O que fica e marca: o impacto de Patrice Lagisquet e o staff nos “Lobos”

Francisco IsaacOutubro 6, 20239min0

O que fica e marca: o impacto de Patrice Lagisquet e o staff nos “Lobos”

Francisco IsaacOutubro 6, 20239min0
Antes de passarmos ao próximo capítulo, vale a pena relembrar a influência de Patrice Lagisquet e o seu staff na reconstrução dos "Lobos"

Posto que as notícias da saída de Patrice Lagisquet já ganharam o balanço suficiente, e que o próximo seleccionador será também de nacionalidade francesa e com alguma/considerável experiência no Top14 tanto como jogador profissional e treinador-adjunto, é importante parar a ida para o futuro um minuto, e perceber o que se passou nos últimos cinco anos.

Deixando já um alerta que este artigo não será extremamente profundo (isso será reservado para o pós-Mundial de Rugby 2023), é fundamental perceber como o antigo treinador-principal do Biarritz influenciou, em larga escala, o desenvolvimento nos séniores nacionais.

Patrice Lagisquet chegou ao rugby nacional por formas pouco conhecidas, e que um dia valerão a pena de contar ao público até para perceber a dimensão da pessoa em questão. Lagisquet chegou a uma equipa que tinha acabado de subir do Trophy, mas que necessitava seriamente de evoluir, garantir o retorno de peças fulcrais e se reorganizar desde as suas fundações. Efectivamente o seleccionador nacional fez um esforço profundo com o seu staff para perceber as valências e dificuldades do rugby português, nunca se colocando num patamar de arrogância.

Para além das melhorias mais que significativas da qualidade de jogo, o papel do seleccionador passou por construir pontes e trazer de volta jogadores que tinham sido maltratados e, a certa altura, proscritos por várias partes do rugby nacional: Francisco Fernandes, Mike Tadjer, Jean de Sousa, Samuel Marques, Anthony Alves, Ivo Morais, etc. Noutra dimensão, Lagisquet também teve a preocupação de tentar convencer vários clubes franceses a contratarem jogadores portugueses, percebendo que era fundamental certos atletas terem acesso a um patamar de exigência superior para o seu potencial efectivamente dar o salto merecido, como foi o caso de Rodrigo Marta, Raffaele Storti, entre outros.

O Portugal vs Roménia de 2020 (Foto: Luís Cabelo Fotografia)
O Portugal vs Roménia de 2020 (Foto: Luís Cabelo Fotografia)

O facto de que os “Lobos” passaram de uma selecção frágil e que já não conseguia ombrear com a Roménia ou mesmo Alemanha para um conjunto que disputava a formação-ordenada ou o resultado ante a Geórgia, País de Gales, ou Austrália, são provas mais que suficientes para perceber o sucesso do projecto de Patrice Lagisquet. E não esquecer de como os Lusitanos ofereceram uma espécie de estatuto semiprofissional a vários jogadores, oferecendo-lhes uma experiência física e mental de nível superior em troca da sua dedicação diária e que poderá ter comprometido a sua vida pessoal/profissional em certos momentos.

O facto é que a equipa técnica de Patrice Lagisquet aproveitou tudo de bom o que havia à volta do rugby português, inseriu-o dentro do seu modelo, apetrechou, desenvolveu e poliu até termos um produto de alto orgulho e que tem chocado constantemente tudo e todos nos últimos anos.

Curiosamente, é uma parte do público já se esqueceu daquele jogo enorme ante a Geórgia em Paris em 2020, ou como colocámos um Japão já em modo T1 em sentido em Coimbra, ou mesmo a Itália que só ganhou o encontro no Restelo nos últimos cinco minutos.

Sabendo eu que estamos perto do final, era fundamental que todos tomassem uma golfada de ar, olhassem para o quadro feito e não começassem a querer já se atirar para o próximo capítulo sem perceber o que foi atingido até este ponto.

Adicionando ao impacto de Patrice Lagisquet, é igualmente fulcral apontar para a dimensão da dedicação, experiência e conhecimento de Luís Pissarra e João Mirra, dois assistentes que foram, também eles, responsáveis por tudo de bom que se atingiu nos últimos quatro anos.

