Guerra da Oval: O Sul volta a invadir o Norte

Francisco IsaacNovembro 3, 20179min0

Guerra da Oval: O Sul volta a invadir o Norte

Francisco IsaacNovembro 3, 20179min0
O rugby não pára e os internacionais de Outono marcam uma autêntica Guerra da Oval com os do Hemisfério Sul a invadirem o Norte. Sigam estas quatro selecções e descubram o que podem ver no mês de Novembro
Estamos naquela altura do ano em que o rugby de seleções volta a roubar a atenção aos adeptos em Inglaterra, País de Gales, Escócia, Irlanda e França, com os vários amigáveis (ou test matches) a ocuparem as manchetes dos jornais e tablóides, e a roubarem espaço de antena ao futebol.

E porque é que isto acontece? Bem, é a única oportunidade que os adeptos europeus têm de ver em “casa” seleções do designado Hemisfério Sul: a resiliente e física África do Sul, a mágica e exuberante Austrália ou a super-poderosa e dominadora Nova Zelândia. São os Internacionais de Outono no seu melhor.

É por isso o momento de maior burburinho do Planeta da Oval, o momento que muitos anseiam e esperam o ano inteiro, com autênticas “caravanas” de fãs a montarem percursos de quase “peregrinação” a Twickenham, Murrayfield, Stade de France, Aviva ou o Millenium Stadium, entre outras arenas de jogo.

Os adeptos do Hemisfério Norte sonham impor derrotas aos do Sul, demonstrando que o rugby europeu, mais físico e duro, consegue pôr fim aos truques e fantasias do Sul. Do outro lado, estão os seguidores do Hemisfério Sul, que não só querem ganhar, como também querem “demolir” as formações europeias, numa espécie de imposição de total domínio dogmático do rugby abaixo da Linha do Equador.

Mas o que significa isto em termos práticos? Porque é que são importantes estes amigáveis, isto fazendo uso da gíria futebolística? Os test matches não servem só para efeitos de ranking e para dar rodagem às equipas. Servem, sobretudo, para analisar qual o ponto de situação de cada seleção, apurando assim os erros que necessitam de ser “remediados” e resolvidos a tempo do Torneio das Seis Nações e do Mundial de Rugby.

É com esse objetivo último — o Mundial de Rugby — que todas estas seleções se juntam duas vezes por ano, de modo a perceberem o nível e qualidade de rugby que se pratica no Norte ou no Sul. Jogar contra a Nova Zelândia, campeã em título, é uma espécie de excelente “teste de laboratório” para as restantes seleções, servindo para perceber se há assim uma diferença tão grande ou se estão perto de igualar a melhor equipa a nível mundial.

Em três semanas teremos cerca de 21 jogos, todos eles de elevado nível e recheados de defesas rigorosas e ataques do mais fantasiosos possível.

Julian Savea vai estar de preto…e branco como adversário dos All Blacks (Foto: Getty Images)

Quais são as seleções a abater? A sempre-presente Nova Zelândia, que além do bicampeonato Mundial tem ainda o Rugby Championship (competição entre as melhores seleções do Hemisfério Sul que se realiza entre julho e setembro) sob sua alçada; a agressiva e dominadora Inglaterra de Eddie Jones; a renovada e ultra-confiante Austrália (derrotou a Nova Zelândia pela primeira vez em dois anos); e a expectante e desafiante Irlanda.

Indo caso-a-caso, de forma rápida, apresentemos alguns dos pormenores pelo qual devem arranjar algum tempo e ver, pelo menos, um jogo de cada um destes “exércitos” do Rugby Mundial.

A Nova Zelândia, mais conhecida como os All Blacks (por ostentarem apenas a cor preta no seu equipamento), tem dominado o Planeta da Oval durante os últimos oito anos. Em 110 jogos, somaram apenas 10 derrotas, o que levanta logo um favoritismo bem alto a favor dos campeões mundiais em título. Contudo, nos últimos quatro meses, os neozelandeses somaram duas derrotas e dois empates (nos últimos onze jogos), algo um pouco incaracterístico para estes Men In Black.

Em termos de calendário, a Nova Zelândia vai digladiar-se contra os Barbarians Mundiais (ou seja, uma equipa montada a partir de vários jogadores de renome, que não foram convocados pelas suas seleções ou que receberam permissão para jogar neste encontro), num jogo que é sempre especial. Porquê especial? Neste tipo de encontro entre All Blacks e Barbarians, o resultado costuma ser “gordo”, com vários ensaios, pormenores de requinte e momentos mágicos sempre perto de acontecer.

Para além disso, França, Escócia e País de Gales serão as restantes formações que vão tentar fazer algo de diferente ante os melhores a nível a Mundial.

