História, homenagens e basquete feminino: a classe de 2023 do Hall da Fama

Lucas PachecoAgosto 17, 20236min0

História, homenagens e basquete feminino: a classe de 2023 do Hall da Fama

Lucas PachecoAgosto 17, 20236min0
Lucas Pacheco traz uma história fantástica sobre o Hall da Fama de 2023 que aborda grandes atletas que marcaram o basquetebol no passado

Os Estados Unidos, pais do esporte da bola laranja, são exímios em rememorar o passado, no tocante ao basquete. Além do Hall da Fama da FIBA, o Naismith Memorial Basketball Hall of Fame elenca outro panteão da modalidade na cidade berço de Springfield (sem contar a contraparte feminina, sediada em Knoxville, estado de Tennessee). Na semana passada, a classe de 2023 do Hall da Fama foi coroada na cidade de Massachussets.

Chance única de reverenciar quem construiu a história do esporte, a celebração nos leva ao passado glorioso, criando vínculos com o presente. Dentre nomes tão conhecidos, como Gregg Popovich, Dwayne Wade, Pau Gasol, Tony Parker, Dirk Nowitzki, um nome de mulher figurou no seleto grupo, a ala-armadora medalhista olímpica (pela Rússia), recordista de várias estatísticas na WNBA e recém campeã como treinadora da liga profissional feminina – ninguém menos que Becky Hammon. Em uma classe com as cores de San Antonio, não podia ficar de fora o nome da primeira assistente técnica mulher de uma equipe da NBA.

O tom da celebração pendeu para o vínculo de Hammon com o Spurs e a própria tratou de enaltecer a oportunidade dada por Popovich. Seu pioneirismo recebeu todos os louros e recebemos a exaustão imagens da homenageada, relembrando sua trajetória na WNBA (de undrafted a estrela) e sua ainda curta carreira de treinadora.

Destoa, porém, a quase nulidade de menções a outra agraciada no mesmo evento, a seleção norte-americana feminina das Olímpiadas de 1976. Montreal presenciou a primeira vez que o basquete feminino compareceu aos Jogos, com um atraso de 40 anos em relação ao naipe masculino.

Foto: Hall of Fame

Visto apenas o resultado, estranha o país atualmente hegemônico na modalidade celebrar um vice-campeonato. É nessa estranheza que a história do esporte poderia ser redefinida e recontada por uma perspectiva mais ampla, justamente uma das tarefas dos “halls da fama”. À época, inexistia basquete feminino profissional nos Estados Unidos (a WNBA – única liga que conseguiu estabilidade – data de 1997, 50 anos depois da NBA); sequer o basquete universitário possibilitava prática maciça e ampla (a NCAA iniciou sua disputa em 1982, 40 anos depois do masculino).

A modalidade restringia-se a universidade pequenas, exclusivas às mulheres, a maioria de cunho religioso. O cenário de extrema desigualdade começou a mudar com a emenda legal conhecida como Title IX, que obrigou as uiversidades a investir de forma equânime no esporte masculino e feminino. Sancionada em 72, a lei abriu as portas educacionais e as possibilidades esportivas às mulheres; 4 anos depois, uma seleção formada por jovens, com média de 21,3 anos de idade, conquistou a medalha de prata na estreia da modalidade feminina no principal torneio esportivo mundial.

Os Estados Unidos finalizaram a campanha com 3 vitórias e 2 derrotas, uma na estreia contra o Japão (71 x 84) e outra para a então imbatível URSS, da pivô Uljana Semjonova. No elenco, nomes lendários como Lusia Harris (cestinha – com 15,2 pontos por jogo – e reboteira – 7 por jogo – da equipe), primeira e única mulher draftada pela NBA, Ann Meyers Drysdale e Nancy Lieberman, cuja trajetória ilustra as barreiras enfrentadas pelas mulheres no basquete. Lieberman tinha 18 anos na conquista da prata e, após concluir a universidade em 1980, passou por ligas semi-amadoras até voltar aos holofotes em 1997, quando aos 39 anos jogou a temporada inaugural da WNBA.

PHOENIX, AZ – JUNE 22: Nancy Lieberman #10 of the Phoenix Mercury brings the ball up the court against the Charlotte Sting on June 22, 1997 at Talking Stick Resort Arena in Phoenix, Arizona. NOTE TO USER: User expressly acknowledges and agrees that, by downloading and or using this photograph, user is consenting to the terms and conditions of the Getty Images License Agreement. Mandatory Copyright Notice: Copyright 1997 NBAE (Photo by Barry Gossage/NBAE via Getty Images)

Outra jogadora da seleção vice-campeã olímpica, Patricia Head, tornou-se nada menos que uma das maiores treinadoras da história do esporte, conhecida como Pat Summitt. Infelizmente, sua carreira dentro das quadras foi curta, não restando outra oportunidade que virar treinadora. Refletindo as desigualdades da sociedade norte-americana de então, apenas 4 jogadoras negras no elenco.

Um time que merece todas as loas e homenagens possíveis, não apenas pela conquista da medalha como pela resiliência em praticar um esporte tão pouco acessível às mulheres. Pioneirismo tão importante quanto o de Becky Hammon, a tal ponto que torna indissociável as trajetórias das duas homenageadas pelo Naismith Hall of Fame. Infelizmente, a coroação da seleção de 76 foi ofuscada pelo restante da classe e as pontes entre as conquistas (coletiva da seleção, individual de Hammon) obscurecidas em decorrência do enfoque masculino dado ao esporte.

A perspectiva masculina explicita-se seja na inundação de fotos e imagens dos homens homenageados, celebrados à exaustão nas redes sociais, seja nos critérios de seleção do próprio comitê organizador (8 escolhidos do naipe masculino, contra apenas 3 do feminino). Ou, ainda, na escolha de como celebrar o pioneirismo de Becky Hammon, enaltecendo sua participação na liga masculina em detrimento a todos os seus feitos na quadra.

A história é feita por recortes, escolhas, entre aquilo que iluminamos e aquilo que jogamos sombra. O machismo repõe-se de diversas formas, inclusive no modo como o panteão do esporte é construído, como as narrativas são contadas. Chegará um dia em que as mulheres não serão colocadas em nichos e restritas ao papel de ‘pioneiras’; cabe à nossa geração não reduzi-las a esse espaço e resgatar a luta histórica por igualdade de condições e investimento. Contra tudo e contra todos, a seleção de 76 marcou seu lugar na história, possibilitando que novas gerações a sucedessem, tal qual Becky Hammon (com muitas páginas a preencher em seu currículo, ainda em construção).


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS