Moana Pasifika vs Maori All Blacks: um jogo em honra da herança cultural

Francisco IsaacNovembro 29, 20207min0

Moana Pasifika vs Maori All Blacks: um jogo em honra da herança cultural

Francisco IsaacNovembro 29, 20207min0
A 5 de Dezembro de 2020, pelas 06h00 da manhã, vai-se dar um dos jogos mais históricos de sempre do rugby das Ilhas do Pacífico... os Moana Pasifika vão visitar os seus "irmãos" dos Maori All Blacks! Fica a saber como e a importância deste jogo

Moana é a palavra polinésia não só para oceano mas para um “veículo” que liga várias “famílias” do Pacífico juntas, apesar de cada uma ter desenvolvido os seus particulares parâmetros culturais que as distinguem mas com também vários detalhes identitários iguais. É algo incompreensível para a maioria da população mundial, especialmente a europeia, da ligação familiar que fijianos, samoanos, tonganeses e maoris da Nova Zelândia partilham intensamente, subsistindo e resistindo ao tempo e às eras, às revoluções industriais e civilizacionais, influenciando totalmente a vida social actual de cada um destes países com o rugby a ser um dos campos onde esta raiz hereditária é elevada ao seu expoente máximo em termos de visibilidade.

Em 2020, um ano conturbado pelas razões mais óbvias possíveis, vai ter lugar um encontro histórico entre duas selecções que não jogam baixo uma bandeira de um determinado país, mas sim envolvidos nas suas ligações hereditárias… de um lado os Maori All Blacks, elenco consagrado por todos aqueles que têm uma ligação Maori familiar seja pelo pai, mão, avó ou avô, e do outro os Moana Pasifika, uma selecção de jogadores que nasceram ou tenham ligação familiar às Ilhas do Pacífico, seja Samoa (Michael Alaalatoa filho de emigrantes samoanos por exemplo), Tonga (Alamanda Motuga, atleta que joga na Mitre 10 Cup), Fiji (igual a Motuga, Jone Macilai-Tori que joga desde 2014 pelos Crusaders) ou Nova Zelândia.

O encontro está agendado para o dia 5 de Dezembro às 03h00/06h00 (Brasil e Portugal, por esta ordem) sendo visto como um teste de ensaio para a introdução de uma equipa do Pacífico no novo Super Rugby Trans-Tasman (é o conceito que liga Nova Zelândia e Austrália, pois ambos países são banhados pelo mar de Tasman) e é sobretudo também para mostrar a importância da cultural heritage dos povos que habitam há milhares de anos nestas ilhas carregadas de paixão, alegria e uma poder de perseverança histórico.

Neste combinação de Maoris e Moanas temos um total de 55 jogadores de todas as proveniências a nível de nação, sendo que o elemento unificador entre todos é de que actuam no mesmo país: Nova Zelândia. Seja da ilha mais a sul até ao pico mais a norte, de Southland a Northland, passando por Canterbury, Auckland, Wellington ou Waikato, todos os jogadores que vão participar no histórico encontro são atletas ligados contratualmente com os clubes provinciais neozelandeses – a maioria alinha no Super Rugby também, existindo algumas excepções -, servindo este embate como uma espécie de encerramento da temporada do rugby profissional da terra dos All Blacks.

Como já mencionámos, este jogo vai marcar a estreia oficial dos Moana Pasifika, liderados neste momento por Tana Umaga (mantém para já a sua ligação aos Blues, não se sabendo o que acontecerá após 2021), tendo a sua sede em Auckland como acordado com a New Zealand Rugby, com um apoio directo das Ilhas Fiji durante o processo de concorrer a uma vaga do futuro-novo Super Rugby Trans-Tasman. Durante a submissão da candidatura houve dois apoios fundamentais para que a proposta conseguisse selo de aprovação: o envolvimento dos antigos All Blacks, Sir Bryan Williams e Sir Michael Jones, e também da Associação de Jogadores Profissionais de Rugby da Nova Zelândia.

