Os profissionais do desporto e os exemplos que podem mudar o Mundo

Francisco IsaacSetembro 18, 20219min0

Os profissionais do desporto e os exemplos que podem mudar o Mundo

Francisco IsaacSetembro 18, 20219min0
O desporto tem o poder de mudar o Mundo e apresentamos alguns exemplos que devem-nos fazer pensar. De Vettel a Rayssa Leal, isto é o verdadeiro significado de ser humano

O desporto é um excelente veículo para informar melhor todos, para difundir mensagens positivas e progressistas seja de inclusão, luta pela igualdade e equidade, de procura de entendimentos e de demonstração de solidariedade, carinho e amizade, tendo um poder único para influenciar, inspirar e motivar o grande público. Nos últimos anos vimos acções destas que pelos melhores e piores motivos deram voz a movimentos, acções e discursos positivos, destacando alguns deles neste artigo.

VETTEL, O CORREDOR SEM RECEIO DA ALTA VELOCIDADE E DE DITADORES

Comecemos por Sebastian Vettel, um dos últimos campeões do Mundo antes da chegada do reinado de Lewis Hamilton (e que animou a F1, quando este desporto motorizado não estava nos seus melhores dias), que tem estado envolvido com diversas causas, seja na luta pela mudança de postura perante as mudanças climáticas, o dar voz às várias vítimas de racismo (Black Lives Matter, luta que Hamilton também tem participado activamente) e pelos direitos das comunidades que compõem os LGTBQIA+, com esta última a ter sido foco do corredor durante o GP da Hungria.

Lembrar que o governo húngaro tem sido dos maiores inimigos no conferir os mesmos direitos aos LGBTQIA+, para além de terem encetado numa guerra de marginalização de todos os que se identifiquem com qualquer dessas comunidades, levando a um choque total dentro da União Europeia, que tem procurado formas de fazer pressão para que o pseudo-ditador Viktor Óban volte atrás nos vários processos anti homossexuais, transsexuais, bissexuais, transgénero, queer, intersexo e assexuais. Vettel não esteve para de modas, e para além de usar uma máscara com o símbolo do arco-íris (marca deste movimento), vestiu uma tshirt que também tinha o arco-íris e as palavras “Same Love”, isto durante o tocar do hino da Hungria. Este tipo de acções, são uma inestimável ajuda para que os padrões comportamentais das pessoas que desconhecem ou são contrárias aos direitos dos LGBTQIA+ percebam a importância de modificar o seu pensamento e entenderem que a igualdade deve ser um standard de qualquer sociedade moderna actual, e Sebastian Vettel tratou de dar voz, mesmo perante as ameaças de punição por parte do comissariado da Fórmula 1.

UM GESTO QUE SIGNIFICOU MAIS QUE O OURO

A humildade e gestos de fairplay desportivo são uma peça-chave para desanuviar ambientes tóxicos dentro das modalidades (potenciados por quem confunde competitividade com jogar para lá dos limites do exequível) e o que se passou na disputa pela medalha de ouro no salto em altura é algo especial e que representa os melhores valores do desporto. Mutaz Essa Barshim, medalha de bronze e prata nos Jogos Olímpicos de Londres e Rio (respectivamente) aceitou parar com os saltos após ultrapassar os 2,37 metros de altura, para loucura do italiano, Gianmarco Tamberi, que ao ter conseguido ultrapassar a mesma altura que o atleta do Catar, iria receber a medalha de ouro em co-autoria.

Bashim poderia perfeitamente ter pedido para subirem a trave para a altura seguinte, forçando o seu colega transalpino a lutar por marca superior, sabendo de antemão que o favoritismo iria cair sobre os seus ombros… porém, e contra toda a lógica possível, o catariano não o quis e optou por terminar por ali a participação nos Jogos Olímpicos, oferecendo um final espectacular e emotivo para todos os que acompanharam a prova. Talvez Barshim percebeu o esforço de Tamberi, atleta que em 2020 partiu a perna e viu a sua presença nas Olimpíadas ameaçada, recuperando a tempo de chegar a Tóquio em 2021 (caso os Jogos se tivessem realizado no ano anterior, teria falhado a sua presença) e atingir uma marca de excelência, somando um improvável 1º lugar naquele momento; ou o agora medalhada de Ouro no salto em altura simplesmente achou que ambos deram o seu máximo e mereciam em conjunto sair com o ouro olímpico, num gesto de bom desportivismo e comunhão. Qualquer que tenha sido a razão, este episódio vai marcar estes Jogos Olímpicos para todo-o-sempre e deve ser elevado como exemplo máximo da melhor conduta que atletas profissionais do desporto e seres humanos podem ter.

