The Agents Wars, ou como os empresários controlam 99% do futebol

Francisco IsaacJulho 15, 202114min0

The Agents Wars, ou como os empresários controlam 99% do futebol

Francisco IsaacJulho 15, 202114min0
Qual será o impacto dos empresários como Mino Raiola, Jorge Mendes e outros na actualidade? Uma análise ao momento desta actividade económica

Qual foi a indústria que mais se expandiu no século XXI? Nanotecnologia, energias renováveis, tecnológicas? Todas as respostas são acertadas, não há dúvida, mas olhando para o futebol é inegável a evolução do Mercado de Transferências… veja-se que das 100 top-transferências de todo-o-sempre só surgem 15 que decorreram durante os anos de 1999 a 2006, enquanto que as restantes pertencem ao passado-recente ou presente.

Se Luís Figo bateu o tecto em 2000/2001 com uma transferência, na altura, recorde por 60M€ esse valor hoje em dia só valeria o 14º lugar do Mercado de Verão de 2019/2020, mostrando uma subida louca do que os clubes estão dispostos a pagar pelos jogadores. Curiosamente, e paralelamente, este crescimento acentuado dos valores pagos foi acompanhado pelo surgimento de empresários e super-empresários, com estes a liderar as negociações, impondo condições e clausulas, jogando um jogo intenso e por vezes tão dramático que leva a uma onda de desilusão ou de êxtase… e por vezes até ambos.

Mas até que ponto esta nova instituição no futebol está a deixar sequelas difíceis de sarar, a impor ritmos sinistros à modalidade e a ditar uma era em que só há espaço para quem tem capacidade económica? Vamos a alguns exemplos claros do impacto dos empresários no futebol contemporâneo.

O CASO JORGE MENDES – O TITÃ QUE AGENCIA JOGADORES… E CLUBES

Jorge Mendes é considerado como um dos principais super-empresários dos últimos 15/17 anos, tendo tido dedo em algumas das maiores vitórias de emblemas como o FC Porto, FC Chelsea, Real Madrid, Atlético Madrid, entre outros.

A Gestifute é desde sempre a empresa pelo qual Jorge Mendes fez este trabalho de bastidores, movendo diversos super-atletas na direcção dos maiores emblemas europeus… Cristiano Ronaldo, Bernardo Silva, Ederson Moraes, João Cancelo, James Rodriguez, Fabinho, Rúben Neves, Ángel Di María, Gonçalo Guedes, Nélson Semedo, Diogo Jota, Ricardo Pereira, Diego Costa, Nicolás Otamendi, André Silva, Rui Patrício, Renato Sanches, Hélder Costa, Falcao são só alguns dos vários activos do empresário português.

Veja-se que o actual padrão do líder da Gestifute está assente num circuito europeu de relevo, com o SL Benfica, Atlético de Madrid, Valencia CF, Manchester City, AC Milan, Wolves FC a serem os principais emblemas a receber esta ajuda por parte do empresário luso. Contudo, questionam-se vários dos negócios realizados por Jorge Mendes, como por exemplo as constantes transferências de Ivan Cavaleiro, Hélder Costa, João Carvalho, Nelson Oliveira, com vários milhões a circularem em redor destes jogadores que têm qualidade, mas não pelo valor pelo qual foram negociados.

Facilmente Jorge Mendes já ultrapassou o mais de meio bilião de euros transferidos nos últimos 5 anos, movendo uma teia de interesses tão delicadamente construída que, por vezes, limita a leitura dos acontecimentos, impedindo que se perceba a pegada do empresário no futebol actual que como vemos é larga.

Se a lista de jogadores pode não mostrar o quadro todo, veja-se a lista de treinadores que são representados por Jorge Mendes: Bruno Lage, Rui Faria, Costinha, Nuno Espírito Santo, Paulo Fonseca, Nuno Capucho, José Mourinho e Aitor Karanka. Por estes nomes surge outra curiosidade em relação a 6 dos 8 nomes anunciados… a ligação ao FC Porto. Costinha, Rui Faria, Nuno Espírito Santo, Nuno Capacuho, Paulo Fonseca e José Mourinho tiveram todos uma ligação ao Dragão nos últimos 15 anos, tendo aí começado a ligação a Jorge Mendes.

Até que ponto o FC Porto não terá contratado Paulo Fonseca e Nuno Espírito Santo com o intuito de criar uma nova ligação a Jorge Mendes? Ou seja, a aposta feita foi talvez montada na ilusão de que o empresário ajudaria a reforçar o emblema azul-e-branco, que no entanto não aconteceu, talvez pela acção da administração da SAD… curiosamente, os últimos 7 anos tem se assistido a um autêntico carnaval por parte do FC Porto no Mercado de Transferências, com diversos erros de casting a surgir de forma constante.

