Uma águia brasileira em vôos europeus: a viagem de Rapha Monteiro

Lucas PachecoDezembro 21, 20226min0

Uma águia brasileira em vôos europeus: a viagem de Rapha Monteiro

Lucas PachecoDezembro 21, 20226min0
É uma das estrelas do SL Benfica que promete crescer ainda mais, ela é Rapha Monteiro que Lucas Pacheco analisa com atenção

Desde que o técnico José Neto assumiu a seleção brasileira, houve um incentivo às jogadoras para migrarem à Europa. Experimentar outras ligas, disputar competições mais diversificadas, conviver com esquemas táticos mais arejados: as razões do incentivo eram claras e o próprio técnico mencionou em algumas entrevistas. Se a liga nacional brasileira tem calendário restrito, com poucas equipes, a ida à Europa aumentaria a intensidade do jogo, repercutindo na seleção. Damiris Dantas restringiu seu vínculo à WNBA; Clarissa e Nádia, com mercado em bons clubes europeus, sofreram com contusões; Érika, em fase final da carreira, permanece com portas abertas, porém em clubes menores. Paradoxalmente, quem mais brilhou no “caminho europeu” foi justamente a jogadora menos utilizada na seleção brasileira nas últimas competições: Rapha Monteiro, jogando pelo Benfica, sagrou-se campeã nacional, MVP da liga portuguesa e das finais.

E, na atual temporada, dá um salto junto à equipe rumo às competições europeias.

A liga portuguesa recebe a maior parte do contingente de jogadoras brasileiras; a despeito do sucesso em quadra, muitas ressalvas são levantadas quanto ao nível da liga. Jogadoras de composição de elenco na liga brasileira possuem números muito melhores, e protagonismo, em Portugal, gerando certa desconfiança no Brasil. Por muito tempo, perguntava-se como seria o rendimento em níveis mais elevados. Nesta temporada, tiramos a “prova dos nove” com o Benfica na Eurocopa; como Rapha Monteiro desempenha no segundo principal torneio de clubes da Europa?

O Benfica classificou-se para a segunda fase do torneio, acumulando 5 vitórias e 1 derrota. As portuguesas superaram a fase de grupos com autoridade, avançando precocemente após vencer os quatro primeiros jogos. Na derrota para o belga Namur, a equipe não contou com a ala-armadora Ana Rodrigues, desfalque importante para um elenco com rotação de 8 jogadoras. Ou seja, a equipe passou sem sobressaltos, executando um basquete organizado e eficiente.

Na armação, Joana Soeiro dita o ritmo do jogo e sua liderança em quadra traduz-se em números excelentes, com média de 8 ast por jogo, para apenas 1,8 desperdícios. O que a coloca como a segunda melhor no quesito em toda a competição. Ao seu lado, a já citada Ana Rodrigues e a reserva imediata Marta Martins dão sustentação à armação, trazendo o adicional das bolas de três (aproveitamentos respectivos de 38,5% e 40,7%). A equipe joga sempre com duas pivôs em quadra, cuja rotação inclui a norte-americana Courtney Warley, a croata Katarina Trehub e as portuguesas Joana Cristelo e Carolina Cruz.

O técnico Eugénio Rodrigues maneja seu garrafão conforme os confrontos específicos e a fase de cada pivô, alternando as duplas em quadra. Se Warley e Trehub produzem com maior eficiência próximas à cesta, Carolina Cruz espaça a quadra e fornece outra possibilidade de chutes longos. E a brasileira?

