A Copa do Nordeste já se consolidou como uma das principais competições no início de época, e a Ginga Canarinha analisa os favoritos
A Copa do Nordeste já se consolidou como uma das principais competições no início de época, e a Ginga Canarinha analisa os favoritos
Na Mitologia Grega, os deuses do Olimpo decidiam o futuro dos mortais aqui na Terra. Atualmente, os dirigentes da Conmebol e das emissoras de TV decidem o futuro dos mortais adeptos dos clubes brasileiros, Negociações, blefes, influências políticas, decisões obscuras, Confira aqui o sofrimento da torcida na difícil tarefa de acompanhar seus clubes do coração na principal competição da América do Sul.
Maior emissora de televisão do Brasil, trava briga com Flamengo por causa dos direitos de transmissão de jogos por TV aberta, TV fechada e PPV no Campeonato Carioca. O Mengão se apoia na Medida Provisória editada na semana passada pelo presidente Bolsonaro
Quem acompanha o podcast ¨Ginga Canarinha¨ sabe que futebol e política andam sempre lado a lado no Brasil. Pois bem, o presidente Jair Bolsonaro alterou na última quinta feira a Lei 9615/98, conhecida como ¨Lei Pelé¨, num ato que pode mudar radicalmente o futuro do futebol no país.
O assunto é complexo e tem múltiplos aspectos. Vamos tentar destrinçar todos estes pontos e entender os impactos políticos e esportivos desta medida.
Vamos começar pela explicação da legislação no Brasil. O presidente assinou uma Medida Provisória (MP). A MP, como o próprio nome diz, é provisória e tem validade a partir de sua assinatura até o prazo máximo de 60 dias, prorrogável por mais 60 dias. Para virar Lei, a MP precisa ser votada pelas Casas Legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Caso isso não ocorra, ela perde a validade e deixa de existir. Pois bem, na própria quinta feira, alguns minutos depois da assinatura da MP, o Presidente da Câmara, Deputado Rodrigo Maia, já sinalizou que colocará o assunto em pauta. Ou seja, essa MP tem tudo para realmente se tornar Lei.
Agora vamos ao cenário. No Brasil, a Rede Globo é a maior e mais importante emissora do país e detém os direitos de transmissão de todos os jogos dos principais campeonatos. Existe uma ¨guerra não declarada¨ entre a Globo e o presidente Jair Bolsonaro. A equipa do Flamengo, atual campeã brasileira e detentora da maior torcida do país, também não morre de amores pela emissora.
Na última quarta feira, um dia antes da assinatura da MP, Bolsonaro convidou o presidente do Flamengo para a posse do novo Ministro das Comunicações, o Deputado Fábio Faria. Ocorre que Fábio Faria é casado com Patrícia Abravanel, que por sua vez é filha de Sílvio Santos, empresário e dono de uma emissora de televisão – o SBT – um dos principais concorrentes da Rede Globo na briga pela audiência. Em outras palavras, o presidente nomeou como Ministro das Comunicações o genro do dono da principal concorrente da Globo.
Mas afinal, o que diz a MP 984 que pode mudar o futuro do futebol no país? São duas as principais mudanças. A primeira delas é pontual: altera o tempo mínimo de contrato dos jogadores com suas equipas. Com a pandemia e a paralisação dos campeonatos regionais, muitos jogadores tiveram seus contratos encerrados. A Lei antiga não permitia contratos com validades inferiores a 90 dias. A mudança reduz o tempo mínimo para 30 dias. Quando o futebol retornar, muitas equipas ainda terão duas ou três rodadas a cumprir, e um contrato de 90 dias seria muito prejudicial a esses times. A alteração beneficia então as pequenas equipas e praticamente não afeta as grandes.
É a segunda alteração que causa mais polêmica e tem um ¨efeito bomba¨ sobre o futebol brasileiro: ela trata dos direitos de arena (transmissão) dos jogos dos campeonatos regionais e nacionais. Antes da publicação da MP, a emissora só poderia transmitir uma partida se tivesse contratos assinados com as duas equipas da disputa. A MP determina que para um jogo ser transmitido, basta contratar a equipa mandante da partida. Com isso, cada equipa pode vender seus direitos de transmissão pra quem ela bem entender, não dependendo do contrato do adversário. Na prática, é o fim do monopólio da Globo no futebol brasileiro.
