Maori All Blacks e Moana Pasifika fizeram uma ode ao rugby espectáculo!

Francisco IsaacDezembro 5, 202010min0

Maori All Blacks e Moana Pasifika fizeram uma ode ao rugby espectáculo!

Francisco IsaacDezembro 5, 202010min0
Foi dos melhores jogos do Inverno de rugby internacional e Francisco Isaac explica o porquê nesta análise dos Moana Pasifika vs Maori All Blacks

28-21 foi o resultado final do embate dos Maori All Blacks versus Moana Pasifika e pode parecer um resultado “curto” e de rápida análise, mas na realidade foi dos jogos mais emotivos, apaixonantes, elétricos, pujantes e carregados de todos aqueles aspectos sórdidos e loucos que o adepto de rugby mais feroz gosta de ver, seja pela resiliência e alta fisicalidade na placagem ou na entrada no contacto, ou o surgimento de novas estrelas no rugby neozelandês e Pacífico em que se dá um “moinho” constante de offloads e skills soberbos pintando este embate histórico com um cromatismo extraordinário.

Que há para contar do duelo que colocou “irmãos” frente-a-frente, entre Maori All Blacks e Moana Pasfika? Tudo e tentámos não deixar muito mais de fora!

OS HAKAS QUE AINDA FAZEM BARULHO…

Um dos aspectos que criou mais expectativa passava pelos haka dos Maori All Blacks e pelo grito de guerra dos Moana Pasifika, e era deste combo de atletas nascidos ou com ligação familiar às Ilhas Fiji, Samoa e Tonga que reunia maior dose de mistério… no fim, ou aliás no início do jogo, acabámos por ter uma construção de um dos maiores hinos de amizade e ligação entre as “famílias” das Ilhas do Pacífico chamado de Tau Kaukauwa, uma dança de guerra dividida em três partes: o “Tau” significa “guerra” nos idiomas de Samoa e Tonga, enquanto o “Kau” é uma referência ancestral aos guerreiros das ilhas do Tonga, enquanto a conjugação de “Kaukauwa” significa forte e poderosos (virtuosismo quase) partilhado por fijianos e tonganeses.

A partilha de pontos culturais, a ancestralidade que se fez ouvir nos “filhos” dessa história rica dos povos que fizeram destas Ilhas do Pacífico a sua casa há milhares de anos atrás, criou desde logo um ambiente especial a um jogo já por si único e que fez ressoar todo o público que assistia, assistiu e vai assistir a este momento de união de entre três culturas e vivências. Do outro lado, os Maori All Blacks deixaram os seus fraternos companheiros lançar o desafio e quando tudo podia acabar num “normal” Haka, tivemos exactamente o oposto, pois brotou aí uma emotividade maior, de uma total demonstração de paixão e de querer disputar agressivamente o jogo com os Moana Pasifika. Se um lado já tinha feito o barulho suficiente para fazer vibrar qualquer pergaminho ou monumento que conta a história deste ponto geográfico do Mundo, então o outro manteve o nível e só ajudou a fazer perceber o porquê de ser tão importante relembrar e fazer valer os pontos culturais que realmente importam.

Para quem só vê nos Haka ou nestes Tau ou Kaukauwa como uma forma de expressar violência ou agressivadade gratuita, então é altura de entenderem que essas “noções” não só estão erradas como tentam limitar o que realmente são estas danças e cânticos, pois elas são a história viva de povos milenares.

SHAUN STEVENSON FAZ CORRER A BOLA E FOLAU FAKATAVA VAI FAZER CORRER TINTA…

Agora vamos às estrelas jovens que incendiaram o jogo da maneira que toda a gente gosta… ou seja, offloads, side steps, fintas de passe, pontapés curtos matreiros, entre outros detalhes sórdidos e, por vezes, quase exóticos. Mas realmente, deixando os lirismos para trás, quem realmente foi referência tanto nos Moana Pasifika como nos Maori All Blacks? Do lado dos neozelandeses, Shaun Stevenson, Isaia Walker-Leawere, Quinn Tupaea e Kaleb Trask, e do lado do combo de Fiji-Tonga-Samoa-Nova Zelândia, Folau Fakatava, Marino Mikaele Tu’u, Salesi Rayasi e Alamanda Motuga, todos nomeados pelas mais diversas razões.

