A ascensão japonesa

Lucas PachecoMaio 16, 20247min0

A ascensão japonesa

Lucas PachecoMaio 16, 20247min0
Lucas Pacheco analisa a ascensão japonesa no basquetebol, especialmente no feminino e o que nos diz sobre o futuro dos nipónicos

Passados três meses dos quatro quadrangulares classificatórios para as Olimpíadas de Paris, no basquete feminino, a Fiba disponibilizou todas as partidas em seu canal do youtube. Para desgosto do público brasileiro, o verdadeiro grupo da morte aconteceu em Sopron, na Hungria, onde todas as seleções chegaram ao dia decisivo com chances de vagas caso vencessem.

A disputa prolongou-se até os minutos finais do confronto derradeiro; com a vitória espanhola sobre as anfitriãs, o Canadá beneficiou-se e garantiu a última vaga do grupo. A primeira seleção classificada foi o Japão, que vencera as espanholas e as canadenses. Mais uma vez, o estilo japonês impôs-se, baseado em muita velocidade, movimentações incessantes sem a bola e a busca por chutes de três pontos ou infiltrações. Tanto na defesa quanto no ataque, elas reagem às adversárias e as obrigam a atuar da mesma forma; se você não estiver preparado, elas passarão por cima. Nem mesmo uma equipe extremamente organizada como a Espanha, com sua característica defesa agressiva, conseguiu conter a volúpia japonesa.

Em um esporte tido como dominado pela altura, uma vez mais o Japão demonstrou a falácia do argumento. Não se trata de uma surpresa, posto que as japonesas são as atuais vice-campeãs olímpicas; porém, o fracasso de outras seleções, mais “dotadas” fisicamente, torna o contraste ainda mais evidente.

Como uma seleção, cujas pivôs titulares não passam de 1,85, conseguem tanto êxito? De onde vem esse estilo tão exitoso dos últimos anos? Ao voltarmos à história, o Japão está longe de ser um centro tradicional do basquete feminino. Estreando em campeonatos mundiais em 1964, a seleção possui uma única medalha, a prata na edição de 1975, quando venceu as tradicionais Estados Unidos e Tchecoslováquia. Antes da geração atual, a década de 70 marcou as melhores colocações nos mundiais, batendo na trave na edição disputada em São Paulo no ano de 1971. Para sorte das brasileiras, uma cesta nos instantes finais do confronto direto pela medalha definiu o bronze para o Brasil.

Após os anos 70, nenhuma outra colocação digna de nota, apesar de alguns desepenhos individuais notáveis. No Mundial da Alemanha, em 1998, Mikiko Hagiwara anotou 17,5 pontos por jogo, finalizando como terceira cestinha do torneio (45% nos arremessos de três, com muito mais arremessos de 2 que de 3); na China, em 2002, Mutsuko Nagata (1,78) teve média de 17,4 pontos por jogo, sendo a terceira maior pontuadora; na edição da Turquia em 2010, Yuko Oga (1,70) fez 19,1 pontos, a cestinha do torneio (aproveitamento de 40% de três, com muito mais arremessos de 2 que de 3).

Como se nota, nenhum destaque acima de 1,80. Vale mencionar, ainda, que a linha de três pontos no basquete data dos anos 80, ou seja, a década áurea aconteceu sem esse recurso e nem sua implantação favoreceu de imediato o estilo das seleções mais baixas e velozes.

Se olharmos para as Olimpíadas, o desempenho é ainda menos vistoso. Depois de uma honrosa quinta posição na edição inaugural da modalidade, em Montreal, na boa década dos anos 70, ocasião em que venceram os EUA na estréia e testemunharam uma japonesa finalizar como cestinha (Keiko Namai com 20,4 pontos por jogo), o Japão sequer foi presença constante nos Jogos. Intercalando posições ruins com várias ausências, o estilo da baixa seleção parecia fadada ao ostracismo eterno, ainda mais em um esporte cada vez mais alto e forte.

