Futebol de praia pós-Covid: e agora?
Um pouco à semelhança do que tem sido decidido pelas mais altas instâncias governamentais e organizações desportivas um pouco por toda a Europa, a Beach Soccer World Wide decretou o adiamento de todas as provas da temporada de 2020 para o último terço do ano, em consequência da pandemia provocada pelo vírus covid-19 que alastrou ao mundo inteiro neste momento. A época deverá assim iniciar-se em Setembro, devendo prolongar-se até Fevereiro de 2021, se necessário.
Adiamentos, cancelamentos e incertezas
No plano internacional, trata-se essencialmente de assegurar a realização das competições emblemáticas do Verão europeu, nomeadamente a Euro Winners Cup, que deveria ter lugar já no início de Junho na Nazaré, e sobretudo a Liga Europeia, que deveria englobar várias etapas com torneios das divisões A e B, culminando com a Superfinal, prevista para Figueira da Foz, bem como a Women’s Euro Cup, principal competição europeia de selecções que consagra as campeãs europeias. Se a Euro Winners Cup deverá manter-se relativamente inalterada, será expectável em todo o caso uma redução do número de equipas participantes tanto na competição masculina como na prova feminina em relação aos anos anteriores, em que todos os recordes foram batidos ano após ano no maior evento de futebol de praia do planeta. No caso da Liga Europeia, a redução do número de etapas parece já inevitável, sendo inclusivamente debatida a hipótese de reestruturação o formato da Superfinal.
Um outo ponto verdadeiramente fundamental prende-se com a disputa do torneio de apuramento para o Campeonato do Mundo FIFA 2021, a realizar no Verão de 2021 em Moscovo. A qualificação europeia estava agendada para Julho deste ano, sendo uma incógnita a data definitiva de semelhante evento. Outras provas relevantes no âmbito da promoção da modalidade, como o mundialito, tornam-se cada vez mais incertos. A Copa Madjer, importante evento de promoção da modalidade junto dos mais jovens, que englobava duas competições juvenis, foi cancelada, o que não deixa de constituir uma notícia extremamente triste para uma modalidade que tinha vindo a crescer também nessa importante vertente tantas vezes descurada. Ao mesmo tempo, as ligas domésticas de cada país deverão readaptar-se, simplificando quadros competitivos e encurtando calendários para que todas as provas possam realizar-se enquanto as condições meteorológicas o permitirem.
Poderá o indoor ajudar?
Este adiamento da competição de cerca de 3 a 4 meses vem suscitar, justamente, uma importante discussão em torno de soluções alternativas que possam ser implementadas para salvar a temporada de futebol de praia. Se a temporada europeia deveria centrar-se entre Maio e Setembro, a recalendarização levaria a uma deslocação das competições para os meses de Setembro a Dezembro, o que simplesmente não é compatível com a meteorologia da grande maioria dos países europeus. Se em Portugal, Espanha, Itália e Turquia seria possível, com alguma resiliência, ver futebol de praia jogado ao ar livre até ao final do outono, os países do Centro, Norte e Leste europeu dificilmente poderiam acolher torneios a partir de Novembro. Por este motivo, a aposta na vertente indoor parece constituir-se como uma importante parte da resposta às restrições de calendário.
Suponhamos agora que uma parte importante dos eventos a nível internacional tinham de ser disputados em recintos indoor, possivelmente já entre os meses de Dezembro de 2020 e Fevereiro de 2021. O único candidato forte para receber um evento de tal dimensão parece ser o Luzhniki Sports Palace de Moscovo, que recentemente foi o palco do Mundialito de Clubes 2020, conquistado pelo Sporting Clube de Braga. Parece inclusivamente plausível que a qualificação para o Mundial do próximo ano tenha de ser disputada durante esse período, na Rússia, que como país organizador teria já a vaga garantida no próximo mundial. Em semelhante situação hipotética, os anfitriões poderiam escolher entre participar ou não no evento, mas sabendo de antemão que já teriam o apuramento garantido, o que seria sempre estranho. Estranho, mas não inédito, pois a Itália realizou esse mesmo trajecto em 2010, ao organizar (e participar) na qualificação europeia para o Mundial FIFA 2011 que se realizaria… em Ravenna, Itália. Certo é que os transalpinos averbaram uma das piores prestações de sempre e não teriam conseguido o apuramento se este não lhes fosse conferido pelo estatuto de organizador. 10 anos mais tarde, irá a Rússia disputar a qualificação com o apuramento garantido? Em todo o caso, parece-nos evidente que os czares iriam sempre entrar em campo para vencer, sobretudo tratando-se de um evento jogado em casa.
Que equipas reagirão melhor à paragem?
