Diário do Atleta: o título de campeão holandês de Manuel Cardoso Pinto

Fair PlayJunho 11, 20195min0

Diário do Atleta: o título de campeão holandês de Manuel Cardoso Pinto

Fair PlayJunho 11, 20195min0
O internacional português foi campeão holandês pelo RC Diok num feito histórico para o atleta ex-agronomia. A última página do Diário de Atleta de Manuel Cardoso Pinto

Este é talvez o diário mais desafiante de escrever, na medida em que vou tentar expressar um sentimento que foi, até hoje, um dos mais fortes e intensos que senti neste mundo do rugby.

Passados 20 anos conseguimos alcançar aquilo que há muito se ansiava na cidade de Leiden. A vitória do campeonato nacional holandês!

Lembro-me de receber a proposta do clube em julho e de o treinador me dizer que estavam numa onda de recrutar alguns estrangeiros pois acreditavam que com o apoio de ou um outro jogador internacional conseguiriam vencer o campeonato. Após estes 8 meses em Leiden, a jogar pelo Diok, afirmo e com um imenso orgulho que saí de lá com o objetivo do clube cumprido.

Um clube que me tratou como se fosse da casa do início ao fim, um clube que eu aconselho vivamente a quem quiser ter uma experiência de um ano fora e sem dúvida o melhor clube da Holanda, não só a nível de rugby como de adeptos, staff, infraestruturas e de toda a gente que se envolve para tornar aquele clube melhor dia após dia.

Antes da final, foram encomendadas 1000 bandeiras, alugados 3 autocarros com adeptos, os bilhetes no clube esgotaram em menos de uma semana, no estádio parecia que estávamos a jogar em casa. Estavam à volta de 4000/5000 pessoas e arrisco-me a dizer que 80% apoiavam o Diok. Foi um ambiente incrível que vivi naquela final, pois também tinha o acréscimo da minha família estar presente naquele jogo tão importante.

Em relação ao jogo, foi duro e individualmente magoei-me aos 10 minutos no pé, nunca tendo conseguido jogar a 100% nos 70 minutos que restavam. Mas quando o ouvi o apito final, a dor desapareceu durante uns segundos, sabia que naquele momento, história tinha sido feita naquela pequena cidade holandesa onde o Rugby é visto como um dos desportos rei. 20 anos depois, demos uma alegria tão grande ao clube e adeptos que só quem esteve lá é que conseguiu sentir.

No dia a seguir, tinha o ombro dorido de tantos abraços que me foram dados e as pernas, não do jogo, mas provavelmente de tanto saltar… E não há nada como aquele sentimento de concretização, satisfação, o orgulho com que a minha família olhou para mim e saltou no fim daquele jogo, mas acima de tudo, a alegria que dentro dum campo de rugby, no fim daqueles 80 minutos, se contagiou para um clube e para uma cidade.

Pessoas do meu trabalho que nunca tinham ouvido falar de rugby, sabiam que alguma coisa especial se passava quando eu lhes contei que estávamos na final e eles mesmo não sabendo se a bola podia ser passada para a frente ou para trás, festejaram no estádio com a mesma emoção daqueles que apoiavam o clube à dezenas de anos.

Depois de tudo isto, fomos recebidos no clube por centenas de pessoas com centenas de bandeiras. À saída do autocarro, os sorrisos eram os mesmos de há 2 horas atrás e continuavam a preencher-me cada vez mais e a fazer-me perceber o quão satisfatório é, para as pessoas poderem festejar aquela conquista.

Tudo a cantar a típica música dos Queen, “we are the champions” e o clube preparou uma festa com bebida e comida para todos sem qualquer custo, e essa festa podia dar outro diário…

Na semana seguinte, exatamente no dia em que me ia embora, a Câmara Municipal de Leiden organizou um dia para o Diok que começou com um passeio de barco pelos canais da cidade, exibindo as bandeiras do clube e com bar aberto.

fomos recebidos no centro, por centenas de pessoas e estava uma faixa enorme no edifício da câmara a dizer “Landskampionen”, fomos chamados por um homem de microfone, 1 a 1 pelos nomes e à saída do barco para o topo desse edifício onde se encontrava a faixa, tínhamos que passar no meio da multidão ainda com a mesma euforia de uma semana atrás, bandeiras, camisolas douradas e azuis.

Quando toda a equipa e staff se reuniu no topo, cantou-se, saltou-se e levantamos a taça de campeões umas quantas vezes seguindo-se os gritos dos adeptos. O dia prolongou-se para um bar que nos aguardava, mas era a minha hora de regressar a Portugal e era a hora de dizer adeus a todas aquelas pessoas que tanto me acrescentaram ao ano inacreditável que foi e voltar para juntos daquelas que tanto ansiavam o meu regresso.

Seria injusto se desse para pôr em papel o que vivi nestes 9 meses, porque foi um ano realmente inesquecível e vou estar eternamente grato pelo que aprendi, conheci e vivi naquela cidade e clube. Sempre quis fazer um ano sabático a jogar rugby e quem diria que entre Nova Zelândia, Austrália, França, etc., Holanda foi a escolha mais acertada.

Estou de regresso a Portugal e trouxe comigo memórias e sentimentos que vão ficar para sempre e aconselho vivamente a qualquer jovem a sair da sua zona de conforto e arriscar nestas experiências porque certamente irão valer a pena e não, não estão a perder um ano de faculdade como ouvi várias vezes, estão só a ganhar um de vida.

Um agradecimento especial ao Francisco Isaac que fez com que estes diários fossem possíveis e pelo trabalho e empenho espetacular que dedica ao rugby português.

Ps: Desculpa pelas dores de cabeça dos atrasos.


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