Portugal de Ouro nos Jogos Europeus: Que futuro?

André CoroadoJulho 6, 20197min0

Portugal de Ouro nos Jogos Europeus: Que futuro?

André CoroadoJulho 6, 20197min0
A selecção portuguesa de futebol de praia conquistou o ouro olímpico nos Jogos Europoeus de Minsk 2019 e fez História, ao ser a primeira colectividade portuguesa a ostentar o metal mais cobiçado ao peito. O Fair Play analisa os ingredientes deste feito e as perspectivas que abre.

Parece magia, mas o desporto tem destas coisas! Quando os mais críticos apontavam o futebol de praia português como ultrapassado, quando um olhar precipitado parecia indicar que a selecção nacional teria de percorrer um longo caminho pelas ruas da amargura até que uma renovação consistente pudesse garantir novos êxitos, as hostes lusitanas das areias conquistaram um feito sem precedentes e inscreveram os seus nomes nos anais da História não do futebol de praia, mas do desporto nacional!

Se recuarmos ao dia 25 de Junho, o contexto não parecia muito risonho. Portugal acabava de perder o jogo inaugural diante da Suíça após prolongamento, num jogo que terminara com empate a uma bola e em que Portugal até estivera em vantagem grande parte do tempo, mas não conseguira segurar a vitória.

A falta de definição no último momento do ataque e a ineficácia de finalização pareciam assombrar uma equipa que desenvolvia muito mas capitalizava pouco, expondo-se depois defensivamente e falhando nos momentos chave. A história da qualificação para os Jogos Mundiais de Praia vivida no início de Maio em Salou (Catalunha) parecia repetir-se. Mas estávamos ainda no primeiro jogo de uma longa caminhada rumo ao ouro olímpico. Nada estava perdido.

A conquista do ouro olímpico

Importa aqui referir que nem tudo estava mal nesse momento. Tal como nem tudo é perfeito agora, que Portugal conquistou a inaudita medalha de ouro nos Jogos Europeus. A situação é bem mais complexa numa Europa do futebol de praia onde o equilíbrio entre as 7 selecções dominantes é cada vez mais uniforme e a distância para as 3 ou 4 selecções que se seguem também se vai tornando cada vez mais escassa.

Além disso, no caso concreto da selecção portuguesa, o factor mais preponderante correspondia a alguma falta de pragmatismo na abordagem ao jogo, que impedia Portugal de traduzir o seu domínio territorial no marcador, e um excessivo abrandamento do ritmo de jogo que em nada beneficiava a selecção nacional (além dos erros defensivos já aqui mencionados).

Corrigir estes pontos chave foi justamente o que Portugal logrou alcançar nos Jogos Europeus. Por um lado, o trio Jordan-Bê-Léo Martins, agora com Coimbra na retaguarda, começou a soltar-se, a assumir as despesas do jogo e a tirar partido das armas técnicas destes jogadores de classe mundial, que atingiram o esplendor máximo da sua qualidade numa exibição de gala na final diante da Espanha (8-3).

Por seu turno, o quatro de campo integrado geralmente por André Lourenço (que bem tem estado o jovem jogador do GRAP neste início de carreira internacional!), Madjer, Belchior e Von continuou a evoluir muito favoravelmente e produziu um total de 10 golos no conjunto dos 4 jogos seguintes, revelando um sistema 2:2 consistente que rentabiliza melhor as qualidades das suas unidades criativas (as acutilantes acrobacias de Von, a imprevisibilidade das movimentações com bola de Belchior, a virilidade do remate de Madjer). Os guardiões Andrade e Petrony também mostraram serviço, assim como Pedro Vasconcelos Silva e o jovem Rúben Brilhante, sempre que chamados a intervir.

O resto, conta-o a história dos jogos disputados na arena de Minsk, desde o primeiro ponto de viragem com a expectável, mas valorosa goleada à Roménia (8-2), o retumbante triunfo diante da (até então invicta) anfitriã Bielo-Rússia por 7-3, a muito meritória vitória arrancada a ferros no prolongamento contra uma Ucrânia muito dura de roer (a única equipa europeia que detém um registo francamente positivo contra Portugal) e o massacre diante de nuestros hermanos na final por 8-3, com já aqui mencionámos, que adquire um significado ainda maior atendendo ao momento de forma brutal em que os espanhóis aparentavam estar desde o início da época (campeões do torneio de qualificação em Salou).

