LBF 2023: competição virada de pernas para o ar

Lucas PachecoMaio 16, 20237min0

LBF 2023: competição virada de pernas para o ar

Lucas PachecoMaio 16, 20237min0
Se até há duas semanas tudo parecia calmo na LBF, tudo virou do avesso e há muita coisa a acontecer como conta Lucas Pacheco ao Fair Play

Ao final do turno da fase de classificação da LBF, escrevi sobre a previsibilidade da competição; àquela altura, havia três blocos bem definidos e sem vislumbre de mudança para o returno. Nada como ser contradito pelos fatos: o returno chegou para acabar com o conforto das equipes e mexer na tabela de classificação. Analisemos com calma alguns aspectos dessas mudanças, que subiram o nível do torneio e trouxeram uma dose (muito bem vinda) de incerteza.

Alerta ligado no topo

Virou tradição a torcida contra as equipes imbatíveis; nada mais monótono que uma competição em que os resultados esperados se confirmam. A primeira parte da LBF seguia nessa toada, com destaque para a máquina Sesi Araraquara. O time mais coeso da liga nadou de braçadas no turno, invicto e vencendo seu maior adversário como visitante. Em todas as estatísticas, a equipe comandada por João Camargo lidera; com defesa variada e forte, as araraquarenses ditaram o ritmo dos jogos e impuseram seu volume de chutes de três.

Ninguém demonstrou poderio para brecá-las, até que um velho fantasma voltou a aparecer para o Sesi. Um fantasma chamado Campinas, para ser mais exato, responsável pela eliminação das favoritas na temporada passada, nas semi-finais. O técnico Sidney Coppini possui o antídoto contra Araraquara e novamente o utilizou no duelo do returno, quando o Unimed Campinas acabou com a invencibilidade do Sesi Araraquara por 65 x 59.

Apesar de um primeiro tempo confortável, quando liderou o placar parcial, o Sesi Araraquara esbarrou na forte defesa adversária no segundo tempo, que restringiu o poderoso ataque a poucos pontos. Sem os chutes de três, obrigado a individualizar suas ações ofensivas, o Sesi caiu. Na defesa, o jogo espelhou-se e Campinas levou vantagem nos duelos, com destaque para Iza Sangalli (motor do time) e Cacá. A primeira derrota do Sesi Araraquara na LBF preocupa não pelo resultado em si, mas pelos desdobramentos para os playoffs – João Camargo e seu elenco precisam descobrir meios de vencer a forte estratégia de Campinas.

Mais preocupante foi a largada do returno para o vice-líder Sampaio Correa, com sequência ativa de duas derrotas seguidas, em casa para Blumenau (70 x 77) e fora para Santo André (77 x 69). Desacostumado a perder, o Sampaio atravessa aquele período crítico de transição, em que seu conjunto adiciona os reforços egressos da Europa. Outra tradição na LBF a remontagem do Sampaio no decorrer da fase de classificação – nesta temporada, a equipe demonstrou sentir a passagem de bastão.

A um núcleo já invejável, o time somou outro quinteto de primeiro nível: Meli Gretter, Manu, Rapha Monteiro (ainda a estrear), Agustina Burani e Érika. Natural que ocorram percalços no caminho, os quais decorrem da disparidade de orçamento do Sampaio; as dificuldades repetem-se em todas as temporadas e, por mais preocupação trazida pelos reveses, o processo costuma ser favorável. Em 2022, o técnico Rodrigo Galego manipulou com maestria a chegada dos reforços “estrangeiros”, incorporando peças a um padrão consolidado e bem azeitado; diferente do que aconteceu em 2021, sob comando de Virgil Lopez, quando a equipe se desmanchou na fase de transição.

A ver como Cristian Santander lidará com o desafio. Para o Sampaio, o único objetivo é o título e há um longo caminho até as finais. Porém, vale acender a luz de alerta e buscar a recuperação o quanto antes. A diferença, antes confortável, frente à terceira colocada na tabela caiu para apenas uma vitória.

