Rugby Português: o que tem de ser dito e o que vale a pena ser dito

Francisco IsaacMaio 4, 201817min0

Rugby Português: o que tem de ser dito e o que vale a pena ser dito

Francisco IsaacMaio 4, 201817min0
Um acontecimento negativo deverá se sobrepor sobre todos os outros acontecimentos positivos? Uma discussão sobre o momento do Rugby Português para o bom e o mau

“Rugby is a beastly game played by gentlemen.”,

Esta frase é atribuída a Henry Blaha, um individuo que terá jogado rugby algures durante o século XIX. É um apanhado de palavras que ainda hoje é repetido exaustivamente pelo público para atribuir um factor qualitativo positivo à modalidade.

A frase completa-se com uma crítica ao futebol, mas uma vez que os valores do Rugby passam pelo Fair Play, respeito e amizade, há que estender o ramo de oliveira à redonda.

Como nota pessoal, prefiro citar uma frase do qual não se sabe quem foi o seu autor mas que ao mesmo tempo faz pensar, rir e perceber a coragem de quem joga esse mundo da oval,

“Rugby is played by men with odd shaped balls” (nos dias que correm, acrescentar women/mulheres à frase).

Ainda há uma série de outras expressões que vale a pena conhecer, como:

“Rugby is a good occasion for keeping thirty bullies far from the centre of the city”, de Oscar Wilde (pelos vistos, o rugby não era da predileção do escritor do século XIX)

Ou,

“Rugby is great. The players don’t wear helmets or padding; they just beat the living daylights out of each other and then go for a beer. I love that”, de Joe Theismann (uma das lendas da NFL durante os anos 70-80).

Mas a frase que é estupendamente diferente e que define, por vezes, a agressividade excessiva que surgem em alguns jogos, é a de Elizabeth Taylor, uma das mais reputadas actrizes de sempre de Holywood,

“I prefer rugby to soccer. I enjoy the violence in rugby, except when they start biting each other’s ears off.”.

Para os que estão com mais atenção a este preâmbulo inicial, este artigo não é para falar (na sua maioria) dos acontecimentos da meia-final entre AEIS Agronomia e GD Direito, que ditou o apuramento para a final dos agrónomos  (pelo 2º ano consecutivo).

O jogo em si foi, pelo que todos já sabem, um turbilhão de emoções, gestos e de situações que tanto demonstraram o “pior” da modalidade como o “melhor”.

Pior pelas cenas extra-rugby, pela confusão e as agressões que se registaram aos 3 minutos de jogo, pelo clima de indisciplina e agressividade sentida, que alastrou até à bancada (ou terá sido ao contrário?).

Melhor, porque no meio de uma greve da ANAR (legal e com uma base de argumentação que avançou precisamente na pior hora possível, mas que tinha esse intuito) os clubes escolheram um árbitro que deu o seu melhor e fez jus não à sua classe, mas sim ao  que aprendeu na modalidade (era impossível fazer melhor sem o auxílio dos árbitros-auxiliares oficiais).

Melhor, porque foi um jogo muito disputado, agressivo, físico, com duas equipas a quererem chegar ao objectivo máximo pelo qual lutaram durante os últimos 9/10 meses.

Não, não foi o melhor rugby praticado em Portugal, pois nem vimos aqueles rasgos da dupla Fijiana-Alentejana da Tapada, nem tivemos Sousa Guedes a bater o pé e a fazer um sprint de 60 metros sem que ninguém conseguisse apanhá-lo.

Melhor, porque a bancada estava completamente cheia, assim como os restantes espaços verdejantes (o sonho do antigo Presidente da AEIS Agronomia, Carlos Amado da Silva, de construir uma bancada faria jeito nestes encontros) numa altura crítica do rugby português.

Melhor, porque novamente estiveram mais de seis fotógrafos a capturar a sua “paixão” que muitas vezes já extravasa do fim-de-semana para a semana laboral (lembrar, que na sua maioria são simples apaixonados pela oval), assim como a imprensa desportiva.

Contudo, o que interessou no final de contas foram os acontecimentos depreciativos e que em nada defendem os verdadeiros valores da modalidade.

Mas verdade seja feita, a comunidade portuguesa da oval defende esses mesmos valores todos os dias? Ou sequer acredita neles?

