Alguém se esqueceu da bola
Um jogo decidido em transição rápida, o controlo da posse, o médio de cobertura, a deambulação dos extremos, os passes entre linhas, as piscinas dos laterais… “Que coisa chata, é isto que é o futebol?”
A forma como uma equipa é pressionada convida ao erro. Ora, não é novidade nenhuma. Quanto mais alta a pressão, mais sufocado fica o portador da bola, que com isto procura uma solução de recurso, sem tempo para pensar. Há vários tipos de pressão, os treinadores saberão melhor que ninguém a estratégia que lhes permitirá tirar partido das debilidades do adversário, principalmente quando o adversário possui jogadores de qualidade claramente inferior. Onde se pretende chegar com isto? Há uma “nova” forma de pressão que, a ter eficácia, servirá para sufocar de vez o futebol.
Passa essencialmente pelo adepto, mas também por diretores de comunicação e até mesmo por presidentes de clubes – um jogador que tem uma ação direta infeliz num lance que resulta em golo, é condenado pelos rivais na praça pública e sobe desde logo o tom da conspiração acerca de um possível pagamento ao jogador para que ele facilite o trabalho. Para despistar de qualquer tipo de clubite existem casos concretos nos jogos dos dois rivais do topo da tabela.
As vitórias dos grandes são a derrota do futebol
Na deslocação a Moreira de Cónegos, o Benfica vencera o jogo por 0-2, com o segundo golo a nascer de uma perda de bola em zona proibida de um defesa do Moreirense. O recém-entrado João Carvalho roubou a bola ao seu adversário que falhou a sua tentativa de drible. Aí apontaram desde logo a passividade do defesa. Sem ir tão adiante, logo no início da segunda volta, o Braga é batido pelo Benfica em casa, num jogo nada fácil para os encarnados, como fizeram crer vários adeptos rivais.
Os bracarenses entraram fortes no jogo mas o Benfica foi eficaz na primeira oportunidade que criou. Ainda assim, mesmo até chegar o 0-2 a meio da segunda parte, o Braga foi sempre uma equipa venenosa na aproximação à área contrária.
Com o avançar das jornadas, a menos de dez do final, volta a conversa do jogo da mala, mas com agravantes nunca antes vistas. O Marítimo foi derrotado na Luz, com o segundo golo dos encarnados a ter uma tentativa de corte falhada de Fábio Pacheco. As redes sociais inundavam-se de vídeos do lance e o presidente do Marítimo afastara o atleta dos treinos. Isto interessa, mas já não interessa saber que este jogador foi o que mais lances intercetou da sua equipa em todo o jogo. Como se isto não bastasse, na visita ao Feirense, os da casa viram-se a jogar em inferioridade por acumulação de amarelos e o jogador viu-se obrigado a esclarecer publicamente que nunca lhe passara pela cabeça estar a beneficiar o adversário.
A norte, o líder Porto recebeu recentemente o Boavista, vencendo por 2-0. O segundo golo nasce de um passe infeliz do guardião Vagner, que com Herrera pela frente e Vagner enfiado na pequena área, decidiu escolher um lado para se atirar na tentativa de ainda intercetar o lance. Para não variar, na ótica de quem gosta daquele tipo de pressão que mata o futebol, Vagner estaria a cumprir o que lhe pedira o Porto a troco de dinheiro.
Já não era o primeiro lance em que uma reposição ou início de construção dava golo no Estádio do Dragão. Com o Tondela, Marega aproveitou um lance idêntico da defesa contrária e marcou o único tento da partida. Escusado será dizer o que já se falara na altura, com empresários a aquecer ainda mais o clima de suspeição.
No meio desta “guerra”, a bola não importa?
Com isto, concluir o quê? Alguém se esqueceu mesmo da bola e esse alguém tem cada vez mais adeptos. Essa coisa redonda já não interessa para nada. Ninguém vai ganhar por mérito próprio, vai ganhar porque encheu os bolsos ao adversário. É este o clima do futebol português, o caminho negro que leva a cultura futebolística de um país que tem nos que o representam lá fora os motivos de orgulho.
Falar em sabedoria e mestria do treinador ou futebol português? Só olhando para Carlos Carvalhal e Paulo Fonseca. A esses batemos palmas, porque nos resta aquele orgulho patriótico. A esses ninguém vai especular que os seus presidentes andem a comprar jogos, já se sabe dar mérito. Porquê? Porque não são um rival, podem ser congratulados porque trabalham semanalmente e apresentam resultados dentro de campo.
É preciso uma reflexão profunda sobre aquilo que se diz e o que se quer fazer do futebol português. Enquanto se andar a apontar o dedo ao outro, porque o outro fez queixa do primeiro, então a escuridão só tenderá a aumentar. Vagner, a mais recente vítima deste clima intempestivo, fala em “morte lenta do futebol” – aquilo que parece uma hipérbole está cada vez mais perto de ser uma realidade.