Até que ponto o crescimento e o domínio dos últimos anos do SL Benfica não teve um dedo (ou mais que um) de Jorge Mendes? E se um dia o empresário sentir que pode lucrar mais com outro emblema nacional ou cair em termos de qualidade como agente desportivo… qual será o impacto no clube da Luz? Soares de Oliveira, um dos administradores da SAD encarnada próprio explica a relação entre Jorge Mendes e as águias:

Temos uma excelente relação com ele, há que dizê-lo. Naturalmente é uma relação muito personalizada na pessoa do nosso presidente, que é quem tem a relação mais antiga com o Jorge. O Jorge é um dos grandes agentes mundiais e tem feito uma série de negócios importantes. Se eu tentar somar compras e vendas que fizemos no Benfica ao longo dos últimos dez, quinze anos, são valores estratosféricos. Hão de situar-se próximo dos 700 milhões de euros, por aí. É uma relação importante mas não é única (…).

IL MINO RAIOLA… O NOVO DUCCE DO MERCADO DE TRANSFERÊNCIAS MUNDIAL

Paul Pogba, Marco Verratti, Gianluigi Donnarrumma, Justin Kluivert, Luca Pellegrini, Zlatan Ibrahimovic e Mario Balotelli têm todos algo em comum: Mino Raiola como empresário. O italiano-holandês tem sido um dos empresários mais proeminentes dos últimos anos, criando contínuas novelas de mercado a começar com o seu “menino-de-ouro”, Paul Pogba que continua a criar sarilhos para os lados de Old Trafford.

A dimensão de Raiola é amplamente reconhecida por diferentes comentadores desportivos internacionais, invocando a forma como o empresário lutou contra José Mourinho entre Agosto e Dezembro de 2018, conseguindo reuniões às claras com Ed Woodward no sentido de dar a conhecer a insatisfação do médio francês pela forma como o treinador tratava o jogador. Raiola tem uma história minimamente problemática com o Manchester United, já que quando se deu a saída do então jovem promessa de Old Trafford em 2012 Alex Ferguson não teve palavras meigas para oferecer, classificando o empresário como uma ameaça à “saúde” de clubes como os Red Devils.

Raiola é dos agentes que melhor se mexe na rede de influências, conseguindo desviar jogadores com uma facilidade total… veja-se o que aconteceu com Matthjis de Ligt neste Verão de 2019. O jovem central holandês encontrava-se em negociações com o Manchester United, naquilo que parecia ser o reforço de Verão para Ole Gunnar Solskjaer… quando tudo parecia acertado com o emblema inglês, de repente apareceu Raiola em Turim a negociar com a Juventus, ajudando o “empresário” de Ligt a chegar a um entendimento com o emblema italiano. Mas como é que Raiola foi ajudar outro empresário a mudar a direcção de transferência do seu jogador?

Bem, Mino Raiola precisava de usar um “peão” para fechar negociações depois de ter recebido uma suspensão de 3 meses (entre Junho e Setembro de 2019) dada pela FIGC, o que o impedia de participar nas entradas e saídas de jogadores… perante este cenário, o mais fácil foi então fazer assessoria e assim chegar a bom porto nos negócios.

Só para o leitor ter noção, dos 87M€ pagos pela Juventus ao Ajax, Mino Raiola recebeu uma comissão de cerca de 10M€ só pela sua actuação como conselheiro, conseguindo fintar a sua suposta suspensão, num claro desrespeito para com as regras.

Ao contrário de Jorge Mendes, o empresário italiano-holandês não tem qualquer interesse em mexer na vida dos clubes, mas sim garantir o melhor negócio possível para os seus jogadores e o caso recente de Mario Balotelli é um exemplo de tal… o jogador internacional pela Itália deseja ir para o Brasil (mais uma aventura), mas Raiola tem pouco interesse nesse destino e já veio dizer a público que deixa de ajudar Super Mario no futuro caso o seu destino seja o Flamengo.

Um pormenor final… Raiola já chegou à MLS pela mão de Zlatan Ibrahimovic e começou a criar raízes num mercado que poderá vir a ser bem interessante num futuro-próximo. Quem sabe se o interesse do super-empresário não estaria em colocar Balotelli num emblema dos Estados Unidos da América para reforçar o seu papel nesse mercado?

STELLAR FOOTBALL LTD… UM “CLUBE” (PRATICAMENTE) BRITÂNICO NO MERCADO

Jonathan Barnett, conhece? Não? Director do Stellar Football Ltd., é conhecido por ser o homem-forte por trás de Gareth Bale, defendendo o galês com unhas e dentes na guerra actual contra Zinedine Zidane. Barnett pode não ser tão famoso nas “telas” como Jorge Mendes ou Mino Raiola, mas nas sombras é um dos principais nomes-fortes de momento agenciando atletas como Saúl Ñíguez, Maxim Gómez, Jordan Pickford, Wojciech Szczesny, Kieran Trippier, Gylfi Sigurdsson, Loftus-Cheek, Luke Shaw, Jack Grealish, Cédric Bakambu, Mason Mount, Kelechi Iheanacho, Eddie Nketiah ou Adam Lallana.

Com uma marca profunda no futebol inglês e alguma no espanhol, Jonathan Barnett tem jogado um jogo inteligente já que está longe da “luz”, optando por controlar à distância mas sempre com um discurso mordaz e uma atitude desafiadora.