Saindo dos apontamentos legais, quem é que vai estar no lado dos Moana Pasifikia em 5 de Dezembro de 2020? Poderão ver a lista completa no link disponibilizado mas há alguns nomes a tomar em consideração, como Marino Mikaele-Tu’u (uma das sensações dos Highlanders nesta temporada do Super Rugby Aotearoa), Nasi Manu, Sione Mafileo, Salesi Rayasi (melhor marcador da Mitre 10 Cup 2020), Stephen Perofeta, Vince Aso (um dos actuais melhores marcadores em actividade dos Hurricanes) e Pita Sowakula. Isto significa, que a Nova Zelândia servirá de tubo de ensaio e berço para uma equipa do Pacífico, um pedido vocalizado por diferentes personalidades e adeptos.

Contudo, uma boa parte do público não consegue discernir que 98% dos jogadores que alinham pelos All Blacks nasceram em território neozelandês – só Sevu Reece, Ofa Tu’ungafasi, Tyrel Lomax e Shannon Frizell não nasceram na Nova Zelândia, e todos excepto o ponta dos Crusaders vieram em idade infantil para este país – , apesar de possuírem todas as características fisionómicas, culturais e identitárias da Samoa, Tonga ou Fiji, criticando erradamente a selecção neozelandesa por poaching (de “caçarem” jogadores fora do seu país) sem ter noção dos factos e números reais.

Efectivamente a Nova Zelândia é dos países que melhor integração fez/faz em termos de emigrantes – existem problemas como em todas as sociedades, mas os últimos estudos apontam o território neozelandês como dos melhores espaços para emigrantes se integrarem na sociedade nativa -, levando a que estes desenvolvam as suas vidas, concebendo pelo caminho filhos/as com estes a conseguirem atingir um patamar alto no desporto neozelandês.

Este é o caso de Tupou Vaa’i ou de Akira/Rieko Ioane (o mais velho destes irmãos nasceu no Japão durante as férias do casal, mas acabou por voltar para a Nova Zelândia passado umas semanas) filhos de emigrantes provindos da Samoa e Tonga, respectivamente, que se integraram na sociedade kiwi e lutaram para que os seus filhos atingissem um dos seus sonhos, não deixando para trás as suas raízes e herança cultural, elementos que ajudaram a desenvolve-los como atletas e pessoas. Daí que quando surge uma oportunidade para darem um pouco de si, seja a jogar ou para promover a nível de imagem e mensagem, jogadores nascidos em solo neozelandês caso de Daniel Lienert-Brown (internacional sub-20 All Black), Etene Nanai-Seturo, Salesi Rayasi, Stephen Perofeta, Naitoa Ah Kuoi se apresentam de imediato ao serviço, nunca virando as costas às terras que foram os berços dos seus pais, avôs, família e ascendência.

A importância dos Maori All Blacks entrarem em campo para jogarem contra os seus “irmãos” dos Moana Pasifika é fulcral para demonstrar que importa relembrar as raízes culturais e hereditárias que assentam não só no sangue e carne, mas sim no espírito, mentalidade e carácter de cada um destes jogadores. Os Maori trazem vários nomes de grande peso, sejam lendas como Liam Messam ou Ash Dixon, aos super-novatos Quinn Tupaea ou Billy Proctor, e avançam com uma equipa compacta, energética e pronta para um dos desafios mais interessantes dos últimos anos!

Contudo, esta novidade e breakthrough para o rugby das Ilhas do Pacífico vai ter pela frente alguns desafios complexos, com um deles a vir dos Kanaloa Pasifika, equipa apoiada e financiada por Jerome Kaino e Joe Rokocoko.  O ponto de discussão é um: os Kanaloa acusam os Manoa de terem interferência directa administrativa da NZR, com ambos a terem ajudado o projecto dos Moana nos últimos meses, o que implica uma submissão deste novo emblema do Pacífico aos desígnios e desejos das forças neozelandesas. O que importa perceber, é que os Kanaloa afirmam que toda a negociação e confirmação não seguiu os trâmites legais, não houve realmente um “concurso” para a 12ª equipa do Super Rugby 2022 e de que há uma interferência administrativa da NZR, existindo um conflito de interesses vísivel, pelo menos aos olhos da franquia apoiada pela Samoa.

Haja uma “guerra” ou não, a verdade é que os Moana Pasifikia vieram para ficar e este jogo de dia 5 de Dezembro às seis (6) e três (3) da manhã de Portugal e Brasil, respectivamente, frente aos Maori All Blacks vai oferecer uma chave de Ouro para o fim de época do rugby kiwi.


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS