As digitais da primeira vitória do Ituano na LBF

Lucas PachecoMaio 3, 20237min0

As digitais da primeira vitória do Ituano na LBF

Lucas PachecoMaio 3, 20237min0
Lucas Pacheco acompanhou a primeira vitória do Ituano na LBF e conta-nos a importância deste resultado para as campeãs de 2021

O primeiro de Maio reservou uma boa surpresa aos espectadores da Liga de Basquete Feminino (LBF) brasileira. No dia dos trabalhadores, o calendário alocou rodada dupla para o início do returno da fase de classificação e o lanterna Ituano conquistou sua primeira vitória no campeonato, ao derrotar o Bax Catanduva por 72 x 68. Um resultado inesperado, cuja surpresa nos leva à montagem do elenco ituano.

Surgido em 2018, o projeto de Itu sempre foi liderado pelo experiente Antônio Carlos Barbosa, técnico e gestor, capaz de amealhar capital político e econômico para sustentar um time profissional de basquete feminino no Brasil. As duas primeiras campanhas na LBF seguiram as receitas modestas, com a equipe alcançando a sexta e sétima em 2018 e 2019; o intervalo decorrente da pandemia trouxe mais poder à equipe, responsável por juntar um esquadrão no ano de 2021, cujo resultado foi o título inédito. Com apoio massivo da prefeitura de Itu, o projeto expandiu-se e passou a investir na base, além da construção de um ginásio que hospedou a vitoriosa campanha de 2021.

Era, ainda, a primeira vez em Itu que Barbosa cedia o comando técnico e dedicava-se exclusivamente à gestão – Bruno Guidorizzi liderou o elenco rumo ao título. No ano seguinte, a equipe perdeu força no investimento e, a despeito de um respeitável quinteto titular, a pequena profundidade do elenco fez falta. As contusões não ajudaram e o time acabou eliminado nas quartas-de-final da liga em 2022. Ainda que fortalecido pelo trabalho na base, o rodízio não incorporou os talentos que despontavam e obrigou à alta minutagem de um elenco mais velho. O resultado aquém do esperado, repetido no campeonato estadual, motivou o retorno de Barbosa ao comando do time adulto e o rebaixamento de Guidorizzi à base.

O currículo de Antônio Carlos Barbosa fala por si e sua trajetória no basquete está muito bem sintetizada no verbete da wikipedia. Na primeira passagem pela seleção adulta, entre 1976 e 84, foi o primeiro técnico a convocar e comandar Hortência, Paula e Marta na seleção; ele ainda teve outras duas passagens pela seleção: entre 96 e 2007, quando conquistou o bronze olímpico em Sydney, e na decepcionante campanha dos Jogos do Rio em 2016. No circuito de clubes, sempre esteve a frente de projetos poderosos e comandou elencos qualificados.

Porém, seu retorno ao comando técnico do Ituano passou longe da unanimidade. Um técnico da nova geração, estudioso das tendências atuais e das evoluções do jogo, cedeu lugar a um técnico forjado nos longínquos anos 70, com um elenco mais enxuto, mais jovem e menos experiente: os prognósticos para o Ituano não eram nada favoráveis e a campanha de 7 derrotas no turno apenas fortaleceu as pessimistas previsões.

O treinador Barbosa (Foto: FBB)
O treinador Barbosa (Foto: FBB)

Não se trata de críticas pessoais ao vitorioso técnico, mas questionamentos acerca de sua abordagem (sem resultados expressivos há mais de uma década, pelo menos), se era a mais adequada às condições do Ituano em 2023. Barbosa pertence à mesma geração de Pat Summitt (ambos estrearam em suas seleções no Mundial de 1979); sua carreira antecede a revoluções vividas pela modalidade nessas cinco décadas (consolidação do universitário nos EUA, derrocada da hegemonia soviética, surgimento de Austrália e França como potências, além de tendências táticas).

