O Apocalipse do futebol nacional segundo os arautos da trágico-desgraça

Francisco IsaacMarço 2, 202012min0

O Apocalipse do futebol nacional segundo os arautos da trágico-desgraça

Francisco IsaacMarço 2, 202012min0
A Fevereiro de 2020 todas as equipas portuguesas já estão arredadas da próxima fase da Liga Europa e os apaixonados pelo Apocalipse e julgamento final já tecem o seu juízo. Mas será que têm razão para tamanho dramatismo?

E começa o apedrejamento público e a oratória da desgraça ao futebol português depois de uma eliminatória que viu as equipas lusas a serem eliminadas da Liga Europa, pondo a nu as fragilidades dos supostos maiores representantes nacionais nas competições internacionais do “Velho Continente”.

Contudo, num momento que requer alguma reflexão tanto à validade da estratégia das direções destes clubes e ao real valor das equipas técnicas (queira-se ou não aceitar, o facto é que nem Bruno Lage pode fugir às críticas) os adeptos experts de redes sociais ou os comentadores desportivos extremados optam por fazer um relatório de desmantelamento ao futebol português ou a redigir a certidão de óbito da bola redonda Lusa, entrando num estilo dramático-tragico que normalmente conquista likes, comentários e partilhas numa clara demonstração do efeito avalanche cada vez mais normal no quotidiano.

FIM DO DRAMATISMO APOCALÍPTICO E ENTRADA DA REFLEXÃO NECESSÁRIA

Não podendo escapar ao descalabro da noite europeia de 27 de Fevereiro de 2020, importa perceber que:

1- o futebol português não é uma “miséria” que de vez em quando faz “milagres” (palavras retiradas de posts de páginas desportivas de Facebook que vivem muito do dramatismo exacerbado dos seus autores) pois tem demonstrado consecutivamente o seu valor tanto nas provas internacionais de clubes como de seleções e já iremos mencionar os respectivos percursos;

2- que os plantéis das equipas portuguesas participantes na Europa não são de toda “fracas” e desprovidas de valor, já que ano após ano saem diversos atletas da Liga NOS – e não só – para clubes médio-grandes dos principais campeonatos europeus. Sendo que aqui o leitor pode apontar que isto só demonstra o valor individual do atleta, respondemos que na maioria dos casos os jogadores estão dependentes de ter conseguido fazer algo se interessante pelo seu clube o que força a estar envolvido de um ambiente de colectivo e o caso de Bruno Fernandes pode ser um exemplo bom, no qual explicaremos mais adiante;

3- Que as equipas portuguesas não foram eliminadas do nada, sendo necessário rever a campanha nesta temporada do princípio até ao fim. Exemplo do FC Porto que desde o 1° jogo das competições europeias revelou extremas debilidades tácticas e de approach ao adversário como ficou claro com os russos do Krasnodar;

4- as equipas técnicas de cada um dos emblemas participantes revelam algumas fragilidades ou inexperiência caso de Ruben Amorim ou Bruno Lage (ambos os treinadores têm poucos jogos como treinadores principais de escalão máximo).

Rapidamente vejamos o ponto “1”. Portugal é campeão da Europa e da Liga das Nações em título, verificando-se que o sucesso adveio tanto do excelente trabalho das Academias de excelência (a de Alcochete foi a espinha-dorsal do título de 2016), dos clubes (sejam os de primeiro, segundo ou terceiro escalão) que deram tempo e espaço de crescimento aos atletas e do trabalho profundo da parte do staff técnico Nacional que começa nos sub-17 e vai até aos seniores. Nos últimos 20 anos Portugal não falhou qualquer competição internacional de seleções, chegou a duas finais de Europeus (2004 e 2016), uma meia-final de um Mundial (2006) e Campeonato da Europa (2012) sendo uma das nações de maior sucesso deste período de tempo só atrás de Espanha, Alemanha, França e Itália. Não só isto, como a nível de clubes foram conquistados quatro títulos internacionais, todos da responsabilidade do FC Porto (Liga dos Campeões, duas Taças UEFA/Liga Europa e Taça Intercontinental) e ainda se chegaram a mais três finais de competições, com o SL Benfica de Jorge Jesus e o Sporting CP de José Peseiro.

Verdade que viver do passado não significa avanço no presente para um futuro mais conquistador, mas é indiscutível que o futebol nacional português conquistou um lugar de mínima importância entre as principais ligas europeias, tendo conseguido mais sucesso a nível de clubes que emblemas franceses ou alemães por exemplo.

