Crossover entre WNBA e LBF

Lucas PachecoJunho 6, 20246min0

Crossover entre WNBA e LBF

Lucas PachecoJunho 6, 20246min0

A ampliação da cobertura sobre a WNBA trouxe um efeito colateral indigesto para os fãs assíduos. Um ambiente construído gradativamente, pedra sobre pedra, de repente viu-se soterrado por comentários personalistas, misóginos e a-históricos; sem considerar as antecessoras e o conhecimento acumulado, parte da nova audiência foi tragada por discussões fúteis e agressivas. Nada de novo em um mundo controlado por algoritmos dominados pela extrema direita; o que causa espanto é o basquete feminino ser incorporado a essa lógica.

Por outro lado, enfim as jogadoras obtiveram reivindicações antigas, como os vôos fretados, e o investimento (bem como a divisão entre as estrelas da liga) cresceu consideravelmente. Passado um tempo para os noviços se acostumarem à liga, teremos novos fãs e o esporte seguira seu crescimento orgânico. Assim esperamos.

Um tópico repelido pelos fãs contumazes, ainda que interessante para os novatos, é a comparação de atletas da WNBA com sua contraparte masculina. Ainda que eu não seja tão avesso a esse recurso (afinal trata-se de um único esporte), o naipe feminino possui história suficiente para que as referências sejam as mulheres predecessoras; além de caracterizar o estilo de basquete de uma jogadora, isso permite um mergulho na história do basquete feminino, tão menosprezada e minimizada.

A comparação proposta aqui, entretanto, será ainda mais ousada, um verdadeiro crossover entre a WNBA e a LBF. Estatisticamente, as ligas estão em outros patamares; após anos de solicitações, a liga implantou os ‘advanced stats’. No Brasil, estamos a anos luz dessa realidade; mas, se a trajetória da WNBA nos prova algo, é o poder das críticas recorrentes. Tampouco é justa a comparação quanto às condições de trabalho: nos EUA, investimento crescente, base fortíssima e amplo sistema de iniciação esportiva. O Brasil vive o inverso.

De qualquer modo, o espelhamento serve para ampliar horizontes. Por que não testar?

MIlena Nega e Alyssa Thomas

Exímia defensora, explosiva, atlética e, pela ausência de chute, uma jogadora de difícil encaixe em esquemas pré-moldados.  Estamos falando de Milena Nega, ala de Blumenau, mas poderíamos usar as mesmas definições para Alyssa Thomas, ala-pivô do Connecticut Sun. Duas jogadoras essenciais para suas equipes, capazes de exercer múltiplas funções e que se encarregam de qualquer adversária na defesa.

Thomas sofreu alguns anos de questionamento antes de provar seu valor; ora jogada para o perímetro, e descartada pela incapacidade de arremessar, ora para o garrafão, e tida como baixa para a posição, ela se estabeleceu quando o time passou a jogar ao seu redor. Conduz e arma o time, faz bloqueios duros, agressiva nos rebotes, Thomas é um verdadeiro canivete suíço, com médias beirando triplo duplo e  candidata perene a MVP.

Com números obviamente menos vistosos, Milena perambulou por diversas equipes até se consolidar na rotação de Blumenau nesta temporada. Com lesões que atrapalharam seu desenvolvimento,  ela foi utilizada como armadora principal em Santo André, passou pela ala em Sorocaba e Mesquita até virar peça chave no esquema mais fluido de Bruna Rodrigues em Blumenau.

Duas jogadoras ímpares que usam sua mobilidade para se impor fisicamente, em qualquer canto da quadra. Milena é a segunda assistente do time (atrás da insuperável Meli Gretter) e pontos e rebotes próximos dos dígitos duplos. Um ajuste que poderia elevar ainda mais seu desempenho seria a restrição dos chutes longos – os 19,3% não animam – bem como o espelhamento das posições e funções de Alyssa Thomas.

Foto: LBF

Monique e Aliyah Boston

Depois de uma temporada de ótimo desempenho em 2023, mudanças no time ocasionaram uma queda em 2024. As duas pivôs, dominantes dentro da área pintada, tiveram que se adaptar a novas realidades e os desempenhos individuais refletem mudanças táticas. Boston chegou na liga em 2023 e, como novata, foi eleita para o All Star Game, fato raro; ela logo virou a referência do Indian Fever.

Monique, após ficar fora da LBF em 2022, em sua quarta temporada despontou, saltando de menos de 10 minutos por jogo para mais de 30 no Ituano. Seus números tornaram-se seis vezes maior e ela virou uma das principais pivôs da liga brasileira. A chegada de Gabi Guimarães e Lee Lisboa, porém, mudou tudo: o técnico António Carlos Barbosa adaptou-se a um time mais leve e veloz, apostando nos tiros de fora e no small ball; quando Monique enfim chegou, a centralidade da pivô esvaíra-se.

https://twitter.com/_BrasilDraft/status/1797394511737561237

Boston passou por algo parecido com a escolha de Caitlin Clark pelo Fever; tão altruísta quanto talentosa, ela abriu mão de protagonismo para que sua equipe se encaixasse. Parte da redução de toques, de diminuição do poste baixo, sua restrição a bloqueadora e detrimento da pontuação decorre da formatação da equipe; parte é consequência do desempenho individual inferior.

Tal qual Monique. Ambas lutam para voltar ao desempenho de 2023 e possuem poucas partidas em 2024 para qualquer afirmação mais perentória. Independente do resultado final, elas devem seguir na lista de principais pivôs de suas ligas e possuem um futuro brilhante pela frente.

Monique (Foto: LBF)

Tássia e DeWanna Bonner

Haveria muitas outras comparações instigantes, guardadas para uma segunda parte deste texto. Não poderia deixar de fora duas jogadoras com importância histórica em suas ligas, que a despeito de suas múltiplas conquistas seguem abaixo do radar e produzindo em alto nível. Duas alas pontuadoras natas.

DeWanna Bonner chegou ao Connecticut Sun na fase final da carreira, quando todos davam por iminente sua aposentadoria. Após dois títulos junto ao Phoenix Mercury, como coadjuvante de luxo, sua transferência não recebeu o devido tratamento. Erro crasso: ela logo se reafirmou como estrela e transformou o Sun em contender.

Também Tássia mudou de equipe, em um movimento pouco comentado, deixando Campinas para se integrar ao modesto (em termos de investimento) Santo André. Parecia uma contratação secundária à época; bastou a saída de Lays e Sassá para Tássia assumir a liderança e protagonismo da equipe. Ela e Bonner, duas shooters natas, não precisam dos holofotes para brilhar; sem a atenção merecida, seguem em altíssimo nível, pontuando de todos os cantos da quadra.

Outra semelhança interessante é o reflexo, dentro de quadra, do entrosamento tecido em suas vidas pessoais. Bonner é noiva de Alyssa Thomas, sua companheira de equipe, assim como Tássia possui um relacionamento com Yasmim, especialista defensiva de Santo André e responsável pela absurda intensidade do time. Dois casais ds destaque, esteios de suas respectivas equipes, em campanhas empolgantes na atual temporada. O basquete não se restringe à quadra e o feminino carrega um engajamento (muito) maior em pautas sociais em relação ao masculino.

Tassia (Foto: LBF)


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