Luís Pissarra já tinha realizado um trabalho estrondoso nos sub-20, conseguindo fazer a ponte ideal para o que tinha sido desenvolvido nos programas de “Lobinhos a Lobos”, onde os sub-18 foram um patamar de relevância para o que se continuou a semear nos sub-20. Desde o conhecimento de jogo, o aumento da exigência física-mental, à capacidade dos jogadores de sub-20 portugueses terem de sofrer e saber dominar jogos em pontos que eram pouco usuais (formação-ordenada, maul e breakdown), foram elementos decisivos naquilo que vemos hoje em dia na equipa principal. Luís Pissarra, sem grandes arrogâncias e a mostrar serviço contínuo, manteve a mesma bitola na equipa principal e que o público deve se dar conta e entender da importância deste treinador manter-se na selecção – só influência do exterior não chega para o sucesso.

João Mirra está exactamente no mesmo nível, e foi ele um dos construtores da recuperação mental e táctica de Portugal de 2018 para a frente, estando na equipa técnica de Martim Aguiar e Nuno Damasceno que levaram aos “Lobos” ser promovidos para o Championship, fazendo a transição e mantendo-se no staff nacional. A leitura de jogo, a agressividade na tomada da decisão, o equilíbrio entre sair a atacar em velocidade e pausar as fases de jogo, e os detalhes técnicos, são tudo elementos que o também treinador do CF” Os Belenenses” rugby trouxe, implementou e foi capaz de conferir um brilho a já uma série de jogadores brilhantes, que precisavam só de novas directrizes e objectivos. O antigo internacional de 7s português é alguém que também se evitou de aparecer excessivamente à frente das câmaras, preferindo trabalhar exaustivamente para oferecer ao rugby mundial uma selecção massiva, dotada e competente.

Tentar esquecer o papel de José Paixão, David Gérard (os cinco meses que esteve com Portugal foram decisivos), Olivier Rieg, Michael Dallery, e todos os técnicos que trabalharam no definir como a equipa conseguiria jogar, é um insulto e querendo passar já para a próxima etapa sofregamente, à procura incessante de “informações e informações do próximo seleccionador”, mostra que ainda há algum caminho a fazer por todo o quadrante do rugby português, seja em Portugal, França, Inglaterra, África do Sul, ou qualquer outro espaço geográfico.

Decididamente o que Patrice Lagisquet e o seu staff técnico conseguiram montar foi uma estrutura séria, forte, impermeável à influência de terceiros, capaz de mostrar uma evolução constante e que ofertou um Campeonato do Mundo totalmente brilhante, ao ponto que selecções como a Austrália optaram por ir aos postes nas primeiras penalidades que lhes foram marcadas, numa demonstração que algo seriamente mudou.

O desenvolvimento do pathway dos sub-20 para os séniores, a construção de uma identidade e forma de jogar inspiradora, o conseguir ultrapassar objectivos atrás de objectivos, ganhar jogos ou contestá-los até ao último minuto frente a selecções Tier 1, o desenvolvimento dos Lusitanos como franquia de alta reputação, e mostrar que o profissionalismo e seriedade podem ser alcançadas no rugby nacional (com altos esforços… mas não esperaria outra coisa), são marcas que vão definitivamente marcar o desporto português, quer uns queiram ou não.

A partir daqui, o que interessa sobretudo é perceber qual vai ser o projecto para os próximos 4,8 e 12 anos, construindo a partir destas fundações, procurando pôr fim ao ciclo interminável de animosidade (“guerra” aberta e críticas justas são dois sentimentos e posturas díspares, ao contrário do que se pode pensar) e mau amadorismo que levou a Portugal sair das World Series, a descer de divisão para o Trophy, e a cair fora do interesse nacional.

É importante voltar a olhar para o sub-20 e sub-18, e até abaixo desses escalões, perceber como voltar a transformar estes jogadores não só em ganhadores (os sub-18 são bi vice-campeões europeus) mas em atletas com perfil para serem “Lobos”, e possibilitar a estes uma carreira no estrangeiro caso queiram ter essa experiência. Mas esta parte é o futuro, e hoje é importante ficarmo-nos pela actualidade.

A Patrice Lagisquet, Luís Pissarra, João Mirra, David Gérard, Hervé Duquerty (que saiu no entretanto) Olivier Rieg, Michael Dallery, José Paixão, Paul Labourdette, António Ferreira, José Carlos Rodrigues, Jan Jacques, Paulo Vital, Mónica Neves, Fernando Murteira, Pedro Galveias, António Amaral, e a todos os outros membros que compuseram este ramalhete dos “Lobos” de 2019 a 2023, não basta dizer obrigado… é necessário lhes garantir que os esforços e horas dedicadas serão um trampolim para 2027 e 2031, sendo que esperemos que todos eles fiquem à excepção de Patrice Lagisquet que já anunciou a sua renúncia.


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