A seca findou com a prata na Olimpíada de 2020/21, em casa. Ali, uma chave virou e aquele estilo tido como ultrapassado voltou a dominar o basquete feminino, com exceção das imbatíveis estadunidenses. O Japão passou a vencer seleções ascendentes, como Austrália, França, China, Espanha, Bélgica, apostando no estilo característico nacional: sem pivôs altas, apostando em armadoras com muito fundamento e leitura de jogo e abusando dos chutes de três.

Hovasse (Foto: FIBA)
Hovasse (Foto: FIBA)

O maior responsável pela mudança de cenário foi o técnico Tom Hovasse, que dirigiu a seleção entre 2017 e 2021. O estadunidense agregou o estilo japonês às tendências globais do esporte, impulsionadas e disseminadas pelo Golden State Warriors, de Steve Kerr. Afinal de contas, também no esporte nada se cria tudo se transforma – o small ball catalisou os arremessos de três, dando materialidade (e troféus) às análises estatísticas, cada vez mais em voga na modalidade.

O poste baixo dos pivôs altos e fortes perdeu importância e seu tamanho passou a ser explorado no lado defensivo; uma armação muito controlada cedeu lugar a movimentação de bola e jogo sem a bola; os arremessos de três floresceram como nunca antes. A genialidade de Hovasse residiu em mesclar modernos esquemas táticas e propostas de jogo a características sempre presentes na escola japonesa. Bons técnicos copiam suas referências; ótimos técnicos aprimoram seus modelos.

A geração atual do Japão poderia ser exemplificada pelas diversas armadoras habilidosíssimas, ágeis, baixas e inteligentes. Nako Motohashi foi sucedida por Rui Machida, que deu lugar por sua vez a Saori Miyazaki e Mai Yamamoto (ambas titulares no quadrangular em Sopron); uma verdadeira linhagem que evidencia a formação de perfis similares. A geração poderia, ainda, ser exemplificada pela precisão de Saki Hayashi, ala essencial nos resultados recentes, verdadeira sniper da linha de três.

Entretanto, nada melhor que uma pivô undersized, que vivenciou a transformação do basquete feminino japonês de coadjuvante a candidato a título e readaptou seu basquete. Maki Takada não tem o tamanho de Ramu Tokashiki (pivô com passagem pela WNBA) e, devido a isso, amargou papel secundário em sua própria seleção. Estreando no Mundial de 2010, ela passou incólume, sem arremesso de três, fato repetido em 2014 e em 2016; quando Hovasse assume a seleção e muda drasticamente a distribuição de arremessos e a proporção de chutes de dois e três pontos, Takada emerge como figura chave para o triunfo japonês.

Se na era pré-Hovasse, Takada tentara 1 arremesso de três pontos em dois mundiais, em 2018 seus números saltam para 10 tentativas (33%) em 4 partidas; de 2016, sem nenhuma tentativa em 6 jogos, ela salta para 2,2 arremessos longos, com exuberantes 53% de acerto, na campanha da prata em Tóquio. Não somente seu aproveitamento de longe dispara, como essa estratégia abre outras brechas e espaço para sua habilidade no quique de bola aparecer, subindo também o aproveitamento de dois pontos.

Takada reflete um movimento coletivo da seleção, de quase equiparação: em Tóquio, foram 190 tentativas de três pontos para 226 de dois pontos. Os 38% marcaram o melhor aproveitamento e foram essenciais para a prata olímpica.

Hovasse deixou o comando, mas seu padrão segue a todo vapor, como comprovado com a vaga olímpica no grupo mais difícil. Se antes era improvável o sucesso de uma pivô de 1,85, hoje virou tendência. O Japão feminino contribuiu para o desenvolvimento tático do esporte como um todo; elas conquistaram a chance de repetir o feito de Tóquio, ou talvez almejar sonhos ainda mais altos.


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