A Hegemonia dos All Blacks tira o espectáculo ao Rugby Championship?

Francisco IsaacOutubro 14, 201713min0

A Hegemonia dos All Blacks tira o espectáculo ao Rugby Championship?

Francisco IsaacOutubro 14, 201713min0
A análise a todo o Rugby Championship 2017 chega "tarde" mas vem com uma pergunta: o domínio dos All Blacks tira qualidade à competição?

O fim do Rugby Championship 2017 termina da mesma forma que no ano anterior: domínio total e hegemonia dos All Blacks sobre todos os outros adversários.

A selecção comandada por Steve Hansen volta a inscrever o seu nome nos pergaminhos dourados da competição, com seis vitórias e quatro pontos bónus de ataque somados… ou seja, 28 pontos de um total de 30. Com Beauden Barrett (70 pontos), Rieko Ioane (25 pontos) e Damian McKenzie (20 pontos) como melhores pontuadores, os neozelandeses foram, também, a defesa menos batida e a selecção que menos faltas consentiu.

Porém, há um pormenor que deve preocupar os amantes do Planeta da Oval: os All Blacks foram os únicos a ter uma diferença de 20 pontos positivos (cálculo entre Pontos Marcados e Pontos Sofridos), com 127 pontos de diferença. A Austrália foi a única selecção que também o conseguiu, mas só com 16 de diferença. África do Sul e Argentina findaram a sua participação com um resultado negativo de -18 e -125, respectivamente.

Este pormenor acaba por lançar uma questão importante para o desporto em si: será que o poder hegemónico dos All Blacks tira brilhantismo à competição? Estará o seu domínio a “matar” o Rugby Championship?

Bem, os neozelandeses não têm culpa do seu domínio, uma vez que fazem um “trabalho de casa” sério, minucioso e cuidado que merece todos os louros possíveis. A estabilidade que existe desde 2009, tem sido inabalável e incontestável, onde as inúmeras soluções para cada posição são um dos produtos finais da excelente estratégia dos bicampeões mundiais.

Mas antes dessa produção em massa de soluções houve outros passos dados que definiram e vão definir o futuro dos neozelandeses. Deixamos algumas ideias base: competitividade alta nos escalões de formação (conhecidos como First XV a nível escolar ou em academias); desenvolvimento motor e técnico acompanhado desde cedo; equidade para qualquer seja o credo, raça ou etnia que os novos jogadores provêm; trabalho intenso a nível de escolas básicas e primárias; competição nacional (Mitre10) de elevada categoria; e Super Rugby dominador nos últimos 13 anos (com algumas excepções para as vitórias australianas em raras edições).

Ora, tudo isto não acontece com a mesma excelência ou qualidade quer na Austrália e África do Sul. Os australianos vivem numa intensa crise da modalidade, com guerras internas entre a federação e clubes, com dificuldades em produzirem bons valores a nível da selecção de formação ou do crescimento em números de praticantes de rugby.

A África do Sul vive ainda com resquícios do apartheid, com dificuldade em fazer chegar o rugby a comunidades que outrora foram impossibilitadas de praticá-la. Não só isso, mas também a falta de qualidade em 90% das suas equipas do Super Rugby, tem tirado alguma qualidade da selecção principal. Para além disso, a “hemorragia” de jogadores internacionais que abandonam todos os anos a modalidade é um assunto preocupante. A maioria sai da África do Sul pelas fracas condições a nível profissional, a insegurança que se vive em algumas cidades e a crescente crise económica interna.

A questão falsa das quotas (para os que tanto gostam de defender que existe uma imposição nas selecções sul-africanas de número mínimo de atletas de raça negra ou de outra proveniência que não as “antigas famílias brancas”, propomos que apresentem a documentação oficiosa que prove esse facto, uma vez que só existe esse princípio na Currie Cup, a competição nacional interna) lançou algum “pó” para o ar, o que possibilitou às pessoas tirarem a sua atenção das questões preocupantes.

O rugby sul-africano precisa de “tempo” para se consolidar, de apoio para se reconstruir e de lógica para montar a melhor selecção possível. Um exercício fácil que apresentamos para provarmos que as escolhas de Coetzee foram, na sua maioria, as melhores é o seguinte: Elton Jantjies, o médio-de-abertura titular em 6 dos 6 jogos, era a solução primária para a posição. Handré Pollard não estava em forma e está longe de estar fisicamente pronto para jogar contra os All Blacks a 80 minutos… Pat Lambie é um jogador que precisa de ganhar “barba rija” para dar outra dimensão ao seu jogo; e François Steyn (que não é médio-de-abertura, apesar de já ter lá jogado) tem se verificado como um jogador individual e que não pensa nas consequências das suas acções.