Em relação ao ponto “2” basta reparar o número de treinadores e atletas portugueses que rumaram ao estrangeiro para perceber que é das diásporas mais rentáveis e interessantes do futebol europeu. Se José Mourinho parecer ter reiniciado um processo de depositar confiança em treinadores lusos, já o número de jogadores contratados por emblemas dos patamares mais altos revela apetência pelo que se produz, desenvolve e transforma internamente. Existem casos claros de supra inflação como aconteceu com a transferência de João Félix para Espanha, mas a maioria dos casos revelou anos de sucesso por clubes como FC Barcelona, Real Madrid, Juventus, Manchester City, Dortmund não se ficando só pelo impacto total do efeito Cristiano Ronaldo.

Não esquecendo o exemplo de Bruno Fernandes mencionado, é lembrar que o médio do Sporting CP sempre ajudou a levantar três troféus ao serviço dos “leões” numa das fases de maior conquista do clube verde-e-branco. Se as exibições eram medíocres ou não, pouco interessa (o Real Madrid de Zidane foi tricampeão europeu a praticar um futebol muito longe de revolucionário ou carismático devendo muito aos esforços de Cristiano Ronaldo, Keylor Navas, Luka Modric, Toni Kroos e Dani Carvajal) o facto é que Bruno Fernandes e o Sporting extraíram excelentes resultados dessa relação que acabou por ainda render uma transferência de grandes valores aos cofres leoninos. Ou seja, existe muito mais valor nos plantéis dos clubes portugueses do que se pensa e o constante rebaixamento efectuado pela crítica é um reflexo da falta de saber valorizar o que de bom se produz internamente.

DE CONCEIÇÃO A AMORIM, O CENÁRIO É SIMILAR

O ponto 3 e 4 estão interligados, pois é ao analisar da campanha dos quatro agora eliminados para perceber que três dos quatro casos são explicáveis. O FC Porto foi vítima das constantes más decisões de Sérgio Conceição na hora de montar as equipas perante o jogo a fazer na maior parte dos encontros de alta importância, ficando completamente agarrado a uma forma de jogar pouco exuberante, efectiva e dinâmica marcando assim toda a marcha dos “dragões” nas provas da UEFA.  O plantel tinha franca qualidade porque chegou a realizar boas exibições em certos encontros, mas a teimosia latente do timoneiro do FC Porto em optar pelos actores errados e estratégias mal pensadas foram letais, depois de dois anos até positivos na Liga dos Campeões existindo um claro desgaste entre o treinador, plantel e estrutura como já ficou bem demonstrado em sucessivas conferências de imprensa e até situações dentro das quatro-linhas (a discussão com Nakajima por exemplo).

Por outro lado, o SL Benfica foi vítima da falta de experiência e ingenuidade de Bruno Lage em querer aplicar uma estratégia de jogo interessante mas que revelava demasiadas debilidades caso se deparasse com adversários compactos e que forçaram desde o primeiro minuto de jogo um equilibrio desgastante para as “águias”, ficando claramente expostas as fragilidades físicas para aguentar uma intensidade alta de jogo ao mais alto nível, como aconteceu na Liga dos Campeões. O plantel do SL Benfica possuía algumas lacunas, seja no eixo-defensivo ou frente de ataque, mas a forma displicente como a estratégia parece estar assente no bloco defensivo é claramente demonstração que Bruno Lage ainda não está no nível que alguns fizeram crer.

Por sua vez, Jorge Silas acabou por “matar” a sua oportunidade de ir mais longe na Liga Europa a partir do momento em que optou por uma estratégia de jogo demasiado baseada na defesa e contra-reacção sem o calculismo e frieza necessária (Mathieu faz uma falta profunda a todos os níveis) na 2ª mão com o Istanbul, para além de não ter conseguido controlar o espírito individualista de Plata, Acuña e Sporar nos últimos 5 metros de jogo, com este trio – entre outros – a preferir arriscar em remates de meia distância invés de ficarem a controlar a posse de bola com inteligência e perspicácia necessária para sobreviver nas competições europeias.

Rúben Amorim, dos quatro treinadores destas equipas portuguesas participantes na Liga Europa, é o que tem alguma “desculpa” principalmente pelo facto de ser um técnico jovem e que está a caminhar – acertadamente – neste seu início de carreira à frente de uma equipa do escalão sénior. Não querendo dizer que a culpa do falhanço europeu está toda nas equipas técnicas, a verdade é que mais do que nunca há uma clara falta de experiência e/ou qualidade vinda do staff técnico de qualquer destes quatro clubes, sendo mais fácil para os adeptos e a maioria dos adeptos atribuir culpas à falta de qualidade dos plantéis ou à falta de forma de jogadores nucleares.