Rapha Monteiro é a “estrela” do time. Ela praticamente não descansou nas seis partidas, acumulando média de 38,7 min por jogo. Para quem acompanha sua carreira no Brasil, salta aos olhos sua posição: ela joga integralmente na posição 3, sempre acompanhada de duas pivôs. No lado defensivo, seu atleticismo e explosão inibem as principais peças adversárias do perímetro. Na estreia, contra as suíças do Elfic Friburgo, a virada aconteceu quando Rapha responsabilizou-se pela marcação da boa chutadora Gabby Nikitinaite; contra o belga Namur, a brasileira marcou a ala norte-americana Aaliyah Wilson, draftada pelo Indiana Fever em 2021. Sem desperdiçar seu instinto pelos rebotes (8,7 em média, líder da equipe na competição), Rapha utiliza sua versatilidade defensiva para cobrir todas as lacunas, sem preocupação com o déficit de altura contra pivôs mais altas.

No ataque, Rapha desempenha a função normalmente atribuída às norte-americanas – pontuação e gravidade. Ela é o centro das ações ofensivas do Benfica, com 17,5 arremessos de média por partida, quase 8 a mais que a segunda jogadora. O protagonismo reflete-se ainda na pontuação: cestinha com 16,3 pontos. Sem iniciar as ações ofensivas (outra diferença em relação ao Brasil), ela espera por movimentações e bloqueios para receber a bola; com espaço, busca a cesta, se a marcadora aperta, ela retorna a bola para dar continuidade à movimentação coletiva.

Eugénio Rodrigues extrai o sumo de Rapha Monteiro, já que ela é uma excelente bloqueadora sem a bola; particularmente Warley aproveita-se da estratégia, recebendo no poste baixo após receber corta-luz de Rapha. A parceria com Soeiro é outro atrativo, uma vez que a visão de quadra da armadora casa perfeitamente com as movimentações da brasileira, sem mencionar os contra-ataques mortíferos.

Como comparação, na liga brasileira (LBF), a temporada de 2022 marcou o ápice na pontuação – seus 16,1 pontos por jogo pelo Ituano estão abaixo da média na Eurocopa. Mesmo quando foi coroada MVP da temporada regular, em 2019 pelo Sampaio, sua média foi 11,7, quando atuou mais como facilitadora para um elenco estrelado. A excelência do esquema tático do Benfica potencializa as características de Rapha, assim como esconde uma tendência aos desperdícios: 2,5 ast para 2,7 desperdícios de média (relação ast/turnover similar às suas médias na LBF).

Importante ressaltar: os bons números de Rapha Monteiro na Eurocopa excluem os arremessos de três. Seu aproveitamento de 12,9% reduz a eficiência e não traduz as médias superiores a 35% nas duas últimas edições da LBF. Se ela melhorar nesse aspecto, pode tranquilamente superar a marca dos 20 pontos por jogo.

Outro detalhe importante é o contexto da equipe. O Benfica pretende dar esse salto rumo ao continente, uma vez que vem dominando a liga portuguesa nos últimos anos. Para isso, manteve a estrutura e as principais peças da temporada passada, fato raro no Brasil. O entrosamento visto em quadra reflete um crescimento coletivo da equipe, com um projeto consolidado e que tende a crescer ainda mais. Essa foi a razão das aspas ao nomear Rapha como a estrela da equipe: ela é a protagonista de um coletivo bem organizado, sem responsabilidade excessiva. Ela atrai o foco, sem se sobrepor a suas companheiras; ao contrário, potencializando ainda mais suas colegas.

Logo nas primeiras semanas de 2023, nos dias 05 e 12, serão disputados os playoffs contra as espanholas do Cadí La Seu. Mais uma oportunidade de ver o desempenho de Rapha, contra uma adversária forte, acostumada à competitiva liga espanhola. O Cadí vem de um grupo equilibrado na primeira fase da Eurocopa e adicionou outra ala draftada pela WNBA em 2021. Stephanie Watts deve bater de frente com Rapha, outra chance para nossa brasileira mostrar seu talento.

Enquanto recebe pouco tempo e destaque na seleção brasileira, Rapha Monteiro brilha na Europa. Em janeiro, os torcedores brasileiros estarão na torcida por mais duas boas atuações – e, quiçá, duelos ainda mais duros nas fases seguintes.

Foto de Destaque de Federação Portuguesa de Basquetebol.


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