E a Argentina não foi mencionada, pois os problemas que tem assentam só num: tempo. Precisam de tempo para crescer, precisam de somar derrotas para aprenderem e precisam de ganhar paciência dentro das quatro-linhas de forma a evitarem as constantes penalidades (Agustín Creevy é o rosto de uma equipa que pensa que está a ser alvo de uma perseguição a cada novo jogo) que tiram muito mais que pontos…tiram vitórias.

Em 2017, o Rugby Championship não foi prevísivel a cada jogo… até teve os seus vários rasgos de imprevisibilidade, com a quase vitória da Austrália em Auckland, por exemplo. Olhemos para alguns dos parâmetros que vale a pena destacar do competição que findou o fim-de-semana passado com o Grand Slam neozelandês.

MELHOR JOGO

Quem esperava pela reacção extraordinária dos Wallabies em território neozelandês? Depois de terem consentido uma pesada derrota na primeira ronda em casa (54-34 a favor dos kiwis), a viagem até Dunedin foi inicialmente rotulada como “matança de Cangurus”, com os vários comentadores, analistas e adeptos a preverem uma derrota igualmente pesada.

Porém, os Wallabies de Michael Cheika não viraram a cara à luta e, até, superiorizaram-se perante o adversário com uma primeira parte de luxo, onde se registou um diferencial de 17-14. Uma espécie de “bomba” e “balde de água fria” tinha acabado de cair em cima dos All Blacks, que não queriam de forma alguma repetir uma 2ª derrota no espaço de dois meses (frente aos Lions em Wellington).

Os 2ºs 40 minutos foram um espectáculo para o público presente no estádio, com ambas as formações a darem o seu melhor e deslumbrarem os olhos dos atentos fãs do Planeta da Oval… Israel Folau continuava a espalhar “magia”, Will Genia pautava o jogo australiano com velocidade e Kurtley Beale a afirmar-se com uma grande dor de cabeça para o par de centros neozelandês.

Do outro lado, os All Blacks tinham em Beauden Barrett (quem senão ele…), Kieran Read e Rieko Ioane (infelizmente para Julian Savea vai ser impossível de tirar Ioane da ponta) os grandes catalisadores do jogo ofensivo, com o último a dar um show total de corrida com a bola na mão.

Já perto do final do encontro, os Wallabies fariam o 29-28 com um grande ensaio de Kurtley Beale aos 77′. Mas, e há boa maneira dos All Blacks tudo é possível, mesmo que faltem só uns segundos para acabar o jogo. Numa das melhores jogadas de todo o Rugby Championship, uma mistura de Scott Barrett, Kieran Read e TJ Perenara, permitiu a Beauden Barrett receber a oval e correr sem oposição até à linha de ensaio, quando o relógio batia nos 78 minutos. Foi o ponto final e vitória para os neozelandeses.

Um esforço “imenso” da Austrália, que viria a marcar um virar de página para os Wallabies.

MELHOR EXIBIÇÃO COLECTIVA

Em poucas palavras é fácil de explicar porque é que escolhemos o Nova Zelândia-África do Sul como melhor exibição colectiva de uma selecção de todo o Rugby Championship: um espectáculo total dos All Blacks, sem erros, sem mácula e sem falhas.

57-00, oito ensaios marcados, zero sofridos e quase 100% em todos os factores, marcaram uma grande exibição dos All Blacks que deixaram os jogadores sul-africanos a pensar no que mudar para não sofrerem outra derrota humilhante no último jogo.

MVP

Beauden Barrett… nem há grande espaço para discussão. Podíamos falar de Kieran Read ou Rieko Ioane, colegas do abertura, ou Kurtley Beale, nos Wallabies, e até em Eben Etzebeth, mas os números de Beauden Barrett e a importância do nº10 para a qualidade de jogo dos neozelandeses provam que foi e é o melhor jogador do Rugby Championship e do Mundo.

Barrett voltou a terminar com três ensaios (um deles deu a vitória ante a Austrália), sete assistências, 222 metros conquistados, nove quebras-de-linha, vinte defesas “fintados” e 81% de eficácia no pontapé aos postes (o melhor a par de Elton Jantjies). Melhor que tudo, é perceber que Barrett consegue fazer tudo… vejam, a exemplo disso, o ensaio de Damian McKenzie no primeiro jogo frente à Austrália, em que tudo começa num super turnover no contacto do abertura, que relança a oval em Ioane e este só tem de devolver ao eléctrico 15 dos All Blacks.

Beauden Barrett fez de tudo… desde passes por baixo das pernas, a offloads no último segundo, decidir jogos, meter pontapés de alto grau de dificuldade e de terminar como um dos placadores mais eficazes de toda a competição, com uns incríveis 88% (36 placagens mais 5 falhadas) para além de cinco turnovers.