Entre o final de jogo e a data de lançamento deste artigo, seguiu-se a divulgação das imagens tanto a nível de redes sociais, imprensa digital ou imprensa televisiva. Uns quantos vídeos de poucos minutos e muitos segundos parece que serviram para ditar o Julgamento Final ao rugby português.

Seguiram-se os comentários, as observações, as críticas, a mágoa e revolta perante o que se passou. Todos têm o direito de exprimir, todos têm o direito à sua liberdade de darem uma opinião.

Todavia, o que as pessoas/comunidade não têm direito de fazer é se exprimir sem olhar para os factos por inteiro, ter noção de tudo o que se passou e ouvir os protagonistas. O direito de se informar é tão ou mais forte que o de se exprimir.

Vicissitudes do Mundo actual? Ou vicissitudes consagradas pelo homem contemporâneo que compreende mal a diferença entre notícia e informação?

Para além dos reparos, também se seguiram as punições por parte de vários intervenientes: ora uma parte desejava que as equipas descessem de divisão e fossem suspensas do seu escalão sénior durante um par de anos, enquanto outros exigiam uma final diferente, excluindo o vencedor do AEIS Agronomia-GD Direito.

O Rugby Português não fugiu à chuva da Tapada (Foto: José Vergueiro Fotografia)

Acrescentar, que facilmente se atribuiu culpas à Federação Portuguesa de Rugby (que não está imiscuída dos acontecimentos durante o encontro) por não estarem árbitros oficiais em campo (mais uma vez, os árbitros-auxiliares tinham feito toda a diferença).

Os problemas entre a instituição e a entidade que representa os árbitros portugueses são vários e, no qual, se tem arrastado nos últimos anos.

Mas para quem não tem estado com atenção, não se deveu a dívidas (que ao que o Fair Play apurou estão quase saldadas na sua totalidade) mas à falta de carinho, atenção e respeito que se tem tido com um dos pormenores mais importantes do jogo: os árbitros.

São raros os clubes que procuram no seu âmago trazer ex-jogadores para o campo com o apito na mão; o orçamento tem vindo a ser cada vez mais magro para este hobby que não é hobby, que já é mais uma profissão nos dias do suposto descanso; e a falta de condições estruturais e técnicas para se “cultivarem” melhores árbitros.

Coincidentemente, a maioria dos juristas e juízes não tinham tido acesso a todas as imagens ou sequer ao vídeo do jogo por inteiro; não tinham conversado ou dialogado com os protagonistas, sejam árbitros, jogadores, treinadores, fisios, directores de equipa ou qualquer membro da direcção; não tinham feito o trabalho de diferenciar rumor e opinião de argumento verificado ou fonte; não tinham sequer tido o tempo de olhar para os factos na sua totalidade.

Cada cabeça, uma sentença (provérbio português).

Com isto, não se está a retirar um percentil do impacto negativo que se originou devido às situações do encontro já falado.

Contudo, a hiperbolização dos actos negativos, as fake news veiculadas pelos adeptos e, mais importante, pela comunicação social (exemplo, o jogo não terminou dez nem vinte minutos antes do tempo,não existiram jogadores de campo a lançar-se numa sessão de agressões sem igual após o apito final e o árbitro não sofreu qualquer tipo de agressão nem foi atirado para o chão) e as várias sentenças só agudizaram dois problemas que não vem de há 2, 3 ou 5 anos.

Uns poderiam dizer, estabilidade; outros diriam, condições económicas e estruturais; ou ainda, a falta de coerência nas decisões entre Federação Portuguesa de Rugby e os seus “deputados”, ou seja, clubes. Mas não é desses que falamos.

Então quais? O da falta de espírito de união e a noção que tem de existir um equilíbrio e um encontro de ideias para dar outra forma à boa matéria-prima que existe no rugby português (sempre somos bicampeões europeus de sub-20, estivemos nos últimos 4 anos no Top-4 dos sub-18, temos uma boa variedade de atletas a jogar fora do país, etc).

Quantos jornais, canais, páginas, grupos fizeram questão de mencionar que os Jaguares, aquela parceria única entre ER Galiza e St. Julians, levantou o seu primeiro título ao fim de um ano de existência?

Ninguém se preocupou para falar de um projecto que ganhou “asas” e que tem dado outra expressão ao rugby social e comunitário, quase sem igual (há vários clubes que também o fazem, caso do Belas Rugby, CR São Miguel, entre outros).

