A defesa do Campeão e o Apocalipse de Sérgio Conceição
Antes de iniciarmos a análise ao que significa as últimas saídas e movimentações no FC Porto, há que explicar que a palavra Apocalipse foi desvirtuada nas últimas décadas do Século XX e XXI. Apocalipse significa na sua génese Revelação, que é adicionada ao fim e recomeço do Mundo se levarmos para o sentido bíblico. A palavra advém do grego apokálypsis, que é a tal revelação.
O fim de algo não significa necessariamente o fim permanente, já que há sempre um novo início e um recomeço em várias áreas da vida humana. Posto esta entrada humanista, devemos agora explicar o porquê de conjugar Apocalipse e Sérgio Conceição. O treinador do FC Porto descobriu agora, neste interregno entre épocas, uma série de novos problemas que podem ser complicados de resolver.
MARCANO POR 0€? QUEM DÁ MAIS? E VAI UMA…
A revelação das saídas de Layun, Ricardo Pereira, Diogo Dalot e as saídas iminentes de Iván Marcano e Diego Reyes (acabam o contrato e ambos não parecem estar disponíveis para ficar) vão retirar ao timoneiro dos Dragões um dos aspectos do sucesso na época passada: a defesa.
Na Liga NOS os Dragões sofreram apenas 18 golos, sendo a defesa menos batida do campeonato, subindo para 39 consentidos em todas as competições (52 jogos em toda a época).
Em relação aos rivais, o SL Benfica sofreu 48 golos em 47 jogos, o Sporting CP consentiu 50 em 67 encontros possíveis (foi de longe a equipa que mais jogo teve, com qualificação para a Liga dos Campeões, a própria competição, depois a Liga Europa, mais a Liga NOS, Taça da Liga e Taça de Portugal), o que prova o sucesso de Conceição neste departamento do jogo.
Uma defesa que foi muito para além de “betão”, já que a forma como saíam a jogar com a bola, a participação nas bolas paradas, a aplicação da sua qualidade na movimentação de linhas deu outra forma e conforto ao meio-campo defensivo. Em termos de minutos a defesa que mais jogou em toda a temporada foi:
Ricardo Pereira (43 jogos, 2 golos, 7 assistências e 3500 minutos), Alex Telles (45 jogos, 4 golos, 20 assistências e 4000 minutos), Iván Marcano (46 jogos, 7 golos, 1 assistência e 4000 minutos) e Felipe (44 jogos, 4 golos, 2 assistências e 3900 minutos). Maxi Pereira (23 jogos, 1 golo, 4 assistências e 1600 minutos), Diego Reyes (24 jogos, 3 golos, 1 assistência e 1500 minutos), Miguel Layún (14 jogos, 2 golos e 580 minutos), Diogo Dalot (8 jogos, 3 assitências e 590 minutos) e Osório (1 jogo e 70 minutos) foram os suplentes mais utilizados na defesa.
O super eixo-defensivo já idealizado em 75% por Nuno Espírito Santo e herdado por Conceição, que “só” teve de meter Ricardo Pereira a titular (a maioria dos comentadores e adeptos falam muito da excelente época, mas esquecem-se que nenhum treinador teve a mesma coragem de lançar o atleta, que o treinador agora campeão teve), foi um dos três segredos para a sagração de campeões no final da temporada.
Não esquecer o impacto atacante de cada um dos jogadores que saíram: 15 golos e 13 assistências. Acaba por ser um índice de sucesso alto para o clube.
Demonstrada a importância de cada um destes indivíduos, agora vamos à parte do Apocalipse de Sérgio Conceição. Após duas semanas do término da época, iniciou-se o processo de “reformulação” de um plantel que o técnico campeão não quereria de todo que acontecesse desta forma:
– saída de Ricardo Pereira por uns “fracos” 25M€ (os primeiros 20 milhões chegam já e os restantes estão presos por objectivos);
– Diogo Dalot “recusou” a renovação para aceitar um contrato com o Manchester United, recebendo o clube 20M€ de compensação;
– Marcano igualmente não quis renovar e já assinou pela AS Roma;
– Miguel Layún está perto de abandonar definitivamente rumo a Sevilha pelos “mesmos” 6M€ que o FC Porto gastou na sua compra (não foi accionada a clausula mas o jogador e clube já demonstraram intenções de renovação de vinculo);
– Diego Reyes está a caminho da Real Sociedad, negócio que a se realizar, o FC Porto não recebe qualquer valor pela sua saída;
Se os três primeiros negócios estão fechados, os dois últimos estão só nas bocas dos rumores e para já não há qualquer anúncio feito sobre os centrais. Porém, o fim dos contratos, o silêncio dos protagonistas e os constantes fracassos da direcção em renovar com jogadores (a situação de Dalot podia ter ficado resolvido tivesse o clube chegado a acordo em 2016) deverão assustar os adeptos do FC Porto.
O FRACASSO DE UMA SAD ULTRAPASSADA?
Uma das questões a se colocar é a seguinte: como é que o FC Porto chega ao ponto de não ter margem financeira para renovar contratos com alguns dos seus activos mais importantes? Uma das defesas de Fernando Gomes, administrador da SAD dos dragões, é que o clube não tinha capacidade financeira para tal. As restrições impostas pelo Fair Play financeiro “amordaçaram” o ímpeto económico do clube, não existindo condições para melhorar salários ou avançar para novas renovações.
Só com o final da temporada e a chegada dos prémios da Liga dos Campeões e Liga NOS é que a situação desaunivou em parte. Porém, a SAD azul-e-branca já foi tarde para “salvar” alguns jogadores como Reyes, Dalot (ao contrário do que o comum adepto pode pensar, o jovem lateral não tem culpa que o clube tenha só mostrado interesse na renovação a partir de Fevereiro) ou Ricardo Pereira. O clube chegou a este estado financeiro à conta dos repetidos maus gastos em contratações estranhas que nunca trouxeram mais-valias ao clube.
Os últimos 6 anos da liderança de Jorge Nuno Pinto da Costa foram conturbados neste aspecto, para além do projecto a médio-longo prazo nunca ter existido (a constante troca de treinadores, as várias saídas e entradas no plantel e o falhar em aproveitar a juventude do clube – em 5 anos só Ruben Neves, André Silva, Diogo Dalot tiveram um lugar ao “sol” no plantel) e, mais uma vez, os problemas do clube começam antes do início da época.
Para Sérgio Conceição estas revelações após ter renovado contrato são problemas excessivos, para alguém que necessitava não só de descanso mas de perceber o que o plantel necessitava de afinar. Notem que três dos nove jogadores que fizeram parte das opções da defesa já saíram e mais duas devem seguir o mesmo caminho, restando só Felipe, Maxi Pereira, Osorio e Alex Telles.
Se isto for a realidade do clube, então o treinador será forçado a procurar soluções, inicialmente internas… contudo, não vão chegar. Diogo Leite e Diogo Queirós vão merecer oportunidades na pré-época, como o próprio Sérgio Conceição afirmou, Chidozie vai regressar após uma época de bom nível pelo Nantes de Ranieri e Jorge Fernandes poderá também ser chamado aos trabalhos.
Porém, nenhum dos emprestados ou atletas do FC Porto “B” (há ainda o nigeriano Musa Yahaya, que efectuou uma boa temporada na lateral direita) tem qualidade suficiente para entrar no onze titular no imediato. Ir ao mercado é opção perante a situação financeira? Aqui entra um pormenor que pode mudar a situação dos Dragões.
O MERCADO É AMIGO OU INIMIGO?
As vendas de Ricardo Pereira, Diogo Dalot, Willy Boly, Miguel Layún, aliviam a situação em termos de constrangimento de contas, com os 67M€ adquiridos (e não significa isto que tenha entrado esse valor, mas para a UEFA o clube fez vendas nesse valor) a garantirem que o clube possa investir até 50% desse valor. Ou seja, Sérgio Conceição tem cerca de 34M€ para “gastar”.
Os maiores problemas apresentam-se no facto dos valores dos passes na actualidade… não será fácil encontrar um lateral ou central de qualidade para jogar na Liga dos Campeões a bom preço… relembrar que o Liverpool gastou 70M€ em Van Dijk, o Manchester City foi buscar Laporte ou Mendy por 60 e poucos milhões de euros, entre outra situações extremas.
Encontrar um Ricardo Pereira, Alex Telles, Iván Marcano que possam ser uma garantia para o eixo defensivo vai ser uma missão daqueles complicadas para o treinador e restante departamento do futebol. Para já, e de forma curiosa, não há rumores que envolvam chegadas ao FC Porto e isso pode ser entendido como estratégia do clube em proteger potenciais alvos.
O Fair Play já propôs algumas contratações para o plantel dos Dragões, que podem consultar aqui: reforços despromovidos para Sérgio Conceição!
Para Sérgio Conceição é um autêntico apocalipse o que se está a passar na defesa, com uma hemorragia de saídas que não augura nada bom para o sonho de conquistar já o bicampeonato na época que se segue. A falta de estratégia dos últimos anos, a profunda crise financeira e de resultados tirou margem de manobra à SAD que auto-mutilou-se, prejudicando o futuro do clube e plantel.
Conceição já “salvou” o FC Porto esta temporada que agora findou, com recuperações de atletas “exilados”, reforço dos sectores com novas ideias e estratégias e devolução de um sentimento de mística que há algum tempo se tinha dissipado. Contudo, o técnico português já tinha comentado que necessitava de reforços e melhores condições para conduzir o clube a um patamar superior de estabilidade e sucesso.