O CRESCIMENTO DO FUTEBOL PORTUGUÊS… SEM IRONIAS

Por outro lado, é evidente que as SAD’s responsáveis pelo FC Porto e SL Benfica têm de estar associadas a este fracasso, e isto deve-se pela forma como atacaram tanto os Mercados de Transferências de Verão (2019) e Inverno (2020) ou o discurso por vezes sem sentido e criador de dúvidas em relação aos verdadeiros desejos e desígnios de ambas as direcções. O Sporting CP está a passar por um período de transição e reformulação do clube, não se podendo apontar grande culpa (isto não significa que não haja alguma responsabilidade no fatalismo final desta época dos “leões”) ao trabalho de Frederico Varandas e os restantes membros da SAD leonina, que apresentaram sinais bem positivos nas contas do clube.

Já o SC Braga ficou demasiado tempo nas mão de Ricardo Sá Pinto… o técnico até conseguiu mostrar bom futebol a nível da Europa, conquistando o direito de atingir a fase-de-grupos da Liga Europa e os quartos-finais desta 2ª prova mais importante da UEFA, mas revelou novamente sinais preocupantes no que concerne à estratégia a aplicar nas provas internas, sendo substituído por Rubén Amorim, que até ao momento parece ser uma novidade interessante no emblema minhoto.

É inegável que as equipas portuguesas não estiveram bem em 2019/2020 na Liga Europa, contudo não é o cenário dantesco tão apregoado por várias páginas páginas de Redes Sociais, adeptos ou até jornais e canais de Comunicação Social reconhecidos… basta lembrar que a partir de 2021/2022 vão estar três equipas nacionais a participar na Liga dos Campeões revelando uma recuperação no ranking da UEFA, muito auxiliado pelas prestações do FC Porto nos últimos anos na prova máxima da UEFA.

Existe um abuso claro por parte de algumas SAD’s, seja no FC Porto (Jorge Nuno Pinto da Costa tem perdido mais tempo a atacar os rivais e contestatários, do que explicar as contas apresentadas em Fevereiro de 2020 ou qual o projecto para o futuro do clube), SL Benfica (Luís Filipe Vieira continua com um discurso de que o clube é um império só administrado pelo próprio) ou CS Marítimo (Carlos Pereira tem sido alvo de uma onda de críticas crescente tanto pela gestão no futebol ou pela forma como lida com os sócios e adeptos), mas a verdade é que Portugal tem conseguido nos últimos 20 anos mostrar força a todos os nível na Europa.

É só rever os resultados alcançados nas últimas duas décadas do século XX para perceber da real evolução do futebol nacional, que está com um campeonato menos competitivo no que concerne ao apuramento de campeão, mas em que há mais futebol no “miolo” classificativo da Liga NOS ou até no aparecimento de vários jogadores de excelente qualidade em diversos dos emblemas da primeira ou segunda liga. Existe o discurso de que o campeonato é menos competitivo pelo título, mas a verdade é que ao contrário do La Liga (a discussão tem ficado entre Real Madrid, FC Barcelona ou Atlético Madrid), Ligue 1 (PSG tem dominado praticamente os últimos 8/10 anos com a aparição esporádica do Monaco ou Marselha), Bundesliga (Bayern de Munique é rei e senhor da Alemanha) ou Serie A, tem havido maior intromissão em certos anos seja do Braga SC de Domingos Paciência, o Vitória SC em 2007/2008 de Manuel Cajuda ou o Paços de Ferreira de 2012/2013 de Paulo Fonseca, com só a Premier League a fugir ao cenário de monotonia dos principais campeonatos europeus.

Se entre os anos de 80 e 90 Portugal era “só” representando pelo FC Porto e SL Benfica, agora há outros emblemas a tentar mostrar que não só podem participar como têm qualidade para chegar mais longe, precisando só um pouco mais de tempo e espaço para chegar a outro patamar das provas internacionais europeias. É importante que haja um espírito empírico de análise, debate e reflexão sem deixar de observar os sucessos almejados e conquistados nos últimos 15 anos seja a nível nacional ou internacional, seja a nível de clubes ou selecção, fazendo assim um relatório bem elaborado e inteligível para a 3ª década do século XXI.

O Paços de Ferreira na eliminatória da Champions League (Foto: Lusa)

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