Stevenson e Rayasi merecem a escolha pela espectacularidade imposta, polvilhando perigo cada vez que aceleravam, com as linhas de defesa a serem apanhadas desprevenidas quando intreviam no jogo, com ambos a possuir uma costela (ou várias) dos 7’s da Nova Zelândia. Entre Salesi Rayasi e Shaun Stevenson foram mais de 136 metros conquistados, 3 quebras-de-linha, 10 defesas batidos e duas situações de ensaio, enxercando o encontro com aquilo de melhor que dois pontas com fibra das Ilhas do Pacífico trazem, mas é importante frisar que certos detalhes só podem ser realmente compreendidos quando vistos, como aquela arrancada de Stevenson pelo corredor direito na primeira-parte, que dançou, ludibriou e enganou vários adversários, incluindo Rayasi, para montar um ensaio que Kaleb Trask (outro dos principais destaques do jogo) só não marcou por ter pisado a linha de fora.

Largando os speedsters, é hora de falar dos “homens-bomba”, isto é… aquelas unidades de campo com um peso relativamente “alto” e que carregam a bola de uma forma explosiva, como Alamanda Motuga, Isaia Walker-Leawere ou Marino Mikaele Tu’u, extenendo um domínio avassalador a cada nova entrada, a cada nova arrancada, a cada nova portagem de bola, vincando o papel de quem eram os bichos-papões a parar mal a oval fosse parar a essas mãos. De todos, quem trouxe mais impacto à contenda entre Moana e Maori foi Tu’u e Walker-Leawere com ambos a efectuarem 16 corridas no total, quase 80 metros de conquista de terreno, 4 offloads, tendo por 12 vezes ultrapassado a linha-de-vantagem, o que revela um peso profundo nas dinâmicas de ganhar a frente ao adversário.

Curiosamente, nem Otere Black nem Josh Ioane foram os maestros que se esperavam, apesar do nº10 dos Moana Pasifika ter realizado uma boa exibição no que toca a alimentar as linhas atrasadas, cabendo o papel de criar jogo a outras duas personagens que ganharam força neste encontro: Folau Fakatava e Quinn Tupaea.

O formação foi um autêntico instigador do combinado de atletas do Pacífico, enriquecendo o caudal ofensivo com um passe sempre bem acertado e deliciosamente articulado, impondo uma agilidade e elasticidade à linha de ataque que deu outra consistência e capacidade para procurar espaços dentro da defesa de uma equipa bem articulada como os Maori All Blacks. A somar-se ao ataque bem orquestrado por Fakatava, ainda há o desempenho na defesa, já que o camisola 9 foi responsável por dois turnovers, evocando uma capacidade inimaginável de leitura do jogo no chão, que não é comum num formação, muito menos num de 20 anos de idade…

Para fechar, Quinn Tupaea… bem, pode não ter feito uma época brilhante nos Chiefs, mas nos Waikato Mooloos (Mitre 10 Cup) e nos Maori All Blacks consegue ser um centro especial, banhado numa confiança quase inabalável e um poder para decidir jogos que só está ao alcance de uns quantos jogadores. Basta ver o ensaio de Billy Proctor para perceber o papel de Tupaea no jogo colectivo dos Maori.