Gangorra

Santo André segue na terceira colocação. A diminuição da diferença frente ao Sampaio ocorreu em sintonia com a ameaça das equipes abaixo posicionadas – Campinas está a uma vitória de se igualar. Talvez ninguém represente melhor a confusão do returno que Santo André, que perdeu para o lanterna Ituano e na rodada seguinte venceu o Sampaio.

O tradicional time de São Paulo foi dos poucos a não se reforçar durante a competição, mantendo o mesmo elenco do jogo de estreia. Em entrevista antes do torneio, a pivô Sassá manifestava apreço pelas mudanças no elenco, com alas titulares mais novas e que trazem mais versatilidade defensiva, além de exaltar as reservas, capazes de manter o ritmo veloz e a intensidade. Por enquanto, o uso do banco não se deu conforme previsto e o quinteto titular segue acumulando alta minutagem, como nas temporadas passadas.

Do bloco intermediário, Campinas contratou as pivôs Letícia e Maísa, encorpando o elenco. Os resultados já apareceram, como na vitória sobre Araraquara, apesar do entrosamento carecer de ajustes. Blumenau também se reforçou e o impacto da ala-pivô Lee Lisboa mostrou-se imediato, tanto pelos resultados quanto pela identidade tática. Lee Lisboa traz na bagagem os chutes de fora (sua marca registrada), arremesso desejado pela proposta de jogo da técnica Bruna Rodrigues, e rebotes, fundamento que faltava à equipe. Gradativamente, a equipe sobe na tabela e impõe respeito às adversárias.

Se alguns sobem, outras descem. Catanduva derrapa principalmente pelas lacunas defensivas do conjunto; nem sequer as constantes mudanças na rotação, promovidas pelo técnico Cesamar, surtem efeito. Em Mesquita, problema similar produz os mesmos efeitos – razões do time cair para a vice-lanterna da competição no momento. O Ituano melhorou, dependente de atuações de gala da dupla Monique e Joice.

Independente das posições, o returno trouxe a imprevisibilidade tão sonhada pelos torcedores. Os times estão se ajustando e a tendência é de melhoria das equipes. Convem levar cada confronto e sério e monitorar os ajustes de cada técnico.

MVP e seleção

A corrida pelo MVP da LBF tem duas fortes candidatas: Aline Moura e Iza Sangalli. A campanha para Aline não exige muita elocubração: a melhor jogadora do melhor time e líder de eficiência do torneio. Beneficiada por um padrão coletivo, a pivô destaca-se sem sombrear as companheiras e, se não ocorrer uma completa reviravolta, deve faturar o prêmio.

Iza Sangalli não possui o contexto coletivo tão sedimentado, tendo que se adaptar às peças disponíveis e às intempéries do mercado. Ainda assim, Iza conduziu com maestria sua equipe, a líder de um time em construção. A ala-pivô joga a maior parte do tempo na posição 4 e sua inteligência se sobressai, disposta a qualquer coisa necessária para seu time. Não à toa, Iza produz números em quase todos os quesitos do basquete.

Suas atuações, em nível excelente desde a temporada passada, aumentam suas chances de conquistar o MVP da LBF, bem como os clamores para uma convocação na seleção brasileira. Sangalli era vista, na época da base, como futura estrela; porém seu desempenho tardou a se traduzir no adulto. Agora que se estabeleceu como estrela na liga, o próximo passo é o retorno (e consolidação) na seleção.

Sua versatilidade reduz-se drasticamente no circuito mundial, uma vez que ela parearia com jogadoras da posição 4, em geral bem maiores e mais fortes. A falta de chute longo traz problemas adicionais, pois seu deslocamento para a posição 3 fere o espaçamento. Nada que um QI altíssimo de basquete não possa compensar, a depender das companheiras em quadra e do tempo para entrosar. Se Iza aumentar o aproveitamento nas bolas de dois pontos (38,1%, única do top 10 em eficiência a anotar abaixo de 40%), passa de uma interrogação para uma certeza para a seleção.

A Copa América bate à porta e a busca pela vaga olímpica em Paris terá largada em junho. Dado o momento atravessado pela seleção, toda ajuda será comemorada, ainda mais de uma jogadora tão polivalente quanto Iza Sangalli.


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