Uma Fórmula 1 sem a fórmula desportiva
Pensei em várias formas de escrever este artigo, acabando por decidir escrevê-lo em forma de desabafo. Este desabafo vem como consequência do anúncio da transferência do Grande Prémio de Espanha do mítico Circuito da Catalunha para as ruas de Madrid a partir de 2026, isto na Fórmula 1. Aliás, não é apenas uma consequência deste anúncio, consideremos que foi a última gota de água num copo que já estava para transbordar.
Madrid to host the Spanish Grand Prix from 2026! 🇪🇸
Featuring a brand-new circuit located in the city of Madrid!
Here's all you need to know 👇#F1 @IFEMA pic.twitter.com/KHucpnlDZV
— Formula 1 (@F1) January 23, 2024
Acompanho a F1 desde 2015, tinha eu 11 anos e os grandes nomes eram nada mais, nada menos que Lewis Hamilton, Nico Rosberg, Fernando Alonso, Sebastian Vettel, Kimi Raikkonen, tendo ainda um nome emergente, um tal de Max Verstappen. Desde então, tenho assistido a uma degradação naquilo que são os interesses desportivos do automobilismo em prol dos interesses financeiros, que, a mim, entristecem-me verdadeiramente.
Nomeadamente, esta substituição de pistas convencionais, por pistas citadinas. Desde 2015, foram estreadas seis pistas, nas quais quatro são citadinas e as outras convencionais – nesta contagem não estão incluídas as pistas de Portimão e de Mugello, uma vez que estas apenas contaram em resposta à pandemia da Covid-19, nem a entrada do Circuito Urbano de Hanói para o GP do Vietname, que acabou por não acontecer por causa da pandemia e de um escândalo de corrupção a envolver a organização da prova. Quanto às perdas, as pistas de Hockenheimring e Sepang foram removidas, além do Autódromo de Sochi, mas este deve-se à invasão da Ucrânia pela Rússia. Arrisco-me a dizer que mal termine a guerra na Ucrânia, a FIA entenda voltar a correr na Rússia, quer seja em Sochi, quer seja em Igora Drive, um circuito localizado a 54km de São Petersburgo, que estava planeado receber a F1 a partir de 2023. Mas voltando ao ponto desta substituição de pistas convencionais por urbanas, se me perguntarem se me oponho aos circuitos citadinos, respondo prontamente que não.
O meu desagrado vem com facto de o grande critério para estas escolhas ser o preço pago para ter a F1 nesses países. Por exemplo, em 2022, quatro dos cinco maiores pagadores eram países organizadores de Grandes Prémios citadinos. Qatar, Azerbaijão e Arábia Saudita pagavam 55 milhões de dólares, já Rússia pagava 50 milhões. Só estes quatro garantiam 215 milhões de dólares aos cofres da F1 e da FIA. Se pegarmos nos quatro Grandes Prémios mais antigos do calendário (Grã-Bretanha, Itália, Bélgica e Mónaco), a quantia combina chega, apenas, aos 87 milhões de dólares.
Pelo meio, sacrifica-se um verdadeiro campeonato do mundo, em que marcaria uma forte presença em todos os continentes. Olhemos para o paradigma de 2024 e dos próximos anos: nove GP’s na Europa, oito na Ásia, quatro na América do Norte, um na América Central, um na América do Sul, e um na Oceânia. A pergunta que faço é: não há possibilidade de distribuir isto de uma melhor maneira? Por exemplo, pegar em duas das três provas nos Estados Unidos e acrescentar em África. No caso, África do Sul, Senegal, Marrocos e Egito parecem-me os países mais bem colocados para fazê-lo acontecer. Marcar presença na Argentina, na Nova Zelândia, na Ásia Central (Índia ou Cazaquistão) e noutros países que, com certeza, merecem aparecer no mapa.
Irrita-me também as burocracias necessárias para a entrada de montadoras na F1. Porsche, Toyota, BMW, Hyundai, Alfa Romeo e Peugeot já demonstraram interesse na entrada do seu talento na F1, no entanto, a elevada burocracia, os elevados preços pedidos pela F1 e a pouca liberdade para as equipas serem criativas, acaba por levar a que estas organizações optem por outras categorias do desporto automóvel, tal como o WEC. Outras organizações privadas como a Andretti, Hitech e Prema demonstraram interesse, mas os requisitos são os mesmos. Diria que a F1 perde imenso com isto e as outras categorias ganham notoriedade ao captar os “rejeitados” do pináculo do automobilismo.
Enfim, podia falar das incoerências da direção de prova, das equipas, dos pilotos, da falta de verdade desportiva ou de muitas outras coisas, mas vale o que vale. Talvez este assunto não deveria preocupar-me tanto numa altura em que o país está envolvido em três “terramotos políticos”, mas como geralmente utilizamos o desporto como forma de escape para nos distrairmos dos problemas do dia-a-dia, decidi trazer este desabafo à tona. Resta-nos esperar que 2024 nos dê uma incrível temporada de Fórmula 1.