BILES E O DAR VOZ AOS PROBLEMAS QUE NINGUÉM QUER ENFRENTAR

Outro tema provindo das Olimpíadas de 2020, foi o apoio, atenção e preocupação demonstrado pelos vários actores desportivos mundiais para com a decisão de Simone Biles de parar após sentir o efeito dos twisties, um problema neurológico derivado da pressão, stress e outros elementos do foro psíquico. Raros foram os atletas que decidiram “gozar” com a posição da ginasta dos Estados Unidos da América querer se defender e prevenir de uma lesão grave (Novak Djokovic, um dos maiores campeões do ténis foi uma das vozes que ridicularizou com Biles, em mais um episódio do extenso reportório de actos de má vontade do sérvio), com a larga maioria dos seus colegas da ginástica ou de outras modalidades a perceberem a cruel realidade da sanidade mental e do resultado do excessivo stress e pressão que é imposta nos atletas para garantirem medalhas, rankings e resultados de topo.

Vocal, directa e clara, Simone Biles não teve medo de explicar os problemas mentais que têm assolado a sua vida nos últimos anos, mexendo com a sua vida diariamente ao ponto de se sentir em perigo quando treinava as suas rotinas, isto sem nunca abdicar do objectivo de conseguir ajudar a ginástica dos EUA a chegar aos Jogos Olímpicos com a sua melhor equipa, apesar de uma mão cheia de “influencers” terem achado que o comportamento da ginasta foi tudo menos altruísta, mas sim arrogante e vexatório para o país do continente americano. Contudo, e mesmo e perante estas vozes dissonantes, Simone Biles não arredou da sua posição, fazendo questão de dar voz a todos aqueles que sofrem do mesmo problema (seja no desporto ou fora dele), convidando-os a também se fazerem ouvir de modo a forçar mudanças no desporto e sociedade, naquilo que tem de ser visto como um movimento em prol da sanidade mental e compreender as falências psicológicas do próximo.

O AJOELHAR QUE FEZ TREMER A CASA BRANCA

O perceber de como um atleta pode ser uma voz forte contra a indiferença ou na luta contra a descriminação, foi algo que surgiu no caminho de Colin Kaepernick, o antigo jogador de futebol-americano que se sentou durante o hino dos EUA num jogo de pré-época dos San Francisco 49ers, num acto contra a opressão racial, a descriminação continua e as agressões bárbaras policiais ou de forças de poder que os afro-americanos eram/são sistematicamente vítimas, mudando para sempre o desporto nos EUA.

Este acto adveio quando o trumpismo começou a ganhar força no Verão de 2016, dando uma vitalidade preocupante aos grupos de extrema-direita que durante a presidência de Donald Trump sentiram-se livres para atacar comunidades de afro-americanos (subida do número de casos de agressões e mortes por hate crime entre 2017 e 2019), asiáticos, judeus, muçulmanos e todos aqueles que não se encaixavam no protótipo de “cidadão dos EUA puro”, dando voz a todas estas minorias num dos principais palcos desportivos da América do Norte e, porque não, Mundo.

O resultado foi que Colin Keapernick acabou relegado para uma posição muito fragilizada dentro dos San Francisco 49ers, ainda por mais quando continuou a ajoelhar-se em todos os jogos da NFL, levando mesmo a Donald Trump exigir aos donos dos clubes desta liga para despedirem os jogadores que estivessem a se ajoelhar perante o hino e a bandeira, algo que acabou por martirizar para o bem, e mal, do antigo quarterback. Após este acto, a carreira de Keapernick terminou por completo, com nenhum clube a ter coragem para recrutá-lo, numa tentativa de silenciar este tipo de luta ou, pelo menos, tirá-las dos campos de jogo da NFL… felizmente, o movimento que o quarterback deu voz a partir daquele Verão de 2016 não se extinguiu, diversos outros atletas profissionais juntaram-se e apelaram ao combate contra a descriminação racial, lembrando do poder que o voto tem para mudar a vida de um todo, especialmente na procura da igualdade e equidade para tudo e todos.

O COMBATE AO COVID-19 PELOS GESTOS DE RAYSSA LEAL

Por fim, Rayssa Leal, a atleta do skateboarding brasileiro que conquistou a medalha de prata em Tóquio, tratou de fazer um vídeo de twitter a explicar os perigos do SARS-CoV-2, passando pelos cuidados a ter, para além de deixar uma mensagem directa para todos aqueles que não se preocupam em proteger o próximo, levantado a ira os apoiantes de Jair Bolsonaro. Têm escasseado os representantes do desporto profissional canarinhos com coragem para lutar contra as fake news, a desinformação completa e as ameaças de agressão física potenciadas pelo presidente brasileiro (entre os erros e falhanços crassos, apresentou sempre uma postura de negacionista, anti-vacinas, de não se preocupar com os seus cidadãos, etc), e Rayssa Leal acabou por ser a improvável heroína sem medo de levantar a sua voz, mesmo que isso representasse ser contrária ao cargo político de maior importância do Brasil.

Aos 13 anos, a extraordinária desportista canarinha só precisou de uns quantos minutos para dar voz a todos aqueles que têm sido afectados pelo covid-19 e contra todos os outros que, tendo a hipótese de ajudar nesta luta contra a pandemia, optam por negar os efeitos e impacto da mesma, ridicularizando e perseguindo os restantes. Para quem ainda está naquela fase entre a infância-juventude, Rayssa Leal demonstrou um comportamento mais certo que pessoas mais experientes, sem medo das consequências ou de ser vítima do escarnio e ódio destilado nas redes sociais.


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