E o finalista vencido, o Rugby Clube de Elvas que no ano passado se viu privado de avançar para a fase-final por detalhes burocráticos e aguentou essa situação para voltar em força nesta época?

Se não fossem os fotógrafos no local, poucos se lembrariam de uma final do CN3 que merecia outra atenção, carinho e respeito.

The Jaguares way! (Foto: Facebook ER Galiza)

Acrescentar a isto, que no mesmo dia se disputou a final da Challenge, uma competição pouco amada mas que é uma das mais entusiasmantes em Portugal.

Os jogadores do CDUL e GD Direito deram brilho a um jogo que culminou mais uma época intensa, exaustiva e divertida desta divisão que vive numa dimensão paralela em relação ao CN1.

Relembrar que os universitários tiveram uma daquelas épocas amargas, enquanto que os advogados estão num momento de reestruturação do seu clube após uma boa aposta num segundo campo de rugby.

No final do encontro, a forma como as duas equipas técnicas se cumprimentaram e agradeceram pelo jogo deveria ter surgido em massa nas redes sociais.

Mais uma vez, ficou provado que o público se centra mais no mau, do que ressalvar o bom. Não significa que ao mencionar e elogiar o bom se esteja a esquecer do mau, ou a tratá-lo como secundário. Significa sim, demonstrar que o rugby português tem várias tonalidades e que na sua larga maioria é positiva.

Reparem que a final do CN2 vai ser jogada no sábado e pouco ou nada se ligou aos seus intervenientes ou organizadores.

O CR São Miguel chega a uma final depois de anos de reestruturações e idealizações, conseguindo nesta época o desejo proposto pela sua direcção há vários anos atrás. Um clube que se dedicou em fundir-se com as suas raízes comunitárias (Alvalade é rugby, quer queiram ou não) e preocupou-se em ser diferente.

E o CRAV, que já foi daquelas equipas muito complicadas de derrotar em casa (aquele bloco avançado ainda hoje traz lembranças tenebrosas aos seus adversários), desceu de divisão e aproveitou esse “problema” para formatar e repor a equipa no caminho certo.

Ambas chegam à final depois de muitos jogos, lesões, ensaios, placagens, pontapés por cima (e por baixo), penalidades, formações ordenadas, mauls e tudo mais (menos drops, um pormenor que está a desaparecer do Mundo do rugby) e merecem sem dúvida o melhor da festa do rugby.

E onde é que vai ser a festa do CN2? Em Anadia, no campo do Moita-Bairrada, que chegou à frente para se assumir como mestre-de-cerimónias! Um clube que tem a sua Aldeia do Rugby, um tesouro tão bem guardado que nem Albert Uderzo e René Goscinny fariam melhor por inventar!

Tem tudo para ser uma final espectacular do rugby português, mesmo que não tenham protagonistas fantásticos, tem os protagonistas necessários para levantar a bancada.

A somar a isto, haverá transmissão em directo da final, proporcionada por uma série de intervenientes de última hora que se juntaram para dar ainda outro contorno a uma final sensacional (o link será disponibilizado no sábado!)!

A final do CN2 com direito a transmissão (Foto: FPR.PT)

Para além destes acontecimentos do passado e presente, houve ainda a participação da selecção feminina de 7’s do escalão de sub-18, que teve em França uma missão muito complicada… mas saíram de Vichy com o 8º lugar da geral. Enquanto 70% das suas adversárias estavam lá para conquistar um lugar nos Jogos Olímpicos da Juventude, Portugal foi para “beliscar” e se divertir, sem virar a cara à luta.

João Pedro Catulo liderou um grupo de jovens, que não tiveram a importância que deviam e mereciam. Mas foram, jogaram, divertiram-se e demonstraram que o rugby português passa pelo género feminino.

Não será este bom o suficiente para percebermos onde estão as grandes valências e valias do rugby nacional? É necessário alguém mostrar o caminho das pedras? É difícil termos outra postura dentro e fora de campo?

É necessário nomear ainda mais momentos bons da oval portuguesa? Então aqui vai: Bulldog Cup, Braga Rugby Youth Cup, Circuito Nacional de Touch Rugby (e pedimos desculpas antecipadas em caso de esquecimento de outra competição juvenil ou senior neste passado fim-de-semana) isto só para nomear alguns que se jogaram no último fim-de-semana.