Se acompanharem a Nova Zelândia, vão poder ver o melhor jogador do mundo (mas não só) em ação: Beauden Barrett. Aqui um exemplo do que o 10 é capaz de fazer (é o jogador que faz o último passe):

Infelizmente, o jogo que tanto se pedia, Inglaterra-Nova Zelândia, acabou por não ser agendado… E qual era o interesse deste encontro? Neste momento, a Inglaterra é a seleção a “abater” a nível Europeu. As Seis Nações (competição que envolve as melhores 6 seleções do Velho Continente) têm estado sobre controle total da formação de Sua Majestade, com nove vitórias em dez jogos possíveis nas últimas duas realizações do Torneio.

A transformação da Inglaterra deu-se, em exclusivo, ao trabalho de Eddie Jones. O australiano assumiu em Novembro de 2015 o controlo dos ingleses, revitalizando por completo uma equipa que estava em “coma”. Formou um grupo de 40-50 jogadores, reestruturou a cadeia de comando, desenhou um tipo de jogo que ia de encontro às competências e qualidades dos ingleses e, ao fim de dois anos, tornou a Inglaterra num gigante “esfomeado” por glória.

Por isso, a Inglaterra está a dois anos do seu objetivo máximo: ganhar o próximo Mundial de rugby e devolver o troféu a mãos europeias, algo que só aconteceu por uma vez nos últimos trinta anos.

De entre os “invasores” do Hemisfério Sul, a Inglaterra vai receber a irascível Argentina, a agressiva Samoa e a Austrália. Os Wallabies (alcunha conferida à selecção de Rugby de XV da Austrália) estão em vias de ultrapassar uma profunda crise nacional e a vitória ante os All Blacks, em Outubro passado, dá o mote para o reerguer de uma das selecções mais vibrantes da oval.

Michael Cheika, seleccionador australiano, munido de um discurso comparável a alguns que se podem ouvir no mundo do futebol, tem estado no melhor e no pior da Austrália nos últimos três anos. Mas ganhar à Nova Zelândia é um feito digno de registo e que não deverá ser esquecido.

O jogo entre Inglaterra e Austrália será um encontro soberbo de acompanhar, uma vez que não só colocará as seleções de Eddie Jones e Michael Cheika à prova, como constitui uma reedição da final dos Mundiais de 1991 e 2003. É aquilo a que se pode chamar de uma autêntica guerra entre “pais e filhos”, num “conflito” centenário entre ambas as nações, com “tudo” a ser resolvido no campo de rugby.

Um sério aviso para as “tropas” inglesas é a capacidade dos australianos de virar, num instante, o “tabuleiro” de jogo, como aconteceu com os All Blacks, em outubro passado:

Finalmente, Irlanda e África do Sul são os outros dois nomes a seguir no “cardápio” de seleções.

A Selecção do Trevo procura voltar a encetar pelo caminho da glória, algo que lhes foge desde 2015, quando conquistaram as Seis Nações pela última vez. Já a África do Sul atravessa uma longa e profunda crise, que vai muito para além de resultados. Para além da contestação à equipa técnica e, especialmente, à direção da Federação sul-africana de rugby, a insegurança política e social, a queda económica e as lutas raciais têm aberto fissuras complicadas no desporto do País do Arco-Íris (frase icónica do arcebispo Desmond Tutu, em relação à mescla de nações e credos sobre a mesma bandeira).

Perante isso, o rugby sul-africano precipitou-se para uma queda abrupta na Selecção Nacional, tendo ficado pelo 4.º ano consecutivo no 3.º lugar do Rugby Championship, algo impensável há dez anos. Desde 2014 que os Springboks (este tipo de antílope é o animal associado à seleção sul-africana) não conseguem conquistar uma vitória frente à Nova Zelândia e averbaram quatro derrotas e três empates nos últimos onze jogos, o que desde logo não é um bom sinal para uma seleção que já co-dominou o Planeta da Oval com os All Blacks.

Para os amantes do rugby e os novos-curiosos, o Irlanda-África do Sul será um jogo definidor para o futuro de ambos selecionadores, especialmente para o sul-africano Alistair Coetzee.

Para além desse encontro, os Springboks vão medir forças com a Itália e França, enquanto que a Irlanda aposta numa dupla contra as Ilhas Fiji (a par dos Barbarians, os fijianos são os que têm um tipo de jogo único e altamente acelerado) e Argentina.

No final de contas, são 21 encontros em que apenas um é entre nações de ambos hemisférios: País de Gales-Geórgia. Tirando esse da equação, teremos sempre duelos entre Sul e Norte, naquilo que é visto como uma autêntica guerra pelo domínio na modalidade. Continuará o Sul a reinar supremo? Ou o Norte vai começar a pender os “pratos da balança” a seu favor a dois anos do Mundial de rugby que se realizará no Japão?


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