Mas nem sempre foi assim, já que o super-empresário inglês até o ano de 2006 apresentava-se à frente das câmaras… contudo, uma suspensão de quase 2 anos e uma multa de 120 mil libras quase arruinaram com a carreira de Barnett, tudo devido à forma como foram conduzidas as negociações entre o Chelsea FC e Ashley Cole (José Mourinho, Peter Kenyon e o próprio lateral-esquerdo também foram multados).

De lá para cá, Barnett tem optado por fazer este jogo da escuridão, negociando jogadores através do Stellar Football Ltd mexendo bem dentro dos plantéis do Valencia, Atlético Madrid, Manchester United, Chelsea, Everton e Burnley.

O impacto que a Stellar Football Ltd tem no futebol inglês é incalculável, uma vez que não se fica por apenas negociar os jogadores que estão na sua “carteira”, pois intervém em outros negócios, faz pressão sob direcções de clubes (Manchester United por exemplo, existindo claras relações entre Ed Woodward e Jonathan Barnett) e vai erguendo uma rede de influência e domínio bem trabalhada nas Ilhas Britânicas.

Desde 2017 que o grupo Stellar Football Ltd estava à procura de comprador, tendo colocado o preço mínimo de oferta em 100M€ com Barnett a mencionar que o “louco” que adquirisse a empresa, estava a comprar a melhor agência de futebol do planeta.

Não sendo tão incisivo como Jorge Mendes ou “agressivo” em comparação com Mino Raiola, Barnett é um dos super-empresários que melhor se movimenta no Velho Continente, com o olho aberto para avançar em direcção aos EUA e China nos próximos anos.

ESTÃO OS SUPER-EMPRESÁRIOS CÁ PARA O MAL OU BEM?

É uma questão complicada de se resolver… de um lado positivo, o aparecimento de empresários permitiu blindar os jogadores, garantir que os clubes cumprissem com as suas responsabilidades, defendendo os activos de uma forma sólida e importante, impedindo abusos por parte dos seus empregadores. Veja-se o caso mais recente de Gerónimo Rulli, guarda-redes argentino que foi forçado a aceitar o acordo com o Montpellier não tendo escolha apesar das tentativas da Samii Sport-Marketing em dar a volta à situação… contudo, devido à dimensão “menor” desta “nova” agência não houve força suficiente para mudar o destino.

Multiplicam-se outros casos de atletas profissionais que foram vítimas de abusos por parte de direcções de clubes, tratados por vezes como se fossem “objectos” ou “mercadoria”, incutindo em algumas situações um medo de fim de carreira. A função dos empresários foi garantir o sucesso dos seus activos, munindo-os de um tipo de certeza de que não serão sujeitos única e exclusivamente aos interesses do clube ao qual pertencem, controlando o seu próprio destino… e isto é a forma idilica de ver esta participação dos empresários na vida desportiva.

No entanto, desde que houve a ascensão dos super empresários o futebol transitou de um negócio estável e de respeito para um mercado sem leis (por muito que a UEFA queira impor o Fair Play financeiro, continua a ser abalroada por vários clubes e agentes, enganada em pormenores), de escalada de preços e valores, encetando por uma irrealidade económica perigosa para a sustentabilidade do Desporto-Rei. Se compararmos alguns números do mercado de 2009 e o de 2019 observamos desde logo que houve uma subida estratosférica em apenas 10 anos:

Uma vez que à data deste artigo o Mercado de Transferências de Verão de 2019 ainda estava a decorrer, é normal que até ao seu fecho haja um aumento ainda mais do gap no espaço de uma década… notem que a Premier League triplicou o valor gasto nas contratações e isto adveio não só da entrada de supra-milionários tanto no Manchester City ou em outros emblemas de média dimensão, como foi potenciada pelo trabalho dos super-empresários, que têm conseguido injectar vários e diversos atletas no campeonato inglês, o  mais vendido a nível mundial em termos de imagem, visualizações e interesse.

Contudo, a crescente inflação na compra de passes de jogadores não poderá levar a uma quebra no futuro, no que seria uma rotura económica grave que causaria sérios danos a nível das estruturas internas dos vários emblemas tanto das Big-5 ou das ligas mais periféricas?

Até que ponto a desresponsabilização e desregulamentação da acção dos agentes e empresários não estará a ser amplamente nociva para o “jogo”, que as altas instituições teimam em não criar as directrizes minimamente certas, para além de um sistema de resposta à corrupção e a negócios inexplicáveis? É um dos sérios desafios para o futebol mundial à entrada para a 3ª década do século XXI e não há dúvidas que o papel dos empresários, super-empresários e agências de jogadores é fundamental para criar um equilíbrio e um crescimento sustentado e inteligível, invés da realidade que se vive neste momento.

Como parar os negócios feitos pela Doyen Sports (ainda hoje está por se explicar como o FC Porto vendeu Imbula por mais 5M€ do que comprou) ou das manhas desenvolvidas por algumas redes de influência desenvolvidos por super-empresários e gestores de clubes? Perguntas que não têm para já resposta, ficando só uma certeza: quando um emblema colapsa depois de ter sido alvo de uso por empresários, os únicos que lamentam pela perda são os adeptos e associados.


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