Portugal e a Europa: que futuro?

Importa agora saber ler estes resultados tendo em conta o que falta da época (e é muito ainda!!), quer do ponto de vista de Portugal quer numa perspectiva mais alargada a nível europeu. A selecção portuguesa, além de tudo o que já foi referido, demonstrou uma capacidade de aprendizagem e adaptação imensa, corrigindo sem margem para dúvida os erros defensivos outrora cometidos e evidenciando uma união e espírito de sacrifício dentro das quatro linhas que sempre estiveram presentes nas grandes conquistas de Portugal nos areais no passado.

Com a manutenção desta atitude, a qualidade técnico-táctica da equipa das quinas é um garante de boas exibições e qualidade na luta pelos resultados alcançados, sendo que continua a ser necessário a manutenção dos índices de concentração no máximo e o aperfeiçoamento de rotinas que efectivamente permitam tirar partido da mais valia técnica do plantel, que ainda pode render mais e colocar a selecção nacional num patamar difícil de alcançar dentro do velho continente.

Todavia, sabemos também que a hegemonia é um conceito cada vez mais fátuo no futebol de praia, pelo menos no que à Europa diz respeito. A não ser a Espanha e a Suíça, mais nenhuma equipa conseguiu terminar tanto os jogos Europeus como a qualificação para os jogos mundiais de praia entre os 4 primeiros. A Rússia, que parecia estar igual a si mesma em Salou, desta vez não foi além da fase de grupos, assim como a Itália (Espanha e Ucrânia foram as equipas apuradas num grupo muito competitivo). A selecção helvética, apesar de ter conquistado o bronze e estar apurada para os jogos mundiais, tem sido uma das desilusões da temporada pela fraca qualidade de jogo apresentado, ainda que detenha unidade desequilibradoras que a qualquer momento podem fazer a diferença (Stankovic, Ott, Hodel, Borer).

A Ucrânia parece regressar mais forte do que em anos anteriores, tendo derrotado a Espanha e a Itália na fase de grupos e esteve perto da final numa grande partida frente a Portugal, mas acabou arredada das medalhas e continua a “encolher-se” diante da vizinha russa. A Bielorrússia não conseguiu tirar partido do seu estatuto de anfitrião e parece partir um pouco atrás esta época, mas continua a ser uma selecção tremendamente difícil de defrontar. Polónia, Azerbeijão, Alemanha e França completam o lote de selecções que podem ter uma palavra a dizer e baralhar as contas dos super favoritos nas grandes competições europeias.

Neste contexto de grande competitividade, são muitas as ameaças e qualquer deslize pode ser fatal. Para já, Portugal está apurado para a Superfinal da Liga Europeia, que se realiza em Setembro na Figueira da Foz, mas falta ainda discutir o apuramento para o Mundial Paraguai 2019, no evento que se realiza dentro de escassas semanas em Moscovo, na Rússia. Tendo em conta que estão em disputa apenas 5 vagas (ainda assim mais uma que na edição anterior nas Bahamas), a competição pelos lugares de apuramento será acérrima e a sorte poderá ditar verdadeiros duelos de gigantes nas etapas eliminatórias, obrigando a que colossos fiquem pelo caminho.

Trata-se, por isso, de lutar com unhas e dentes com a mentalidade de que a vitória não pode fugir em nenhuma partida, independentemente do adversário, até que a qualificação esteja garantida. Pode não ser justo, mas são tais as regras com as quais é preciso contar, cientes de que medalhados olímpicos, campeões europeus e campeões intercontinentais também já ficaram pelo caminho no passado.

Não obstante a correria de competições que agora se avizinham (com a Liga Europeia já em disputa neste fim-de-semana na Nazaré), há que manter em mente uma noção importante: nunca o outro olímpico tinha sido conquistado num desporto colectivo por uma selecção nacional. Foi quebrado o enguiço, e devemo-lo à selecção nacional de futebol de praia. Obrigado!


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