O Final 4 da NCAA e a ascensão meteórica do basquete feminino

Lucas PachecoAbril 10, 20246min0

O Final 4 da NCAA e a ascensão meteórica do basquete feminino

Lucas PachecoAbril 10, 20246min0
Lucas Pacheco olha para a Final 4 da NCAA 2024 e como ofereceu novidades para os fãs do basquetebol mundial

O basquete feminino cresce a olhos vistos. Se o crescimento ainda não é global, os sinais emitidos durante a fase final do torneio nacional universitário nos Estados Unidos trazem esperança. A centralidade do país no esporte remete não somente à invenção do basquete, a magnitude da prática esportiva influencia outros centros. A esperança reside nisso, ainda mais se tratando do naipe feminino. O torneio nacional testemunhou uma inversão de interesse, com o masculino relegado a segundo (ou terceiro) posto, em detrimento ao crescimento assustador do feminino. Fomos inundados por uma cobertura rara, tantas vezes cobrada; mesmo no Brasil, onde a disparidade se perpetua, comentou-se muito mais o Final Four da NCAA feminino, com citação de jogadoras, descrição dos planos táticos e identidades das equipes, memes e interesse. Muito interesse.

Não poderia ser diferente, o roteiro parecia preparado para essa virada. O fenômeno Caitlin Clark arregimentou uma nova legião de espectadores e apreciadores e, mesmo antes do Final Four, o confronto de sua universidade contra LSU dava indícios do boom. Era a re-edição da final do ano passado, quando Iowa de Clark saiu derrotada por LSU, da provocadora Angel Reese. As cenas de provocação de 2023 rodaram o mundo e insuflaram o duelo, vencido desta vez por Iowa.

O caminho de Iowa rumo à redenção tinha uma parada contra a poderosíssima Connecticut, maior vencedora da história, na semi-final. A partida trazia outra rivalidade de personalidades e uma disputa sobre quem é a melhor jogadora (armadora): Clark ou Paige Bueckers? Essa disputa (na qual as duas exercem um papel passivo, sem incentivar as narrativas que as envolvem) remete, por sua vez, à carreira universitária de ambas. Paige chegou ao circuito universitária cotada como a melhor da classe; em seu ano de caloura, conduziu Uconn ao Final Four da NCAA, saindo derrotada na semi. Ela ainda conquistou o prêmio de melhor jogadora da temporada. Naquele ano de 2021, Uconn teve que vencer ninguém menos que Iowa no torneio nacional.

Assim, veríamos outra revanche de Clark, já que desta vez ela saiu vitoriosa, por 71 x 69. Mesmo muito bem marcada por Nika Muhl, que impedia que Clark recebesse a bola, usava toda sua força e velocidade para sair dos bloqueios e restringiu Clark a 21 pontos (pouco para seu padrões) em míseros 18 arremessos tentados. Entre 2021 e 2024, testemunhamos a ascensão de Clark, enquanto Paige lutou contra sérias contusões. Iowa alcançou a segunda final consecutiva.

Do outro lado, na outra semi-final, NC State conseguiu a proeza de chegar ao segundo Final Four da NCAA de sua história. Um azarão, sequer ranqueado antes da temporada, que desbancou duas powerhouses do basquete universitário (Texas e Stanford), além de eliminar um dos times sensações da temporada (Iowa State). Liderados por alas atléticas e capazes de produzir em isolamento, NC State fez prevalecer o talento do perímetro e escondeu a baixa estatura o garrafão. Aziaha James cresceu em março, Saniya Rivers evoluiu e manteve a consistência; ambas catapultaram a equipe, marcada pela excelência nos tiros de três pontos.

O problema era a adversária da semi-final, a invicta South Carolina, da técnica Dawn Staley. Uma verdadeira máquina de basquete, com rotação extensa, onde qualquer jogadora do elenco pode brilhar em um determinado dia. Vale lembrar que South Carolina também tinha sua própria vingança para superar, uma vez que repetiu a campanha invicta da temporada passada, sendo derrotada única e exclusivamente na semi-final. A melhor classe de recrutamento (até então) de sua história esbarrou em Iowa; as freshies despediram-se da universidade sem o capítulo final planejado. Dawn Staley perdeu, após 2023, todo o time titular e recomeçou sua equipe praticamente do zero.

Com a previsão de reencontrar Iowa garantido na final, South Carolina não desperdiçaria a oportunidade da revanche. A vitória por 78 x 59 sobre NC State assegurou mais uma final à nova dinastia do basquete feminino universitário, em seu quarto Final Four consecutivo. Havia apenas mais alguns obstáculos antes do título: Iowa, Caitlin Clark e as barreiras mentais da derrota de um ano atrás.

Outra cena exaustivamente repisada da temporada 2023 foi o desprezo/provocação de Clark sobre a armadora Raven Johnson, de South Carolina; para conter o fortíssimo garrafão de South Carolina, centralizada na figura de Aliyah Boston, Iowa lotou sua área pintada, liberando os arremessos longos. Aquela versão das gamecocks não soube punir a estratégia de Iowa e Raven acabou marcada por se apequenar perante o espaço concedido.

Se Caitlin Clark obteve duas revanches rumo à final da NCAA, desta vez foi Raven Johnson a protagonista da reviravolta. Ela conduziu sua equipe com maturidade, envolveu as companheiras, ditou o ritmo e, apesar do baixo aproveitamento ofensivo, reescreveu sua história com uma defesa sufocante sobre Clark. O primeiro quarto parecia repetir o roteiro de 2023, com Iowa acelerando em transição e uma aquecida Clark; a vitória parcial por 7 pontos era pequena perante o domínio de Iowa. Veio o segundo quarto, Staley trocou a defensora primária de Clark (deslocando Bree Hall e escolhendo Raven Johnson) e tudo mudou. A entrada de Tessa Johnson desafogou o ataque de South Carolina, até então frio, e as demais peças subiram de produção.

Dali em diante, a imposição física e técnica de South Carolina se mostrou em todo seu vigor. O time manteve a intensidade e conteve as contra-ofensivas de Iowa, com uma margem segura. A vitória por 87 x 75, além da revanche, colocou South Carolina no seleto rol de campeãs universitárias invictas.

No terceiro título nacional de South Carolina, destaque para a pivô Kamilla Cardoso. A brasileira já fora imprescindível na semi-final contra NC State, quando saiu como cestinha do jogo, com 22 pontos, além de 11 rebotes. Na final, onde o domínio dos rebotes mostrou-se essencial para a conquista (51 para South Carolina contra 29 de Iowa), Kamilla saiu-se com 15 pontos, 17 rebotes (recorde na carreira) e 3 tocos.

De quebra, a brasileira sagrou-se MVP do Final Four e despediu-se da universidade da melhor forma possível. Seu próximo passo (assim como de Caitlin Clark, Angel Reese, Nika Muhl, Aaliyah Edwards, Kate Martin – Paige Bueckers optou por permanecer mais um ano em Uconn, na busca pelo título) será o draft da WNBA, agendado para a próxima segunda-feira, dia 15.

Toda a euforia vista na Final Four da NCAA deve ser revertida para a WNBA, uma liga que cresce ano após ano. A chegada de Clark ao profissional, onde enfrentará lendas vivas do esporte, causa desde já muito repercussão; Kamilla luta por uma escolha alta, catapultada por sua performance no momento mais importante da temporada.

A hora de embarcar no frêmito do basquete feminino é agora. A NCAA comprovou que o basquete praticado é de altíssimo nível; com o aporte iminente de investimento e visibilidade, o céu é o limite para a modalidade.


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