Ninguém está a pedir para desculpabilizar os autores e infractores dos incidentes da meia-final, de forma alguma. Os próprios são responsáveis por admitir a sua culpa, apresentar um pedido de desculpas e aceitar as consequências que aí advenham em sede própria. E, crendo no bom senso dos envolvidos, estes o farão mesmo sabendo que há possibilidade de alguém não o fazer.

Mas ninguém pode pedir execuções punitivas histórico-extraordinárias como forma de lição e de exemplo para que nunca mais aconteça tal situação. Este tipo de demonstrações de extrema força só alimentam a discórdia, a revolta e criam problemas a médio-longo prazo que serão difíceis de resolver.

Castigos e penalizações sim, punições histórico-exemplares e que fujam ao que está consagrado na lei do desporto português não.

O rugby, melhor que qualquer outra modalidade (e agora entra um valor que poucos se lembram em trazer ao de cima), é um desporto de 2ªs oportunidades. Vejam o caso do infame Dylan Hartley, que em toda a sua carreira foi suspenso por 60 semanas em 12 anos como sénior.

Desde 2016 que é o capitão da selecção inglesa, selecção essa que viria a levantar duas Seis Nações, ganhar 18 jogos consecutivos e de voltar a dar outro contorno mais duro e enérgico ao rugby de Sua Majestade.

Dylan Hartley jogou 17 desses 18 encontros… não apanhou qualquer amarelo durante esse tempo todo e conquistou o respeito dos seus pares, adeptos e rivais. Não mereceu ele uma oportunidade (ou várias) para mudar o que estava de errado no seu comportamento?

Se fosse à luz da sentença exigida por parte dos comentadores portugueses, então Hartley teria terminado a sua carreira há alguns atrás e, talvez, a Inglaterra não teria conquistado metade dos troféus (o Mundo fantástico dos se’s).

Casos como de Hartley há e muitos, caso da selecção espanhola e dos seus jogadores que tiveram uma reacção infeliz perante o juiz de jogo do Bélgica-Espanha, no apuramento para o Mundial. A World Rugby e Rugby Europe estudaram o caso, de forma a perceber o que se tinha passado, como penalizar e explicar que o que se tinha passado fugia à modalidade. Resultado: a Espanha não desceu de divisão, nem foi e nem está impedida de jogar. Os seus jogadores mediante as imagens e inquirições declararam-se como culpados e aceitaram as penalizações.

Ninguém pode apressar, pressionar ou tentar demover as instituições de analisar, investigar, apurar e decretar as suas decisões.

Há que esperar, pacientemente para que se chegue a um entendimento. Por outro lado, a Federação Portuguesa de Rugby não poderá ver este momento como um mais vale prevenir do que remediar, baseando a sua decisão nos conflitos que têm surgido em alguns campos de rugby.

Neste momento, tomar uma acção exagerada e fora do que está recomendado pelos juristas, é demonstrativo que estamos mais preocupados com justiça popular do que justiça.

O rugby dos cavalheiros, o rugby dos homens de bolas estranhas, o rugby dos fanfarrões é também o rugby de todos. O exemplo dado pelos pais de jogadores do GD Direito e AEIS Agronomia deve servir para mostrar que há muito mais na vida que consequências punitivas ou julgamentos de uma dureza extrema.

Numa última nota, a secção de rugby do Fair Play foi o último “órgão de comunicação social” (não somos ninguém para nos acharmos acima dos outros ou algo mais do que somos hoje em dia, ou seja, uma página que fala e tenta discutir rugby sem se sentir como o baluarte da verdade ou comunicação) a olhar para os tais acontecimentos.

A isto se deveu o facto de não nos acharmos no direito de noticiar tudo sem olharmos para os factos, ouvirmos as pessoas, discutirmos pontos e reflectir bem sobre onde podemos adicionar algo mais.

Para os que desejam fazer parte do Mundo de autores de Desporto (ou de outra área) é necessário que não só respeitem os intervenientes (não significa isto que não os podemos questionar), como tenham em atenção ao que realmente se passou, baseando a sua argumentação em factos. Sem pressas, sem erros e sem exageros, por mais que isto não signifique uma onda de cliques em massa ou uma partilha de textos sem igual.

Foto: Fernando Vasco Costa Facebook

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