Porém, não se quebra um monopólio de mais de 20 anos da noite para o dia. A maioria das equipas tem contratos assinados com a Globo, e pela legislação brasileira estes contratos são considerados negócios jurídicos perfeitos, ou seja, tem validade até o seu final, independente da legislação ser alterada durante a vigência do contrato. Na prática, isso significa que os próximos campeonatos brasileiros terão pouca ou nenhuma alteração com relação às transmissões. Na média, os contratos das equipas da Série A do Brasileirão com a Globo vão até 2024. Isso não se aplica aos campeonatos regionais, que tem contratos específicos.
Apesar disso, o imbróglio já se instala: na retomada do campeonato carioca na data de ontem, por exemplo, na partida entre Bangu e Flamengo, a Globo possuía os direitos de transmissão do Bangu, mas não assinara com o Flamengo. Assim, pela lei antes da MP, não poderia transmitir o jogo. Mas após a MP não teria problemas, tendo em vista que o Bangu foi o mandante. A Globo decidiu não transmitir, visando não abrir precedentes e obter uma proteção jurídica frente a futuros problemas.
Não demorará muito para as coisas se complicarem. Em breve, teremos as finais do campeonato carioca e tudo indica que o Flamengo vai disputá-las. Como não houve acordo entre a equipa e a Globo, o time de Jorge Jesus não terá seus jogos transmitidos. A Globo ofereceu cerca de três milhões de euros pelos direitos de transmissão. O Flamengo queria 17 milhões. Em seguida, o Flamengo baixou a pedida para 13,5 milhões. A Globo não aceitou. Todas as demais equipas do Rio de Janeiro assinaram seus direitos de arena com a Globo. Em outras palavras, uma meia final ou final entre Flamengo e Botafogo, por exemplo, não poderia ser transmitida pela lei antes da MP, mas pode ser transmitida pela lei atual. Porém, já existe um contrato assinado pelo Botafogo com a Globo, e assim a partida não poderá ser transmitida. É claro, líquido e certo que essas decisões extrapolarão o relvado e irão para os tribunais.
No Brasileirão a situação é um pouco mais calma. Como a maioria das equipas já assinaram com a Globo, não teremos problemas a curto prazo. Mas existem três equipas, Athletico, Coritiba e RB Bragantino, que não acertaram com a emissora. Sendo assim, nas partidas que envolverem as três, vale a regra nova. Nas demais, prevalece a regra antiga.
Vale lembrar que toda essa alteração ocorreu sem consulta prévia a nenhuma equipa e muito menos à CBF, que é a entidade máxima do futebol brasileiro. O renomado Gustavo Binenbojm, Professor Titular da Faculdade de Direito da UERJ, comentou sobre o tema para o portal Globo Esporte:
“A Medida Provisória editada sem observância dos requisitos constitucionais de relevância e urgência, sem que tenha sido antecedida por qualquer debate público e com objetivo aparente de beneficiar específicas e determinadas entidades privadas, na verdade configura um caso de típico desvio de finalidade legislativa. E pode até caracterizar ato de improbidade contra a administração, levando à configuração de crime de responsabilidade passível de punição com a perda do mandato por impeachment”.
Com toda essa situação, a pergunta que fica é – quem ganha e quem perde com a mudança? A resposta pode parecer simples, mas não é. Equipas grandes com certeza irão se beneficiar, pois terão mais liberdade e poderão leiloar seus direitos, obtendo melhores contratos. Quanto às equipas menores, o resultado é uma incógnita. Elas poderão optar pela segurança de um contrato longevo com valor mais baixo, ou arriscarão na negociação jogo a jogo, obtendo valores superiores e se expondo ao risco. É como um investimento, vai depender do perfil dos seus dirigentes.
Por fim, a última mudança da MP – emissoras e programas de TV poderão patrocinar as camisolas das equipas. Assim, o que se viu na final da Copa João Havelange no início do século pode se repetir: a Globo transmitir um jogo entre duas equipas patrocinadas por emissoras ou programas de TV concorrentes.
O lado bom de tudo isso é que teremos mais motivos para os amigos do podcast ¨Ginga Canarinha¨ comentarem sobre a bagunça do futebol brasileiro. Como se diz por aqui, ¨o Brasil não é para amadores¨.