ASH DIXON, LIAM MESSAM E NASI MANU SÃO OS “VELHOS” QUE RECUSAM A SUA IDADE

Velhos são os trapos, não é Liam Messam, Ash Dixon e Nasi Manu? Os três “veteranos” juntos chegam aos 100 anos de idade e foram eles os jogadores mais velhos em campo, não ficando atrás dos jovens protagonistas que falámos na secção anterior… aliás, até ficaram à frente da maioria no que toca a prestações. Façamos disto curto e quase em modo poético…

Ash Dixon dominou e controlou o maul, fazendo-se ouvir em todo o lado com uma voz de comando mais audível que a de um general em campanha e terminou a época com 15 ensaios marcados, tendo sido o jogador que mais vezes cruzou a linha neste ano na Nova Zelândia, ultrapassando Mark Tele’a, Will Jordan ou Salesi Rayasi.

Liam Messam fez aquilo que mais gosta… atropelar adversários no contacto e aplicar autênticas matrículas na placagem, tendo terminado com 3 placagens dominantes, 5 tackle busts e uma mão cheia de colisões provocadas em que o nº8 é rei e senhor por completo.

Nasi Manu, quem diria que depois de ter sobrevivido a um cancro conseguia ir a um Mundial de Rugby (2019) e voltar a ser uma das referências dentro de campo para os jogadores mais jovens das Ilhas do Pacífico, impondo 7 placagens nos 28 minutos que jogou, com uma voz confiante e que ajudou a segurar os Moana Pasifika quando o encontro começava a ficar desequilibrado.

A astúcia, experiência e coração deste trio de anciães do rugby das Ilhas do Pacífico deu para acrescentar um sabor agradavelmente extraordinário, que influenciou directamente o que se passou dentro de campo.

OLHO EM CLAYTON MCMILLAN, O “POLÍCIA” QUE SE PODE SEGUIR

Para acabar, falar de um dos outros destaques deste supremo e soberbo encontro… Clayton McMillan. Como jogador foi referência no Bay of Plenty nos anos 90, com mais de 100 jogos por esta equipa neozelandesa para depois dar o salto e assumir o lugar de treinador a partir de 2015, depois de ter passado pelo comando técnico dos All Blacks sub-20, entre outros cargos em diferentes clubes e federações locais na Nova Zelândia.

Como Steve Hansen, foi polícia até aceitar a carreira de treinador a full-time e tem conquistado adeptos e sucesso, seja a favor dos Maori All Blacks (desde 2017) e Bay of Plenty (levou o clube da Championship às meias-finais da Premiership em 2020), tendo sido escolhido como o treinador-interino da franquia dos Chiefs até ao regresso de Warren Gatland em 2022, revelando-se assim como um dos novos nomes fortes para os lados deste país do Hemisfério Sul.

Mas porque é que interessa falar do treinador dos Maori All Blacks e da carreira do mesmo? Porque Clayton McMillan é definitivamente um técnico que merece muita atenção e pelas mais variadas razões e não vamos dar nenhuma… mentira, claro que vamos explicar o porquê de recomendarmos em ter o homem-forte dos Maori debaixo de olho, tomando este encontro ante os Moana como exemplo. A maneira como aproveita os melhores detalhes técnicos e tácticos dos seus jogadores para depois construir uma harmonia entre eles de maneira a elevar a equipa para outro patamar é extraordinária, onde a exigência de trabalhar os processos até ao mais ínfimo detalhe é tomado como uma das máximas, sem descurar nunca o virtuosismo, o carácter mordaz e genialidade que mora dentro dos jogadores.

O domínio dos Maori nas fases-estáticas durou praticamente até ao apito final, um dos aspectos em que McMillan tem mais conhecimento e onde lhe é reconhecida importância, e isto dá outra confiança a uma selecção que tem um jogo de mãos dos mais ricos a nível mundial, mas que falha “supostamente” nas formações-ordenadas ou nos alinhamentos, como também na dinâmica defensiva nas placagens.

A era de McMillan está prestes a chegar e frente aos Moana, ficou bem vincando o que se pode esperar de um colectivo liderado por este polícia do rugby.

 


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