Em suma: Beauden Barrett aos 26 anos pode muito bem estar no caminho de conquistar, mais uma vez, o prémio de Melhor do Mundo da modalidade. E merece-o com toda a justiça.

MELHOR CAPITÃO

Etzebeth teve uma missão complicada neste Rugby Championship 2017: substituir o novo capitão Warren Whiteley. O controverso segunda-linha recebeu a braçadeira de capitão e liderou os Springboks do primeiro ao último jogo, tendo enfrentado um momento crucial: a derrota de 57-00 ante os neozelandeses.

É muito difícil um jogador comum conseguir voltar ao seu máximo após uma humilhação diante um adversário de sempre… mas Etzebeth não só voltou, como ampliou a sua influência dentro da equipa. No último jogo do Rugby Championship, Etzebeth foi dos ‘boks com melhor prestação, com uma série de placagens de alto nível ou entradas de alto sacrifício que valeram não só metros mas também pontos para a África do Sul.

Etzebeth é, neste momento, o 2º ou 3º melhor segunda-linha do Mundo e, se Alistair Coetzee quiser dar continuidade, merece manter-se a capitão dos Springboks.

MELHOR ESTREANTE

Rieko Ioane “pegou de estaca” e nos cinco jogos que actuou foi responsável por cinco ensaios e duas assistências, para além de ter sido o Rei das quebras-de-linha e metros conquistados. O novo ponta da Nova Zelândia tem um futuro imenso à sua frente, com uma capacidade de “amolgar” defesas como poucos. Para além disso, é um velocista nato, um jogador que tem percepção qual o melhor espaço (ou defesa) a atacar, apetrechado ainda com um sentido de try killer único.

A somar a estes pontos, Rieko é um ponta que sabe defender bem as bolas altas e contra-atacar com rapidez. Julian Savea, Waisake Naholo ou Israel Dagg bem têm de trabalhar o triplo para atingir o nível de Ioane.

MELHOR REGRESSO

Kurtley Beale, não há dúvidas! O regresso do centro/defesa/ponta/abertura (um autêntico “canivete suíço”) deu outra profundidade ao jogo dos Wallabies, que não se fica só pelos ensaios marcados ou quebras-de-linha realizadas. Beale tem um total conhecimento do jogo, lê os espaços como ninguém, sabe onde atacar e como atacar, não demora tempo a tomar decisões e defende como poucos.

O regresso de Beale deu a Kuridrani (o seu parceiro do lado) outra dimensão, perfazendo uma das melhores duplas de centros do rugby a nível mundial e que foi extremamente útil para os Wallabies. O nº12 australiano não falhou no seu retorno a paragens australianas (depois de um ano em Inglaterra) e mesmo sem o mesmo ritmo competitivo que a maioria dos colegas, foi dos melhores Wallabies em toda a competição, a par de Koroibete, Foley, Genia, Hooper e Folau.

Este ensaio contra os Springboks demonstra tudo o que Kurtley Beale é e tudo o que ele pode dar à Austrália.

MELHOR DEFESA

Malcolm Marx merece a distinção como melhor defesa de todo o Rugby Championship. Em termos de eficácia só San McMahon e Eben Etzebeth ficam à sua frente, com uns incríveis 95% (61 placagens e quatro falhadas para o asa dos Wallabies) e 94% (45 placagens realizadas e só três falhadas), respectivamente.

Em número de placagens realizadas é ganho por Michael Hooper (66), Sam McMahon (61) e Sam Cane (61) e mais sete jogadores, mas Marx não ganha na quantidade, mas sim pela importância e pelo momento em que realiza as suas prestações defensivas.

O talonador dos Springboks e, neste momento, o melhor na sua posição (a lesão de Dane Coles tirou-lhe esse “título”) foi essencial na manobra ofensiva e defensiva dos sul-africanos. Em termos das fases estáticas ficou algo aquém, pois os Springboks terminaram com números baixos em termos de eficácia (83% nas Formações Ordenadas e 89% nos alinhamentos, sempre atrás dos neozelandeses e australianos).

Contudo, Marx foi responsável por nove turnovers em toda a competição, sendo dos melhores neste ponto. Esse aspecto esteve bem patenteado no último jogo contra os neozelandeses, onde Marx “salvou” os boks por três vezes, “roubando” a bola no breakdown.

MELHOR XV

Um XV escolhido com base nas estatísticas, na qualidade dos jogos individuais e colectivos, nos dinamismos apresentados e no “peso” que têm nas suas equipas! Esta foi a nossa análise do Fair Play ao Rugby Championship 2017, qual é a vossa opinião?
Rugby Championship Best XV - Rugby Championship Best XV - Rugby lineups, formations and tactics


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