O Mundial de 1938: uma grande conquista do Brasil e de sua identidade nacional

Virgílio NetoAbril 27, 20184min0
O Brasil não venceu o Mundial de 1938 em França, ficou na terceira colocação. Entretanto foi um certame fundamental para a formação da identidade nacional e do imaginário colectivo brasileiro de pertencimento.

Muitos vão dizer que as principais conquistas do futebol do Brasil serão os cinco títulos mundiais, nomeadamente: o de 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002. Entretanto, há todo um histórico que é preciso conhecer. Antes de qualquer primeira colocação, houve uma ocasião em especial muito importante não apenas para o futebol do Brasil, mas para a identidade nacional. O Mundial de 1938 em França e a terceira posição naquele certame.

Já foi tratado em outros artigos cá no Fair Play que o desporto e a selecção do futebol do Brasil são factores muito importantes para a formação da identidade brasileira. Há muitos “países” que existem dentro dele, haja vista as inúmeras diferenças regionais de ordem sócio-econômica. A Copa do Mundo de 1938 contribui muito para o imaginário colectivo brasileiro e sentimento de pertencimento ao Brasil. Por que?

Os anos 30 do século XX no Brasil foram marcados por um Golpe de Estado, uma guerra civil (quando o estado de São Paulo entrou em conflito armado contra o governo federal) em 1932, dois anos sem uma Constituição, e outro golpe, em 1937, que instituiu o “Estado Novo” (regime de excepção) em função sobretudo da ameaça do comunismo. Simultaneamente, o governo do país coloca em prática um discurso nacionalista e unificador.

Inclusive é organizada em 1937 uma cerimónia de queimas das bandeiras estaduais no estádio de São Januário (no Rio de Janeiro, que pertence ao C. R. Vasco da Gama). No mesmo ano, ganham popularidade as teses do Professor Gilberto Freyre e seu livro “Casa-Grande & Senzala”, de o que o Brasil e o Brasileiro são a mistura das três raças: do autóctone, do africano e do europeu.

A selecção brasileira que disputou o Mundial de França era a síntese deste ideal. Brasileiros com origens africanas e europeias sob uma mesma indumentária. Leônidas da Silva (de origem africana, cuja alcunha “Diamante Negro” virou nome de chocolate até hoje vendido). Havia também o avançado Perácio (há uma história que na viagem de navio para o Mundial ele levou binóculos para conseguir enxergar (!) a linha do Equador). Já Romeu Pellicciari era o indício da grande presença italiana no Brasil. Eles são alguns dos exemplos desta “mistura de raças” naquela equipa, ideia desejada pelo “Estado Novo” naquela época.

Foi também o primeiro mundial a ser transmitido pelo rádio para o Brasil. Gagliano Neto, da Rádio Clube do Brasil (Rio de Janeiro) foi o relator e grande responsável para aquele torneio ser tão especial para os brasileiros. Os jornais davam ampla cobertura ao escrete (que ainda não era canarinho) e reforçou o ideal de nação. O triunfo ante os polacos por 6 a 5 foi muito festejado e o revés ante os italianos por 2 bolas a 1, na meia-final, nem um pouco aceito. Alegaram de um penálti equivocadamente anotado em favor dos europeus, em função de uma suposta manobra para desfavorecer o futebol sul-americano.

Com tudo isso, é inegável a relevância daquela equipa e a terceira colocação naquele Mundial. O futebol entrava em definitivo como elemento formador da identidade nacional e talvez o principal. Era, de facto, a “mistura de raças” bem sucedida, com brasileiros das mais diversas origens étnicas e sócio-econômicas. O rádio e a imprensa escrita envolveram-se de tal maneira com o desporto, que torna muito difícil não associar o sucesso do futebol brasileiro a Leônidas da Silva, Domingos da Guia, Brandão, Argemiro e seus companheiros.

Os anos seguintes seriam determinantes para o futuro da modalidade no país e serão tratados em um próximo artigo.


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