Uma outra questão interessante a explorar prende-se com o modo como diferentes equipas irão reagir a esta situação. Para simplificar, centremo-nos um pouco no cenário masculino europeu. Quais seriam as equipas que mais facilmente superariam o interregno motivado pela pandemia para se apresentarem a um nível mais alto nas competições internacionais, nomeadamente a Liga Europeia e a Qualificação para o Mundial?
Por um lado, acreditamos que a estagnação gerada pelo confinamento generalizado na Europa pode fomentar uma manutenção da hierarquia europeia registada em 2019. De forma sumária, parece-nos natural que, com os atletas impedidos de treinar e o tempo de preparação das provas encurtado ao mínimo indispensável, a aposta nas rotinas e métodos antigos terá a primazia na época de 2020, devendo as equipas mais fortes estender o seu domínio em função da qualidade apresentada anteriormente, ao passo que as equipas mais débeis não terão realmente a oportunidade de trabalhar para progredir rumo a um patamar superior. Além disso, tratando-se de um ano de estagnação, o investimento a nível interno não trará ainda os retornos que poderiam reflectir-se numa subida substancial do rendimento de algumas equipas.
Cremos, portanto, que Portugal e Rússia continuarão a ser os grandes colossos europeus, seguidos de perto por uma Itália que já surpreendeu ambos em 2019, por uma Espanha sempre aguerrida e uma Bielo-Rússia que estava já a atravessar o melhor período da sua História recente, após participar pela primeira vez no Mundial.
Não referimos ainda dois vultos relevantes no plano europeu: Suíça e Ucrânia. Ambas deverão continuar a constituir ameaças de peso, mas talvez partam em desvantagem para a temporada de 2020 em função das condicionantes de calendário. A Mannschaft helvética atravessa um período de renovação, enfrentando a saída do seu histórico capitão Mo Jaeggy e do seu irmão Valentin, substituído na baliza por Elliot Monoud. Apesar de alguns bons resultados em 2019, mercê da técnica superior do núcleo duro e um modelo de jogo eficaz no aproveitamento das suas qualidades, os suíços não revelaram a consistência de outros anos, adivinhando-se um futuro incerto para os homens de Schirinzi.
Além disso, depois de Hodel, as novas aquisições helvéticas não revelam a mesma qualidade, fruto do desinvestimento na liga Suíça, que este ano sofrerá novo revés com a pandemia da covid-19. Por seu turno, a Ucrânia está também em pleno processo de renovação e em 2020 esteve um pouco abaixo do que já fizera em anos anteriores, apesar de ter, por exemplo, participado nos jogos mundiais de praia do Qatar. Parece-nos que esta selecção ucraniana parcialmente rejuvenescida precisa de mais competição para adquirir experiência e mais treino, o que não será fácil com um calendário reduzido e uma meteorologia previsivelmente pouco amigável durante o outono e falta de infraestruturas para treinar indoor. Assim, apesar de ser um dos países menos afectados pelo vírus na Europa, a Ucrânia poderá acabará por ser uma das selecções mais afectadas no que ao futebol de praia diz respeito.
Em sentido inverso, os países do sul da Europa, graças a um clima mais benigno, e a Rússia, em virtude de condições soberbas para a prática do futebol de praia indoor, irão previsivelmente usufruir de melhores condições de treino durante a época e assim apresentar índices físicos mais robustos.
Conjecturas em meio de muitas incertezas
Naturalmente, tudo o que aqui escrevemos não passa de especulação acerca de um futuro que se antevê incerto, a começar pela assunção da possibilidade de realização das competições a partir de Setembro. Esperamos, não só pelo futebol de praia, mas sobretudo em prol da saúde pública no velho continente, que estejam reunidas as condições para a prática da modalidade ao mais alto nível, ainda que provavelmente à porta fechada.
No entanto, nos tempos que correm, a concretização dos calendários desportivos não pode ser tida como um dado adquirido, uma vez que está sujeita a um forte condicionamento por parte de medidas governamentais, regidas com base na evolução futura da pandemia que obviamente não é ainda conhecida. Além disso, o simples tema das viagens entre países que poderão encontrar-se em estágios diferentes da luta contra o vírus poderá constituir um problema, caso alguns países resistem segundas e terceiras vagas do contágio, por exemplo.
Se forem consideradas viagens intercontinentais, tendo em vista a provável participação de jogadores americanos e asiáticos na Euro Winners Cup, por exemplo, as restrições de viagem poderão constituir um problema de ainda maior dimensão, particularmente quando Brasil e Irão – dois dos países que mais atletas não europeus fornecem aos clubes – são dois dos países mais afectados pelo vírus fora da Europa, sem que a redução do número de casos activos seja ainda uma realidade.
Estará a situação mais próxima da resolução em Setembro? É o que todos desejamos, mas teremos de aguardar a evolução nos próximos meses para tirar conclusões mais firmes. Até lá, resta-nos sonhar com a retoma do futebol de praia, que certamente continuará a animar as praias ou pavilhões um pouco por todo o mundo num futuro próximo.