Barbosa comandava pranchetas quando nem Geno Auriemma, nem Tara VanDerVeer, nem Kim Mulkey (para ficarmos nos Estados Unidos) haviam iniciado suas carreiras. No Brasil, Vendramini e Arilza, companheiros de geração de Barbosa, migraram do cargo de técnico para a gestão de Campinas e Santo André, onde permanecem.

Se já não fosse suficiente, o elenco do Ituano para a atual temporada da LBF concentrou armadoras da posição 1 (Joice, Larissa, Aninha e Isinha) e pivôs da posição 5 (Bianca, Karina Jacob, Maria Carolina e Monique), além da ala Palmira. A dificuldade em juntar essas peças em um conjunto coerente refletiu-se na campanha sem vitórias do turno, com as mais experientes acumulando alta minutagem, tendo que recorrer a defesa zona (2-3) pouco intensa e sem acesso ao high-low (jogo entre as duas pivôs, posicionadas uma no poste alto e outra no baixo) devido às características do elenco. Praticamente todas as estatísticas colocam o Ituano na rabeira e as sete partidas tampouco mostravam evoluções individuais ou ajustes táticos.

Eis que a pivô Monique desembarca em Itu, retornando ao clube onde disputara três edições da LBF, com poucas oportunidades. Após o título de 21, quando jogou 8 partidas, com média de 7 minutos, a pivô partiu para Portugal e, longe dos holofotes brasileiros, fortaleceu seu jogo. Sequer cotada por algum clube para 2022, o desempenho na liga portuguesa nesta temporada trouxe seu nome de volta à luz. Com poucas oportunidades na LBF até então, era difícil avaliar o impacto da chegada da pivô de 26 anos à LBF.

Duas partidas foram suficientes para Monique mostrar a (r)evolução sofrida em Portugal. Na derrota para Blumenau, a pivô produziu um duplo-duplo cavalar de 19 pontos (57% nos arremessos) e 21 rebotes; ontem, na vitória sobre Catanduva, outra atuação monstruosa, com 19 pontos (46%), 18 rebotes e 5 assistências. Sem mencionar a defesa, onde demonstra muita atividade e velocidade nos pés, cobrindo áreas amplas e cortando diversos passes.

Monique, que antes das temporadas em Portugal não atingia 10 minutos de quadra, agora acumula 38 de média; nos dois jogos, ela coletou praticamente metade do total de rebotes de seu time. Com a pivô em quadra, o Ituano subiu sua produção e desafogou a dupla (eixo de confiança do técnico Barbosa) Joice e Palmira – enquanto a ala ainda busca retomar a eficiência nos tiros longos, a armadora Joice encontrou uma dupla na pivô, juntando duas excelentes defensoras.

No triunfo sobre Catanduva, a armadora não descansou e ainda calibrou a mão: os 20 pontos (5/7 da linha de três), 5 rebotes, 9 assistências e 4 roubos foram essenciais. Joice e Monique carregaram o time rumo à vitória. A fagulha que a até então moribunda equipe precisava chegou junto com a pivô Monique, com mais requinte nos fundamentos e técnica. Resta saber se a melhora individual poderá alavancar o conjunto como um todo e melhorar o desempenho das demais peças da enxuta rotação; a amostra é mínima, mas a equipe desperdiçou menos bolas nos dois últimos jogos.

A resposta sobre o estágio do Ituano será possível após a fase de classificação. Com a melhora vista recentemente, os adversários entrarão com mais cuidado e mais respeito; cabe ao elenco de Itu adicionar tijolo por tijolo à fundação que parece ter sido encontrada. Tarefa de incumbência também ao experiente técnico, cuja missão será adaptar um elenco desequilibrado à realidade do cotidiano, fazendo evoluir (por menor que seja) aspectos do jogo para cada jogadora da rotação.

O Ituano depende desses ajustes finos para deslanchar de vez na LBF – ou para se estabelecer como lanterna da competição. Se antes havia poucas razões para acompanhar o Ituano, as perspectivas melhoraram. Até onde o time chegará, teremos que ver partida a partida.

Joice frente ao Catanduva (Foto: LBF)

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