camisola verde (à data) no Tour de France e com mais de 100 vitórias em 8 anos de profissional, e enaltecia também nomes como o de Nairo Quintana, Michal Kwiatkowski, Tom Dumoulin, Fabio Aru, Esteban Chaves, Romain Bardet e Thibaut Pinot, entre muitos outros.

As recentes notícias do afastamento de Tom Dumoulin do ciclismo profissional, levaram o Fair Play a analisar novamente os principais nomes dessa lista e a fazer a pergunta “O que se passa com a geração Peter Sagan?“.

Tom Dumoulin foi um dos grandes nomes de 2018. Foi 2º no Giro d’Italia e no Tour de France, dominando os contra-relógios e lutando montanha a cima contra vários adversários. Ninguém esquece a garra e fibra mostrada por este ciclista durante essa época. O vencedor do Giro 2017 e campeão mundial de contra-relógio, teve uma época para esquecer em 2019 que terminou com uma troca de equipa. Em 2020, numa super equipa como a da Jumbo-Visma, mesmo com a liderança partilhada, todos esperavam ver Dumoulin realizar de novo super etapas, mesmo que sozinho contra tudo e contra todos. Com a pandemia a estragar o calendário, nunca se viu o ciclista de outrora e, embora tenha ficado em 7º no tour de France, cedo se remeteu ao papel de gregário do seu colega de equipa Primoz Roglic. Na Vuelta a España, acabaria por abandonar após a 7ª etapa e recentemente, durante o campo de treino da pré-época de 2021, o ciclista pediu à equipa para fazer uma pausa na sua carreira sem prazo para terminar. Dumoulin assume que não tem sabido lidar com a pressão e que precisa de redefinir objectivos. Quando muitos pensavam que iria ser o sucessor de Chris Froome, tendo mostrado capacidades fisícas para dominar as grandes voltas durante alguns anos, é o psicológico que trai este grande ciclista. Será uma pena não voltar a ver a locomotiva holandesa ao melhor nível.

Em 2015, estas eram as caras de uma nova geração disposta a dar tudo para vencer. Esperemos que este Aru e este Dumoulin regressem. Fonte: thetimes.co.uk 

Fabio Aru apresenta uma história idêntica à de Tom Dumoulin com a diferença de que o italiano tem resistido à “pausa” na carreira, por enquanto. Longe vão os tempo em que venceu a Vuelta a España, lutou pela vitória no Giro e pelo pódio do Tour. Em 2018 mudou de equipa e ingressou na UAE – Team Emirates e desde então nunca mais se viu aquele ciclista destemido e atacante capaz de fazer frente a qualquer nome do ciclismo. O ano passado o italiano abandonou o Tour na 9ª etapa, o que lhe valeu duras críticas sobre o seu carácter e a sua capacidade de sofrer e lutar contra as adversidades de um dos directores da equipa, Giuseppe Saronni. Aru reconhece que desde 2017 não tem tido o sucesso que ambicionava. Já este ano voltou a correr no ciclocross, modalidade que praticou antes de se dedicar em exclusivo ao ciclismo de estrada, para recuperar boas sensações e se sentir feliz em cima da bicicleta. Encontrou espaço no escalão máximo do ciclismo na equipa Team Qhubeka ASSOS e esperemos que volte a ter a capacidade de sofrer que lhe era tão característica.

Após alguns desentendimentos com a política de gestão da equipa e com a organização do seu calendário, Nairo Quintana saiu da equipa da Movistar e desceu de escalão para fazer parte da Team Arkéa Samsic. Venceu a Vuelta com 24 anos e o Giro com 25, fez 3 pódios no Tour, o primeiro com 23 anos, e rivalizou com Chris Froome quando mais ninguém o conseguia fazer. No entanto, esse jovem trepador colombiano capaz de proezas incríveis e que todos esperavam que fosse o primeiro colombiano a vencer o Tour, cedo desapareceu e desde 2017 que Quintana não fecha no top 3 de uma grande volta. A ida para a nova equipa, onde a pressão é menor e é o líder único e inegável, veio mostrar um novo Nairo no início de 2020. No entanto, uma queda e uma lesão a juntar à pausa derivada da pandemia voltaram a deitar abaixo um ciclista que alcançou 5 vitórias nos primeiros três meses do ano. Quintana não foi além do 17º lugar no Tour de 2020 e não voltou a competir mais até ao fim da época. Será este o ano do regresso?

O nome que titula toda esta geração é o de Peter Sagan. Será impossível olhar para a última década e não referir este nome. Vitorioso, carismático, polémico, adorado, uma pop star em todos os sentidos, assim era Sagan até ao final de 2018. O tricampeão mundial despediu-se da camisola do arco-iris no fim desse mesmo ano e desde então o mediático Sagan tem perdido alguma chama. Em 2019, a sua campanha de clássicas ficou a quem do que se esperava e em 2020 chocou o mundo quando anunciou que iria participar no Giro em deterimento de estar presente nas clássicas do norte. Também em 2020, perdeu pela primeira vez a luta directa pela camisola verde no Tour, classificação que desde 2012 só não ganhou em 2017 por desclassificação. Sagan não parece o mesmo em cima da bicicleta e não são só a falta de vitórias que traduzem isso. A sua postura e forma de correr parece mais calma e o seu mediatismo parece ter sido roubado por nomes como o de Julien Alaphilippe, Wout Van Aert ou Mathieu Van der Poel. Curiosamente também são estes os nomes que lhe têm roubado as vitórias de maior protagonismo. Seria bom voltar a ver o velho Peter Sagan a fazer frente a esta nova vaga de ciclistas talentosos.

A vida também não tem sido fácil para Thibaut Pinot nos últimos anos. Quando parece que finalmente o francês vai confirmar todo o seu potencial, o azar bata-lhe à porta e, quer seja por queda, por lesão ou por problemas de condição física, são inúmeros as desistências ou as vezes que ficou afundado na classificação geral de uma grande volta. O tempo passa e Pinot não consegue repetir o pódio do Tour de 2014 e cada vez parece mais longe da vitória numa grande volta. O ciclista começa a focar o seu objectivo na vitória em etapas e na equipa francesa da Groupama FDJ começam a aparecer outros nomes com vontade de liderar a equipa. Uma pena se perdermos Pinot para um papel secundário.

Longe dos seus melhores momentos, não há dúvidas que Bardet e Pinot são dois excelentes ciclistas ainda com muito para dar à modalidade. Fonte: cyclingnews.com © Tim De Waele

De igual modo, não tem tido muitas razões para sorrir o voltista francês Romain Bardet. Após conseguir ser 2º (2016) e 3º (2017) no Tour, o trepador que liderou a equipa da AG2R La Mondiale nos últimos anos começou a ficar cada vez mais longe das prestações a que habituou os adeptos. Era a par de Pinot a esperança dos franceses para voltar a conquistar o Tour, mas a queda dos seus resultados levaram a que procurasse relançar a sua carreira numa nova equipa. O ciclismo ficaria a ganhar com o regresso de um corredor atacante e sem medo de perder.

Não se pode dizer que Michal Kwiatkowski tenha vindo a passar um mau momento na carreira. Continua a ser um excelente ciclista que assumiu um papel secundário numa equipa de luxo. É um dos melhores gregários do mundo em provas de três semanas e continua a gozar de liberdade para lutar por provas de um dia e de uma semana. Talvez seja aí que os adeptos mais sentem falta do antigo Kwiato. Assumindo sempre a vontade de ganhar, tentando estar sempre na discussão da prova, o polaco tem apenas uma vitória nas duas últimas temporadas e não vence uma clássica desde 2017. Uma pena não podermos ter o ciclistas que roubou a Milão – Sanremo ao sprint a Peter Sagan e Julien Alaphilippe e foi campeão do mundo com apenas 24 anos a apontar as clássicas como o seu principal objectivo.

Por fim olhemos ao pequenino colombiano que esteve no pódio do Giro (2º) e da Vuelta (3º) de 2016, também ele remetido para o papel de gregário e caça etapas. Parecia que se tinha encontrado mais um voltista colombiano, mas foi o próprio Esteban Chaves que não se conseguiu encontrar para se manter entre os melhores do mundo. Um corredor simpático e com muita qualidade, no entanto não parece ao nível dos que lutam pelas grandes voltas actualmente.

Mau presságio, ou não, do artigo do Fair Play, o certo é que desde 2018 que, infelizmente, se tem assistido a um declínio, ou pelo menos a uma estagnação, na carreira destes atletas que tanto deram à modalidade.

A capacidade física parece continuar lá, no entanto é o psicológico que dá indicações de trair os atletas que cedo chegam ao topo do ciclismo de estrada. Por estranho que pareça, tal acontece precisamente quando deveriam estar a juntar uma maior maturidade e experiência emocional com o pleno do seu desenvolvimento físico.

Justamente na idade em que tudo fazia prever que iriam dominar o mundo do ciclismo, as grandes provas acabam por ser vencidas por gerações de jovens estrelas que se impõem cada vez mais novos, contribuindo assim para que as carreiras dos grandes nomes comecem o seu declínio também cada vez mais cedo.

Será este um novo paradigma do ciclismo de estrada de topo?


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